Desafios e caminhos para a solução de conflitos em empresas familiares
Luiz Marcatti, sócio e presidente da Mesa Corporate
Governance
Foto: Murillo Constantino
Luiz Marcatti*
As empresas são ambientes nos quais as relações pessoais e profissionais se guiam, entre outros aspectos, pelo uso do poder. E, quando se trata de empresas familiares, há um ingrediente adicional: o convívio e as tensões decorrentes são potencializados por questões emocionais, intrínsecos às relações entre parentes. Nesse contexto, o impacto das ambições e das expectativas individuais pode desencadear conflitos que afetam a condução dos negócios no dia a dia e, em alguns casos, ameaçam até a perenidade da empresa.
Cerca de 80% das empresas no mundo têm
controle de família ou grupos de famílias, não se limitando a empresas de
pequeno e médio porte. Mesmo organizações de capital aberto e conglomerados
multinacionais têm controle, ou participações relevantes de famílias
empresárias. Segundo estatísticas globais, aproximadamente um terço das
empresas familiares consegue passar para a segunda geração e, destas, apenas
15% atingem a terceira geração.
A instalação de práticas formais de
governança corporativa e familiar permite que se criem processos de
profissionalização da administração das empresas, capazes de mitigar conflitos
e estabelecer um modelo que equilibre os interesses e ofereça o melhor para os
sócios, os negócios e a família. Por isso, a tarefa de transformar as
expectativas dos empresários em diretrizes, objetivos de trabalho e metas, bem
como a separação de papéis e o alinhamento entre os diversos níveis da
administração, devem ser bem estruturadas.
Para se criar um ambiente propício para
a formalização da governança, algumas etapas são muito importantes. No âmbito
societário, qualquer que seja o modelo de sociedade empresarial, é preciso
estabelecer um consenso – principalmente por parte dos controladores das
empresas – seguido pelo comprometimento e pela formalização de um acordo societário.
Esses ajustes permitem que a percepção do valor real das práticas empresariais,
tanto para a sociedade e quanto para a administração do negócio, seja
intensificada.
No âmbito da gestão, o imperativo da
organização dos papéis na estrutura da empresa parece óbvio, mas deve ser
enfatizado. Em empresas familiares, um cargo de confiança deve estar com um
profissional tecnicamente bem preparado, seja membro da família ou não. Quando
existe uma relação de apadrinhamento, fica difusa a linha que divide confiança
e o profissionalismo. Isso significa que deve existir uma direção estratégica
clara na gestão, com objetivos e retornos determinados para cada papel exercido
na empresa, além de um consenso claro a partir do estabelecimento de políticas,
código de conduta e um processo de meritocracia.
No âmbito familiar, é necessário atentar
à evolução do negócio, bem como criar regras que permitam a mitigação de
conflitos, seja na sociedade ou na própria família. Segregar as demandas
pessoais das profissionais e estruturar relações no ambiente de trabalho sem
privilégios e dentro das regras da empresa são pontos importantes para a
relação profissional entre familiares que estão num mesmo negócio. Para as
novas gerações, trabalhar na empresa deve ser uma opção de vida e de carreira,
bem pensada e planejada em um processo estruturado.
A preparação da sucessão tem o objetivo
de cuidar do patrimônio e do futuro da empresa. Na possibilidade de a próxima
geração vir a trabalhar na empresa, é necessário que se tenha a perspectiva de
mudanças e amadurecimento, pois a administração marcada pelo estilo de um
fundador é impossível de ser reproduzida. O sucessor, afinal, é de outra
geração, terá outra formação, outra visão de mundo – e o mundo também será
outro. A busca por um plano sucessório pode ser parte de um processo mais amplo
de conscientização e de entendimento da família para a solução de conflitos,
tanto para os sucessores, quando para o sucedido.
Na estruturação de uma organização, o
conselho de administração é um dos principais pilares da governança. Ele é um
“guardião” de transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade
corporativa que, ao mesmo tempo, traduz as expectativas dos sócios em
diretrizes e objetivos para os executivos. O conselho é instalado por uma
decisão estatutária, com seus papéis e responsabilidades devidamente definidos.
Formado com a inclusão de agentes externos, ele é responsável pelo
estabelecimento de políticas, objetivos e diretrizes estratégicos,
monitoramento e orientação da organização.
Como forma de diminuir tensões e
divergências, as empresas familiares contam, adicionalmente, com instrumentos e
órgãos que têm se estabelecido fortemente nos últimos anos. Um deles é o
conselho de família, que pode ser instituído para a formação e informação dos
familiares sobre os negócios, considerando o legado e valores da família. Já a
mediação profissional atua na prevenção e na solução de conflitos, por vezes
como alternativa a disputas judiciais (assim como as câmaras de arbitragem, que
afastam a via judicial, trazendo mais agilidade no processo de solução de
impasses).
O fato é que postergar ou evitar um
processo de profissionalização da administração e a instalação de boas práticas
de governança podem conduzir uma empresa familiar ao fim. Sua evolução, em
direção oposta, envolve uma busca contínua por excelência e compreensão dos
papéis de cada um. É isso que pavimenta o sucesso das relações familiares — e
também dos negócios.
*Luiz Marcatti é sócio e presidente da
MESA Corporate Governance. Administrador de empresas com especialização em
comércio exterior e marketing, atuou como executivo do mercado financeiro com
passagens pela área internacional do Banco Francês e Brasileiro e pela área
comercial do Banco Mercantil de São Paulo. É membro das Comissões de
Capacitação e Recursos Humanos do IBGC, membro associado da National
Association of Corporate Directors – USA, professor de Governança Corporativa
nos MBAs da Business School São Paulo e da FIA – São Paulo, e membro independente
de Conselhos de Administração. É coautor do livro “Nos Bastidores da Educação
Brasileira”.
Sobre a MESA Corporate Governance
A MESA Corporate
Governance trabalha a governança corporativa e familiar na dimensão humana do
poder, dinheiro e afeto. A empresa é constituída por uma equipe de consultores
especialistas e experientes que atendem às necessidades nos diferentes momentos
de modernização de empresas de origem familiar ou multissocietárias, quer sejam
de capital fechado ou com ações listadas em bolsas de valores. Também é filiada
às seguintes entidades e instituições: AMCHAM Brasil, IBGC – Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa, ICGN – International Corporate Governance
Network, FBN – Family Business Network e NACD – National Association of Corporate
Directors.
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