Saindo de um quarto de 9m² em um cortiço, família se muda para casa compartilhada adquirida pelo Projeto Social Compartilha.
A primeira casa do projeto acaba de ser
entregue para famílias de costureiros de uma cooperativa de São Paulo. A
iniciativa é parte do FICA, fundo que viabiliza moradias para famílias de baixa
renda do centro da cidade, com contratos regulares e aluguéis abaixo do preço
de mercado.
Yaneth com seus filhos, Diana e Juan. Aos poucos, estão montando a nova casa./Upper PR assessoria
Dezembro, 2021 – Na primeira semana de dezembro
aconteceu a entrega da
primeira casa do Compartilha,
projeto do fundo imobiliário de propriedade comunitária FICA, que visa a
aquisição de imóveis para destinação a moradores
de cortiços da região central de São Paulo, estabelecendo-os
como uma casa compartilhada.
Localizada no bairro no Bom Retiro, a
casa de 88m² foi entregue reformada. Os moradores do primeiro compartilhado são
a família estendida de Yaneth Blanca (32). A escolha veio a partir da
colaboração do Compartilha com a Cooperativa
Empreendedoras Sin Fronteras, que reúne 23 famílias bolivianas e paraguaias
que trabalham no bairro. Yaneth, assim como seu marido Ovídio Callaú (32), são
costureiros na cooperativa e
ocupavam um pequeno quarto em um pensionato com seus dois filhos,
Diana (9) e Juan (4), além dos pais de Yaneth e o irmão.
O antigo quarto, de 3x3m, abrigava dois
adultos e duas crianças, mais as máquinas de costura usadas para trabalhar. “O
quarto era subterrâneo, então recebia pouca iluminação e muita umidade. Meu
pai, que alugava um quarto no mesmo local, desenvolveu problemas de saúde lá.
Já o banheiro era único para sete pessoas”, conta.
A nova casa na rua Jaraguá tem três
quartos e dois banheiros. Em um dos quartos (o maior, de 15m²), estão agora
Yaneth, o marido e as duas crianças. O irmão de Yaneth é o locatário do segundo
quarto, e o terceiro ficou para os pais. “Agora estamos em uma casa arejada,
com janelas que entram muita luz. Temos uma sala espaçosa para caber as
máquinas de costura, e o corredor e quartos grandes para as crianças correrem e
brincarem”, comemora a costureira.
A iniciativa
Lançado em setembro, o Compartilha é
gerido por meio de investimentos de impacto social, que visam a aquisição de imóveis para
realocar moradores de cortiços e de pensionatos da região central de São Paulo,
estabelecendo-os como uma casa compartilhada.
A operacionalização inclui a reforma das casas para
produzir um ambiente de qualidade e de salubridade, respaldados por contratos de locação que
impeçam reajustes e despejos arbitrários, e a diminuição dos aluguéis pagos em até 30% abaixo
da média cobrada no mesmo bairro, conforme levantamento realizado pelo FICA.
O projeto, que faz parte da Wealth
Inequality Initiative, rede global de esforços destinados ao combate a
desigualdades sociais, é inédito no Brasil por introduzir a figura do proprietário social não especulativo
(quando o dono do imóvel não prioriza o lucro e destina sua operação para
demandas sociais), a partir de investimentos de impacto social.
A iniciativa contempla modelos
financeiro, jurídico, administrativo e social, baseado em investimento de impacto social com retorno
financeiro. A rentabilidade inicial foi desenhada para ser de
4% ao ano em até 10 anos, a depender do valor do imóvel. O financiamento
coletivo acontece com valores a partir de R$ 10 mil e é garantido pelo próprio
imóvel.
A casa piloto foi adquirida por R$ 280
mil pelo Compartilha, após dez investidores de impacto social investirem no
projeto.
De acordo com Roberto Fontes,
coordenador do Compartilha, esta é a primeira entrega de um cronograma que pode
viabilizar lares seguros
para outras 50 famílias até 2025, em uma primeira fase do projeto.
Yaneth e Ovídio vão pagar R$ 550,00 por
mês pelo quarto deles, e as despesas como água e luz, que serão divididas entre
todos os moradores da casa. É a primeira vez que terão um contrato de aluguel,
com direitos e deveres entre inquilino e locatário.
Cortiço – O m² mais caro da cidade
Segundo dados da SEADE/2004, registrados
no relatório geral do Programa de Atuação em Cortiços do governo de São Paulo, cerca de 160 mil famílias,
aproximadamente 596 mil pessoas, viviam em cortiços na região central de São
Paulo, o que correspondia a 6% da população do município.
Para Fontes, os cortiços representam
atualmente um dos investimentos imobiliários mais lucrativos da cidade. Ele
cita o exemplo de um quarto de 12 m² com banheiro compartilhado em um cortiço
no bairro do Glicério, cujo aluguel pode custar R$ 800, equivalente a 80% do salário mínimo.
“O m² de um cortiço no centro pode ser
mais caro que de um apartamento de classe média alta em São Paulo. O valor
contrasta com o péssimo estado da maioria dos edifícios, sem retorno na
qualidade da construção, segurança de posse ou qualidade de vida, nos quais os
inquilinos são frequentemente ameaçados de despejos”, explica.
O coordenador completa que o Compartilha
propõe produzir mudanças qualitativas. “Apresentamos aqui modelos de tecnologia
social e de investimento de impacto social, além de alternativas de habitação,
com potencial para demonstrar para o Estado a viabilidade de políticas públicas
que saiam do convencional”, frisa.
Sobre o FICA - O Compartilha faz parte do FICA, fundo
imobiliário de propriedade coletiva que nasceu em 2015 para promover o acesso
igualitário a moradias, baseado no modelo de propriedade comunitária e aluguéis
acessíveis para famílias com renda entre dois e três salários-mínimos. É o
primeiro fundo do gênero no Brasil.
Em 2017, o FICA adquiriu em comodato seu
primeiro imóvel: um apartamento no centro de São Paulo no qual reside uma
família que paga mensalmente um aluguel 50% abaixo do valor do mercado. Em maio
de 2021, adquiriu seu segundo imóvel, viabilizado por crowdfunding, com cerca
de 200 doadores. As doações para o imóvel 3 já atingiram 63% do valor
necessário para a compra e sua aquisição está prevista para o primeiro semestre
de 2022. Em setembro de 2021, o FICA ganha nova frente de ação - o Compartilha,
que que busca alterar a realidade dos moradores dos cortiços em São Paulo.
Mais informações em Fundo Compartilha Investimentos - FICA (fundofica.org)
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