Simplificar, sinônimo em Brasília para precarizar as relações de trabalho
Antes de entrar em recesso, a Câmara dos Deputados aprovou, por votação simbólica, uma Medida Provisória que mais parece um monstrengo, digno de Victor Frankenstein. Isso porque, com a justificativa de simplificar a abertura e funcionamento de empresas, e a partir de uma série de emendas que ajudaram a criar um substitutivo ainda pior do que a versão original, a MP 1040/2021 estendeu seus tentáculos a várias atividades, interferindo em legislações já consagradas e, no frigir dos ovos, subtraindo direitos dos trabalhadores, notadamente os profissionais que atuam no setor de engenharia.
A MP 1.040 poderia ser chamada de mais um jabuti, mas isso seria uma ofensa para o dócil quelônio. Ela ganha contornos de uma criatura maligna, ao invocar um processo de “desburocratização para aumento de competitividade e modernização do ambiente de negócios no país”.
Para empresas e profissionais da engenharia, há enormes riscos na aprovação da matéria. Entre outras mudanças, o texto extingue, por meio do artigo 57, o piso salarial da categoria – formados em agronomia, arquitetura, engenharia, química e veterinária –, questão regulamentada por lei federal desde 1966 (Lei 4950- A/66). O revogaço do piso é uma emenda do deputado Alexis Fonteyne (Novo/SP).
Dentro do espírito da lei, esse artigo destoa completamente. Revoga-se um direito adquirido como se o piso dos engenheiros fosse um empecilho à simplificação pretendida. Na verdade, sabemos que o piso da engenharia já vem sendo vilipendiado por “empreendedores” inescrupulosos que não estão interessados em contar com a segurança e o conhecimento de um profissional qualificado. A precarização das relações trabalhistas é aliada desse tipo de “simplificação“.
O que causa espanto é o fato de a aprovação de uma MP como essa tomar de surpresa os conselhos federais dessas profissões. Eles deveriam estar preparados para evitar tais dissabores.
A MP 1040 chega ao Senado sem uma discussão ampla pela sociedade, demonstrando o acirramento de um sentimento apolítico que não é de interesse público. Evidencia o quanto a pandemia ampliou a passividade de setores representativos das categorias profissionais diante do necessário debate sobre as implicações das leis em suas respectivas áreas de atuação.
Em um espectro mais amplo, falta à sociedade uma participação mais intensa e efetiva na vida política do país. Persistir nesse marasmo é um erro. Um atraso que vai ser difícil recuperar no futuro.
Precisamos estar próximos da vida política e exigir do Legislativo e do Executivo ações que de fato sejam de interesse público. E isso vale não apenas para momentos críticos, como o que estamos vivendo agora, mas ao longo do tempo, a fim de garantir bem-estar social e oportunidades para todos.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro, jornalista, advogado, professor doutor, pós-graduado em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, integrante do Engenheiros pela Democracia e presidente da Ferrofrente e da Aguaviva, Associação Guarujá Viva.
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