O ego e outras drogas
Marco Antonio Spinelli*
Acho muito
pouco elegante usar a si mesmo como referência ou um autor citar uma frase de
sua própria autoria para exemplificar algo. Mas vou abrir uma exceção, me
perdoem os amáveis leitores e leitoras. Lá vai a frase de Marco Spinelli,
proferida em sessões ou supervisões: “O Ego é uma coisa que se leva metade da
vida para a ter um bom, e a outra metade para tentar se livrar dele”.
Fortalecer o Ego é uma tarefa importante em situações que a Psique está
desmoronando ou em risco. É bom ter um Ego estável em tempos de Crise. Tirar o
Ego do papel de ator principal de nossa vida mental é uma tarefa longa e
importante em qualquer Psicoterapia. Isso leva tempo.
Estou com
um paper aqui no meu colo da Neuropsycopharmacology de 2020 falando sobre os
estudos com drogas alucinógenas e seus efeitos egolíticos. O que isso quer
dizer? Significa que o Ego sai do controle dos processos psíquicos, e isso
expande a Consciência. Isso é uma defesa do uso de drogas pelos pacientes?
Claro que não. Depois de décadas de atraso e preconceitos, a Neurociência
retomou os estudos sobre as drogas alucinógenas, como os Cogumelos da
Psilocybes e o LSD. Uso controlado, doses padronizadas, não drogas de balada,
feita em laboratórios de quintal. Nesses estudos, os voluntários relatam a
diminuição da Consciência Auto Referente que define nossa vida consciente, uma
diminuição dos limites Eu/Mundo e um sentimento de fusão e proximidade com tudo
e com todos. É como se essas substâncias dessem férias para nossos bons e
velhos Egos, com suas obsessões por controle. Isso permite uma sensação de
Coração Aberto, tão frequentemente descritas por yogues e meditadores
experientes. Desalojar o Ego do centro de nossa Psique permite que a
Consciência se expanda, com proximidade e amor pelas pessoas e criaturas
sencientes. Parece um ótimo negócio, mas muito restrito a um pequeno círculo de
praticantes.
Como já
falei em outro artigo, vivemos na época de maior avanço tecnológico de nossa
história. Tínhamos tudo para ser a geração mais feliz de todos os tempos, mas o
que acontece é justamente o contrário. O uso de Antidepressivos, Ansiolíticos e
Estabilizadores de Humor vão batendo recordes ano após ano. As taxas de
Suicídio também crescem de maneira impressionante desde 2009, ano em que as
relações digitais e as Redes Sociais começam a tomar o planeta de assalto. As
Redes Sociais são planejadas para funcionar como uma droga. Cada foto, cada
meme, cada cena de violência ativa as áreas de prazer e de dor. A Pornografia
também é projetada como droga. As pessoas vão precisando de sua dose, uma
depois da outra. Como no caso de substâncias como a Cocaína e Heroína, tudo o
que não se relacionar com os efeitos da droga vai se tornando chato,
angustiante, um tédio. Queremos a dose de Dopamina da foto da comida, do número
de cliques e likes, dos elogios ou ataques dos comentários. Tudo isso alimenta
nossos Egos sedentos de poder, de atenção, de capacidade de influência. O Ego,
que deveria ser um sábio capaz de regular as nossas emoções e abrir nosso
coração, fica reduzido ao Ego de uma criança que quer atenção o tempo todo,
quer atrair todos os olhares e fica envenenado pela inveja e ciúme das outras
pessoas, ela parecem ter as melhores vidas, os melhores corpos, os melhores
carros. Isso vai gerando uma cultura de pessoas dependentes dessa Dopamina.
Quando o shot de neurotransmissores acaba, como qualquer droga, o que se sucede
é a dor, a angústia e a Depressão.
Os Centros
de Meditação e os cursos de Mindfulness estão se multiplicando. No meio da
barbárie de insultos e ódio, está se insinuando uma cultura de aceitação,
inclusão e apoio mútuo. Consumo consciente, alimentação consciente, acolhimento
do fraco, do esquisito, do frágil, dentro e fora de nós mesmos. Isso em
paralelo com a cultura de exclusão, de lacração e de cancelamento de quem pensa
diferente do hater de plantão. Progressista ou Conservador.
Estamos
numa época estranha, de grande polarização, que vamos ter que escolher entre a
consciência e a estupidez. E vamos ter que botar a boca no trombone para
enfrentar a estupidez, até porque os algoritmos privilegiam as publicações que
geram comoção. O ódio gera mais comoção que o amor. O Ego existe para nos
proteger. Mas como eu falei em outro texto, proteção desprotege. Temos que
desligar o blá blá blá do medo e alimentar outras coisas dentro de nós. O
contrário do Amor não é o Ódio. O contrário do Amor é o Medo.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação younguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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