Como nasceu o projeto Chef Aprendiz?
Por Beatriz Mansberger, fundadora do Chef
Aprendiz
Cesta Satisfação
Foto - Marcelo de Breyne
Vivemos tempos difíceis e fala-se muito
ultimamente em saúde mental. A pandemia acabou por jogar luz em diversos
abismos muitas vezes escondidos, despercebidos ou até mesmo desconhecidos por
nós, tanto externamente como internamente. Nasci e cresci em São Paulo, essa
megalópole fascinante, mas cheia de abismos e contradições.
Quando terminei o Ensino Médio, fui
estudar Gestão de Políticas Públicas na USP com a esperança de impactar as
injustiças que eu enxergava até então. Porém, depois de um ano e meio
estudando, me vi paralisada. No lugar dos sonhos de trazer dias talvez um pouco
melhores para as pessoas, me deparei com questões sociais imensas e complexas.
Cada vez mais sentia vontade de ficar na cama e dormir até que toda aquela
angústia passasse. Resolvi pedir ajuda, pois a “fase” estava se tornando meu
cotidiano, e junto com o diagnóstico de depressão, tratamentos e acompanhamento
profissional, comecei a desenhar projetos porque sentia que precisava
começar a colocar alguma coisa em movimento para me sentir viva e capaz
novamente. Executando um projeto para crianças em uma organização em
Paraisópolis, recebi um pedido da coordenação pedagógica para criar um dedicado
exclusivamente para os jovens.
A gastronomia sempre teve um lugar
afetivo na minha vida. Minha avó era uma cozinheira de mão cheia e meu pai
sempre cozinhava em casa. Quando, conversando com os jovens, eles me contaram
que gostariam de participar de um projeto culinário, senti que podia ser uma
forma de levar mais carinho e acolhimento para uma fase importante de passagem
da adolescência para o mundo adulto com um possível primeiro emprego. Foi
então que o Chef Aprendiz nasceu, ainda em um formato piloto, no final de 2014.
Meu marido, na época namorado, tinha cursado gastronomia e me ajudou a montar o
currículo mais objetivo em termos de técnicas básicas e conversei com algumas
pessoas que acreditava que poderiam me ajudar a pensar em formas de viabilizar
o projeto. Decidi realizar um financiamento coletivo (crowdfunding),
arrecadamos trinta e sete mil reais e tiramos do papel a primeira edição: Chef
Aprendiz Paraisópolis.
Desde então, nunca mais paramos e, de
maneira itinerante, a operação do projeto sempre acontece junto a uma ONG local
que cede o espaço da cozinha para nossa equipe. Selecionamos cerca de 20 jovens
com idade entre 17 e 24 anos para participar das dinâmicas ao longo de 6 meses
com encontros que giram em torno de três eixos: (1) o meu mundo interno, que
explora alfabetização emocional, autoconhecimento, meditação, apoio psicológico
e dinâmicas psicoterapêuticas em grupo; (2) o mundo do trabalho, com temas tais
como educação financeira, preparo para entrevistas de emprego, elaboração de
CV, carreira e outros temas relacionados ao universo profissional; e (3) o
mundo da cozinha que compõe a maior parte do currículo e conta com oficinas de
técnicas básicas de cozinha, história da gastronomia, nutrição, receitas
práticas, legislação do setor e conteúdos do Ensino Médio aplicados ao mundo
real dentro deste intrigante laboratório que é a cozinha.
A competição final, etapa que celebra o
encerramento das oficinas, coloca à prova o conhecimento adquirido durante a
edição e manifesta de forma clara o tamanho do potencial dos jovens. Divididos
em grupos, os participantes desenvolvem sozinhos um menu completo para a
avaliação de jurados que, para além de feedbacks construtivos, oferecem vagas
de emprego para os jovens em seus estabelecimentos.
Já realizamos este ciclo em nove
comunidades diferentes (Paraisópolis, Campo Limpo, Glicério, Jd. Colombo, Valo
Velho, Capão Redondo, Chuvisco, Liberdade e Vila Andrade) e formamos 136 jovens.
90% dos alunos que participaram do projeto receberam oportunidades de emprego
no setor. Alguns jovens iniciaram carreira na gastronomia para bancar seus
sonhos em outros caminhos, mas, daqueles que continuaram na área, são
aproximadamente 58% que estão empregados ou em processo de entrevistas, apesar
do cenário de emprego mais difícil com a pandemia.
Em outubro de 2021 inauguramos a nossa
sede: a Casa Chef Aprendiz. Escritório, sala de terapia para os jovens que já
passaram pelo projeto, uma cozinha de produção e outra cozinha estúdio com
bancadas para workshops compõem esse espaço multifuncional que permitirá novos
passos de amadurecimento e rentabilização do projeto. A ideia é que no médio
prazo consigamos nos tornar um negócio social sustentável que fortaleça o
ecossistema gastronômico por meio de experiências e soluções inovadoras, para
além de nossa atuação nas comunidades.
Acredito que as relações podem ser
fortemente nutridas quando estamos presentes e compartilhamos uma refeição
preparada com carinho. Sinto que os abismos que enfrentamos podem se
tornar menos amargos quando compartilhados. A cozinha tem esse lindo potencial
de reunir pessoas e mostrar transformações concretas quando disponibilizados
ingredientes e condições de temperatura e pressão adequadas. Fico muito feliz
em perceber que hoje posso contar com um time e parceiros tão incríveis para
promover experiências que preenchem a alma, tanto quanto alimentam. Por aqui,
sigo me cuidando e ainda ousando sustentar a esperança como uma concepção de
futuro, trabalhando diariamente para que mais jovens sintam-se empoderados e
acolhidos através de nossas ações.
Sobre Beatriz
Mansberger:
Beatriz
Mansberger, indicada para a Forbes Under 30, é idealizadora e gestora do Chef
Aprendiz, projeto voltado à inserção socioeconômica de jovens em situação de
vulnerabilidade social, que usa a gastronomia como linguagem para o
desenvolvimento.
Beatriz foi bolsista da Fundação Carolina em seu mestrado em Relações Internacionais no IBEI, Barcelona, e bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo. Sempre se interessou pelo mundo acadêmico e por assuntos de impacto social. Por ter estudado em uma escola com a metodologia Waldorf e ter sido escoteira desde os 7 anos de idade, sempre gostou de colocar a mão na massa, participando de diversos projetos voluntários e tornando-se muito atenta às questões sociais do nosso país.
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