Como criar meninas para se tornarem empreendedoras
Patrícia Mello (*)
Historicamente o Brasil sempre foi
reconhecido como um país agrícola e patriarcal, cuja maior riqueza eram os
recursos naturais e a venda de commodities. Agora, se tantos aspectos
econômicos, organizacionais e familiares mudaram com a pandemia, será que a
área do empreendedorismo também não sofreu transformações?
A resposta é sim! Os dados do SEBRAE
revelam que a cultura brasileira está mudando. Pesquisas apontam que, em 2021,
3,9 milhões de empreendedores formalizaram micro e pequenas empresas ou se
registraram como microempreendedores individuais (MEIs). E segundo a última
edição da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), também em 2021, o
número de empreendedores iniciais motivados por necessidade saltou de 37,5%
para 50,4% em 2020.
Mas, e se empreender não fosse uma
necessidade? E se empreender não fosse uma alternativa para somente trazer um
dinheirinho para casa e pagar as contas? E se fosse uma escolha consciente e
quase natural feita a partir de uma criação que estimulou as habilidades
empreendedoras desde cedo?
Com a pandemia, o trabalho remoto provou-se
possível e não apenas uma realidade de empresas descoladas da área da
tecnologia e inovação. E muitas pessoas decidiram aproveitar o momento e
experimentar empreender durante a pandemia aproveitando, inclusive, os
benefícios do Marketing Digital. Isso quer dizer que para muitas famílias, a
forma de se gerar renda mudou.
Então, como seria educar
intencionalmente as meninas para elas possam se tornar empreendedoras digitais,
se assim quiserem, e contribuir para que elas possam alcançar a autonomia
financeira e emocional por meio do empreendedorismo?
Se isso soa como uma boa ideia para
você, vou compartilhar agora alguns princípios que, com base na minha
experiência como Mentora de Empreendedoras Digitais, acredito que você deveria
aplicar dentro de casa.
Normatize e valorize o erro e o fracasso
Me lembro quando
criança que tudo o que eu mais queria era que a sexta-feira chegasse. Era o dia
que a professora Vera colocava a estrelinha na nossa agenda. Se tivesse feito
tudo certinho ao longo da semana, ganhava a estrela completa. Do contrário, ela
cortava uma ou mais pontas da estrela para refletir o nosso comportamento
naquela semana.
Também me lembro que em casa era comum
receber pequenos presentes como recompensa de um boletim azul. Quanto mais E
(Excelente) e MB (Muito Bom) tivesse, melhor era o presente. Até aí, tudo bem.
Podemos pensar que é o Behaviorismo de Skinner na prática.
Só que, no empreendedorismo não é bem
assim que funciona. O sucesso não vem como consequência de sermos excelentes
alunas ou de não fracassarmos em nada. Para ter sucesso nos negócios é preciso
ficar em paz com o erro e com o fracasso. Na verdade, é mais do que isso. É
preciso apreciar e celebrar cada um desses momentos, pois além de serem uma
oportunidade de aprendizado, saber conviver bem com o fracasso e entendê-lo
como resultado ou feedback, ao invés de significar isso como motivo para
desistir vai garantir à empreendedora boas doses de resiliência e saúde mental.
E criar a cultura do fracasso dentro de
casa é simples!
Imagina como seria para as crianças se
as conversas durante a volta do colégio ou as conversas à mesa do jantar
girassem em torno da seguinte questão: no
que foi que você fracassou hoje?
Parece loucura isso, eu sei. Eu acharia
uma grande bobagem se não tivesse escutado isso da boca de uma das maiores
empresárias dos EUA num evento virtual que ocorreu em meados de 2021.
Sara Blakely, fundadora da Spanx, disse
que seu pai teve um papel fundamental no sucesso que ela alcançou com a criação
da sua própria empresa. Para te dar um contexto, Sara Blakely foi a 1ª mulher a
se tornar bilionária nos EUA por meios próprios, sem se casar com um marido
rico e sem receber herança. Ela se tornou bilionária através da sua empresa, a
Spanx, que comercializa roupas modeladoras para mulheres e que foi fundada com
5 mil dólares.
E Sara conta que durante sua infância e
adolescência, seu pai brigava com ela e com seu irmão caso eles respondessem
que não haviam fracassado em nada naquela semana. E quando eles compartilhavam
um fracasso o pai respondia: ótimo trabalho!
Assim, eles cresceram num ambiente em
que fracassar era normal e que o verdadeiro fracasso não era fazer algo e
aquilo dar errado. O verdadeiro fracasso era não tentar nada por medo.
E a segunda pergunta a ser feita é: e o que você aprendeu com este erro ou
com este fracasso?
Assim o cérebro se condiciona a buscar o
aprendizado que está contido em absolutamente todas as situações, boas ou
ruins.
Agora imagina o quanto isso pode
beneficiar a vida de uma menina! Imagina o quanto a sua própria vida poderia
ter sido diferente se você tivesse crescido num ambiente assim!
A Coragem vale mais do que a perfeição
Todas as mulheres, em
algum ponto de suas jornadas, já se questionaram se eram boas o suficiente para
conquistar aquilo que desejavam. E essa pergunta possui suas derivações. Eu sou
boa o suficiente para…? Eu estou fazendo o suficiente para…? Eu tenho o
suficiente para…?
Eu sou boa o suficiente para essa pessoa
me amar e me desejar? Eu estou fazendo o suficiente para ter sucesso na minha
área? Eu tenho conhecimento o suficiente para empreender? Esse produto já está
bom o suficiente para ser lançado?
Só que essas perguntas dificilmente
levam a um sim. Normalmente a conclusão é negativa. Porque o suficiente, apesar
de parecer que vai apontar para a existência do mínimo necessário, em geral,
aponta para a falta.
Isso acontece porque o maior medo que
qualquer pessoa enfrenta é o de não ser boa o suficiente, porque, se não for
boa o suficiente, ela entende que não será amada. E todas as pessoas querem se
sentir amadas.
E para se proteger desse medo é muito
comum que as mulheres recorram à perfeição. Perfeição na aparência, perfeição
no comportamento, perfeição nas ações, perfeição nos estudos, perfeição na
expressão e por aí vai. E de onde vem isso?
Não só dos espartilhos inventados no
século XVI, mas de muitos artigos escritos por mulheres para outras mulheres em
revistas femininas que circulavam pelo Brasil desde o século XIX e que falavam
sobre literatura, Belas-Artes, moda com dicas de penteados e molde de vestidos.
Desde sempre, a mulher foi premiada por
sua perfeição e não por sua coragem. Isso é uma importante desconstrução que
ainda está sendo feita. O que é ainda mais significante se levarmos em
consideração o fato de que, no Brasil, até 1962 era exigido por lei que as
mulheres tivessem autorização dos maridos para trabalhar, empreender ou ter
conta no banco.
Ter coragem, assumir riscos, ousar fazer
diferente parecia algo que somente feministas “inconvenientes” ou mulheres que
não tinham nada a perder estariam dispostas a fazer.
Só que a perfeição tem um preço enorme a
ser pago! O preço de não viver tudo aquilo que pode ser vivido por medo de
fracassar e por acreditar na polaridade “ou perfeição ou nada!”.
Uma mulher que tem uma programação mental
que busca a perfeição acima de tudo, dificilmente irá empreender. Ela perderá
tempo demais ajustando o planejamento, buscando o que pode dar errado e criando
alternativa para isso, terá dificuldade em expor suas próprias ideias e em
vender seus produtos, pois o que importa não é a qualidade e sim a inatingível
perfeição que parece ser um escudo anticríticas.
E como desenvolver a coragem ao invés da
perfeição?
- Desassocie a beleza da
identidade feminina
- Faça mais elogios do que
críticas
- Estimule a autoexpressão,
inclusive em cortes de cabelos mais bagunçados, na ausência de maquiagem e
em roupas não combinantes
- Evite comparações
- Incentive a ação em si o ato de
tentar mais do que a conquista do objetivo
- Desenvolva a cultura de
desafios (seja começar algo novo, seja praticar um esporte ou aprender
algo que que não seja tipicamente feminino ou até mesmo cantar num
elevador ou cantar como uma verdadeira artista dentro do carro no semáforo
fechado)
- Valorize as ideias e a visão de
mundo dela, permita que ela tenha voz e opinião
- Amplie a visão de mundo e traga
sempre diferentes referenciais
- Ensine, com atos, que a
vulnerabilidade é força e não fraqueza
- Estimule a criatividade
- Não tente protegê-la da
decepção ou da frustração
Desta maneira, o modelo mental dela
priorizará mais a coragem do que a perfeição.
Empreender não é uma ciência exata
Existe muita teoria por
trás, princípios que podem ser aprendidos da Administração, da Economia e do
Marketing. É preciso sim ter estratégia e saber correr riscos de forma calculada.
É preciso sim pesquisar o mercado e entender seu comportamento. Também é
necessário experimentar, testar e validar as ideias de forma rápida e antes de
fazer um grande investimento.
No entanto, o mundo no qual vivemos está
mudando cada vez mais rápido. O que antes era ficção científica ou uma
tendência apontada por futuristas para os próximos 10 anos ou mais, já é uma
realidade hoje e, em grande parte, foi acelerada pela própria pandemia.
Porém, mais importante do que seguir a
teoria certa é ter a mentalidade certa. Uma excelente estratégia aplicada por
uma mente que tem medo de fracassar ou de parecer imperfeita, não terá um
resultado tão excelente assim. Porém, uma mente criativa, flexível, resiliente
e aberta à experimentação e ao erro pode colher resultados excelentes até mesmo
de uma estratégia mediana.
E é possível dizer que qualquer menina
que crescer num ambiente assim estará preparada para viver a vida como quiser.
Terá os nervos e o estômago necessários para empreender, se assim decidir, se
posicionar no digital com inteligência emocional e assumir uma posição de
liderança e pioneirismo.
Talvez seu sonho não seja ter uma filha
empreendedora. Mas certamente você deseja ver a sua menina se tornar uma mulher
corajosa, confiante e capaz de ocupar o lugar que ela quiser. O caminho é o
mesmo que você leu até as palavras finais deste artigo.
(*) Patrícia Mello - Empreendedora Digital, especialista em empreendedorismo feminino, palestrante e mentora de empreendedoras que querem ter resultados financeiros nos negócios sendo autênticas nas redes sociais. Coautora do livro "Todo mundo merece um coach", pela Literare Books International.
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