Ana Paula Cavalcanti Simioni realiza visita guiada em exposição sobre trajetória de mulheres brasileiras na história da arte
"Mulheres artistas: nos salões e em toda
parte" reúne obras de pintoras do século XX que tiveram graus diferentes
de sucesso em vida, mas hoje são, no geral, desconhecidas
“Arranha-céus”,
de Salma Mogames | “Composição”, de Dorothy Bastos | Sem título, de Bellá Paes
Leme
Fotos: Everton Ballardin
São várias as artistas brasileiras não
pontuadas pela história da arte. Com curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni, Mulheres artistas: nos salões e em toda
parte, na Arte132, propõe a reavaliação -
ainda que de algumas - delas. No
dia 25 de junho, às 11h, a curadora realiza uma visita guiada aberta para o
público. A exposição, em cartaz até 30 de julho, reúne
obras de pintoras, parte delas egressas da academia, e em sua maioria com
participações constantes nos Salões da primeira metade do século XX, mas chama
atenção para o fato de que muitas ficaram no anonimato e raríssimas chegaram ao
status alcançado por artistas homens. A galeria exibe um conjunto de trabalhos
dessas artistas, produzidos na primeira metade do século XX, e de Dorothy
Bastos e Miriam Chiaverini, produzidos na segunda metade. Em paralelo, Ana
Paula publica o livro Mulheres
Modernistas, pela Edusp.
A mostra apresenta 30 obras, dentre elas
as de Aurélia Rubião,
Bellá Paes Leme, Dorothy Bastos, Georgina de Albuquerque, Haydéa Lopes
Santiago, Helena Pereira da Silva Ohashi, Laurinda Pacheco de Carvalho Ribeiro,
Lucília Fraga, Miriam Chiaverini, Lucci Citty Ferreira, Regina Liberalli
Laemmert, Salma Mogames, Sinhá d’Amora, Yvone Visconti Cavalleiro
e também de Anita
Malfatti, que enfrentou questões de gênero e polêmicas envolvendo
o escritor Monteiro Lobato.
“Além das questões de história da arte,
comuns a todos os artistas, existem aquelas particulares às mulheres, muitas
vezes denominadas por ‘questões de gênero’. Tradicionalmente, as produções
feitas pelas criadoras foram vistas como menos profissionais do que as dos
homens, como passatempos de amadoras e diletantes e, portanto, pouco
merecedoras de atenção. Essa exclusão tem uma longa história, de matrizes
econômicas, religiosas, culturais e políticas profundas, quase imemoriais, que
compõem o que chamamos de patriarcado. No campo da história da arte, isso teve
desdobramentos específicos”, explica a curadora.
Após a Revolução Francesa, com a
centralidade do estudo do modelo vivo, as mulheres artistas foram impedidas de
cursarem a Academia na França. Na época, existiam aulas de pinturas de nu com
modelos homens, o que era inapropriado para as damas. Somente muito mais tarde
começaram a ser usadas modelos femininas, mas apenas em 1897 as matrículas
foram liberadas para as mulheres. No Brasil, até 1892, as senhoritas e senhoras
não podiam entrar na academia para estudar artes. Todo esse contexto refletiu
na participação e na documentação de mulheres na história da arte.
Ana Paula Simioni é uma grande
pesquisadora do tema. Ela mergulhou no universo de artistas modernistas e
também das que as precederam para entender porque há uma lacuna de
documentação, sobretudo no que diz respeito às acadêmicas. Descobriu um
universo de mais de 212 mulheres que participaram dos salões de arte no início
do século passado e percebeu que a maioria das que tiveram algum tipo de
reconhecimento tinha apoio de homens, e eram conhecidas como filhas, esposas,
musas, ou seja, ligadas a figuras masculinas.
“Georgina de Albuquerque e Haydéa Lopes
Santiago foram pintoras casadas com outros pintores, com os quais desenvolveram
parcerias de trabalho e de vida. Já Helena Pereira da Silva Ohashi possuiu um
duplo desafio, pois, de um lado, era filha do afamado pintor Oscar Pereira da
Silva e, de outro, casou-se com um pintor japonês bastante reconhecido em seu
país. Situação semelhante à de Yvonne Visconti, filha do célebre pintor Eliseu
Visconti e casada com o artista Henrique Cavalleiro. Há, ainda, dois casos
bastante significativos, que são os de Lucy Citti Ferreira, sempre associada à
condição de musa e aluna de Lasar Segall, e o de Dorothy Bastos, retida pela
crítica como aluna de Lívio Abramo. Esses lugares discursivos – a esposa, a
filha, a aluna – terminam por fixá-las em condições de seguidoras, vítimas da ‘influência’
de seus ‘mestres’, isto é, seus maridos, pais, professores – não por acaso,
sempre figuras masculinas”, analisa Ana Paula.
Uma pesquisa detetivesca, segundo
Simioni, precisou ser realizada. Havia pouco conteúdo escrito sobre elas,
faltavam informações biográficas básicas. Com dados mínimos em mãos, foi a
fundo e criou verbetes sobre as artistas, com intuito de estimular estudos
futuros. A exposição em cartaz na galeria Arte132 é, também, um resultado
dessa investigação.
A curadora, no entanto, convida o
público para uma observação das obras sem conceitos prévios. “Não se trata aqui
de defender que elas foram artistas geniais e incompreendidas. Antes, trata-se
de desafiar a categoria de gênio como um parâmetro de interpretação. Por que
todos os artistas têm de ser geniais? E o que significa a genialidade, afinal?
Também não se trata de sustentar que essas artistas foram modernas,
modernistas, ousadas ou radicais, mas sim de se perguntar: Por que todos os
artistas têm de, necessariamente, seguir partidos estéticos modernistas e
acreditar que o dever da boa arte é o da ruptura?”, conclui.
Em Mulheres
artistas: nos salões e em toda parte, vale destacar a
gravurista Dorothy Bastos, que tem 7 obras exibidas na galeria, produzidas nos
anos 1950. Dorothy foi por duas vezes ganhadora do Prêmio Leirner de Arte
Contemporânea, em 1959 e 1962, mas acabou, posteriormente, sendo pouco lembrada
pela historiografia e associada pela crítica à condição de aluna de Lívio
Abramo.
Sobre Ana Paula Simioni
Ana Paula Cavalcanti Simioni é
professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e membro do Instituto de
Estudos Avançados de Nantes. Pesquisa mulheres artistas, especialmente no
Brasil, desde 2000. É autora de: "Mulheres modernistas: estratégias de
consagração na arte brasileira", São Paulo: EDUSP, 2022 e "Profissão
Artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras (1884-1922)", São
Paulo: EDUSP, 2008 (reedição 2019). Foi curadora das exposições "Mulheres
artistas: as pioneiras, 1880-1930", com Elaine Dias, na Pinacoteca
Artística do Estado de São Paulo, em 2015; e "Transbordar: transgressões
do bordado na arte", no SESC Pinheiros, 2020-2021.
Sobre a Arte132
A Arte132 expõe, dá suporte e mantém em
acervo artistas brasileiros reconhecidos, principalmente sua produção autoral
menos conhecida, artistas que desenvolveram um entendimento do mundo e do homem
em algum momento. Suas mostras sempre têm o compromisso de apresentar arte
relevante de qualidade ao maior número de pessoas possível, colecionadores ou
não. A casa (concebida pelo arquiteto Fernando Malheiros de Miranda, em 1972),
para além de uma galeria de arte, é um lugar de encontro e descobertas.
Serviço
Mulheres artistas: nos salões e em toda
parte
Curadoria: Ana Paula Simioni
Local: Arte132
Endereço: Av. Juriti, 132, Moema, São
Paulo
Visita guiada: 25 de junho, às 11h
Período expositivo: até 30 de julho
Horários de visitação: de segunda a
sexta, das 14h às 19h. Sábados, das 11h às 17h
Entrada gratuita
Nenhum comentário