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Eleições dos EUA: Desafios ao liberalismo clássico e à pátria da liberdade

Vladimir Fernandes Maciel

Pela primeira vez na história recente dos EUA os eleitores que acreditam nos princípios do livre mercado não se veem representados em nenhum dos dois principais candidatos finalistas dos processos de primárias partidários.

De um lado a representante do partido Democrata, Hillary Clinton, que traz para seu discurso medidas intervencionistas de política pública (que fazem parte da ideologia dos Democratas) e, ao menos publicamente, não apoia o acordo de livre comércio da área do pacífico (Transpacífico) que seu colega de partido e presidente, Barack Obama, tentou viabilizar antes do fim de seu mandato.

De outro lado o representante do partido Republicano, Donald Trump, que pouco se afilia às teses encabeçadas pelo partido – ele possui a sua própria visão, que contradiz o histórico do partido (da ideologia do livre mercado e dos valores individuais conservadores).

É preciso dizer que os chamados “liberais clássicos”, isto é, aqueles que valorizam o livre mercado e a menor intervenção do governo, não conseguem se ver representados.

Obviamente a candidata Hillary Clinton não representa, nem de longe, os ideais liberais clássicos, e pesa sobre sua escolha as pouco transparentes doações à Fundação Bill Clinton e mesmo seus apoiadores e financiadores de campanha (grandes grupos empresariais, especialmente financeiros, com forte atuação em Nova Iorque, encabeçados pelo “megaempresário” Warren Buffet) – o que a coloca em xeque no que se refere a eventual captura dos “interesses públicos” por grandes interesses privados em seu eventual governo.

O grande problema, todavia, está no partido Republicano. Trump, ao menos em sua retórica, destrói as ideias de livre comércio e livre mobilidade de fatores (capital e, especialmente, trabalho) como mote principal de sua campanha.

Ele se vale de um fenômeno econômico e demográfico muito significativo nos EUA, que a Grande Recessão de 2008-2009 (até hoje não totalmente superada) agravou. O desemprego ou o emprego com baixa remuneração (em termos históricos) que têm atingido parte expressiva da antiga classe média, que caracterizava o “americano médio”: sexo masculino, branco, operário ou trabalhador braçal (com qualificação baixa ou então especialização insuficiente ou inadequada ao novo contexto de “tecnologia da informação”).

Trump explora o medo de um futuro ainda mais difícil que o presente e culpa o imigrante (especialmente o latino), cujo trabalho é mais barato, pelas dificuldades econômicas sofridas por aquele contingente significativo da população dos EUA, além, é claro, da “competição desleal” dos produtos da China. Assim sendo, ideias como um “muro separando o México dos EUA” ou a “taxação de produtos chineses” ou a ruptura dos acordos comerciais (como o Nafta – Área de Livre Comércio entre México, EUA e Canadá) ou a inviabilização de outros (como o Transpacífico) são ditas em cada momento da campanha sem qualquer constrangimento, muito pelo contrário.

Somente com uma boa dose de cinismo e/ou de oportunismo é possível um Republicano “histórico” apoiar Donald Trump. Para estudiosos e pensadores liberais atuais, o candidato Republicano é uma afronta à toda tradição iniciada em Adam Smith e perpetuada por economistas como Ludwig Von Mises, Friederich Hayek e Milton Friedman (dentre outros).

Além desses aspectos econômicos, cabe destacar que mesmo pela ótica comportamental, Trump não se alinha com muito dos valores Republicanos, uma vez que seus modos e posturas públicas pouco estão alinhados com os princípios relativos à família ou ao cristianismo. Por isso, muitos eleitores de cunho “liberal clássico” não votarão – o que implica uma eleição com elevada abstinência.

Enfim, o presente e o futuro para os “liberais clássicos”, sejam conservadores ou libertários do ponto de vista comportamental, não estão fáceis e tampouco claros, da mesma forma que não estarão para o Partido Republicano ao final deste pleito. O mundo aguarda ansioso os desdobramentos.

Vladimir Fernandes Maciel é coordenador do Mestrado Profissional em Economia e Mercados e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.

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