Reeleição, corrupção e impunidade, entraves para o Brasil
Samuel Hanan**
Passados 24 anos de sua instituição, a
reeleição para cargos executivos no Brasil mostrou-se definitivamente uma
decisão equivocada. As premissas iniciais, segundo as quais esse modelo
permitiria ao governante tempo suficiente para concluir projetos de execução
mais demorada, bem como se constituiria um estímulo ao bom gestor público, não
mais se sustentam.
O tempo comprovou que prefeitos,
governadores e o presidente da República, uma vez eleitos, tomam posse já com o
pensamento voltado para a conquista de um novo mandato, dali a quatro anos. O
governo que deveria ser de coalização, em torno da aprovação e execução de
projetos em benefício da população, transforma-se, invariavelmente, em governo
de cooptação, com a distribuição de cargos, troca de favores e o uso
despudorado da máquina pública para fins meramente eleitorais, incluindo
nomeações políticas e empreguismo, desequilibrando o pleito ao conferir
vantagem àquele que ocupa cargo executivo. Propicia “alianças” eleitorais
precoces e múltiplas e desvirtua – ou anula - o papel fiscalizatório do
Legislativo.
O ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, que em 1997 se empenhou para a aprovação da proposta de emenda
constitucional que acabaria lhe beneficiando na medida em que possibilitou sua
reeleição, já reconheceu em artigo que a iniciativa foi um erro histórico.
“Imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é
ingenuidade”, afirmou FHC, em mea-culpa.
O estrago já está feito, mas é possível
a correção de rumo para não se perpetuar o equívoco e seus prejuízos. Se quatro
anos é pouco para um cargo executivo e a reeleição é desastrosa, a opção pelo
mandato de cinco anos para presidente da República, governadores e prefeitos,
sem possibilidade de reeleição, parece a mais adequada. Tal alternativa não
somente permitiria a reclamada conclusão de projetos administrativos de uma
gestão, como também consagraria o princípio democrático da alternância no
poder, estimulando o surgimento de novas lideranças, bem ao contrário do que
assistimos hoje.
Por outro lado, é preciso rever também a
questão do Fundo Eleitoral. É absolutamente inconcebível que um país com tantas
mazelas sociais e com 20% da população vivendo abaixo da linha da pobreza,
segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), destine verdadeira
fortuna para o financiamento de campanhas eleitorais. Em 2020, foram nada menos
do que R$ 2,03 bilhões, recursos que teriam destino mais nobre caso fossem
investidos para mitigar as principais carências nacionais como saúde, educação,
habitação, segurança e saneamento básico.
Se cada cidadão brasileiro tivesse
consciência dessa realidade, certamente questionaria porque os impostos que
pagamos têm de financiar a custosa campanha de alguém para que essa pessoa
alcance o topo da pirâmide, enquanto a maioria continua sofrendo as
consequências das enormes desigualdades sociais que o Brasil não é capaz de
eliminar porque não as enfrenta com seriedade.
O modelo atual, perverso, tira dinheiro
do pobre para eleger quem vai ganhar muito durante o mandato, período recheado
de privilégios, retroalimentando um sistema injusto, que cristaliza as elites.
Não é exagero dizer que tudo isso também
contribui para a corrupção, um mal que custa ao Brasil entre 1,38% a 2,3% do
PIB, segundo estudo divulgado em 2008 pela Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp). Não por acaso, o combate à corrupção aparece sempre entre
os primeiros problemas que mais merece a atenção dos brasileiros nas pesquisas
de opinião. Mais que uma percepção interna, essa é uma realidade medida
internacionalmente. O Brasil ocupa a 94ª posição nesse ranking de 180 países,
segundo os dados de 2020 do Índice de Percepção da Corrupção, o principal
indicador do gênero do mundo, produzido pela Transparência Internacional. O
índice atribui aos países notas entre 0 e 100, considerando zero a nação
percebida como altamente corrupta e 100 quando o país é percebido como muito
íntegro. Com 38 pontos, o Brasil está ao lado da Etiópia, Cazaquistão, Peru,
Siri Lanka, Suriname e Tanzânia.
Pior é constatar que evoluímos muito
lentamente no combate à corrupção. A Operação Lava-Jato, em que pesem decisões
posteriormente anuladas pela Justiça, recuperou aos cofres públicos R$ 4,3
bilhões desviados em esquemas de corrupção, além de garantir outros R$ 2,1
bilhões arrecadados em multas compensatórias nos acordos de delação premiada.
Mas há retrocessos, como a recente mudança na Lei de Improbidade
Administrativa, sancionada em outubro, que dificultou o combate à corrupção ao
alterar o rol das condutas consideradas improbidade, alterou o rito processual
e passou a exigir comprovação de dolo para a responsabilização do agente
público.
Além disso, vemos a impossibilidade de
prisão de réus mesmo condenados em segunda instância, e temos cerca de 55.000
pessoas – detentores de cargos públicos – gozando de foro privilegiado, um
número sem paralelo em todo o mundo. Eis aí o caldo de cultura perfeito para a
sensação de impunidade que permeia o País, fomentando na sociedade brasileira a
falsa ideia de que o crime compensa.
Temos, então, uma realidade inaceitável,
pois altamente prejudicial ao Brasil, tornando evidente que reformas são
necessárias e urgentes. Sem elas, a nação não será capaz de retomar o caminho
do desenvolvimento e os abismos sociais somente se acentuarão. Os brasileiros
não merecem que seu futuro seja ainda pior que o presente.
** Samuel Hanan é engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002)
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