Bons negócios, maus administradores: a necessária mudança cultural incentivada pelo fresh start
Gestores despreparados são ruins para o
mercado. Parte da solução vem com o incentivo à aprendizagem, por meio de
mecanismos de retomada
É comum líderes tomarem decisões que
contribuem para a derrocada de empresas e negócios, e que poderiam ter sido
diferentes. Desconhecimento dos números, desorganização, imaturidade, estrutura
de capital inadequada, conflito de interesses, entre outras muitas questões,
costumam povoar o cenário do declínio empresarial que, não-raro, desemboca no
caixa, gerando perda de liquidez.
Há algum problema em errar? Não, de
forma alguma. Desde que ensine e a liderança faça a "curva de
aprendizagem". Em outras palavras: errar é humano, em todas as áreas da
vida, inclusive nos negócios; mas, aprender e não repetir os mesmos erros ainda
é exceção. Por quê?
As razões são inúmeras. Uma das mais
determinantes é a cultura empresarial brasileira, em que predominam valores
como hierarquia, personalismo e negação da autorresponsabilidade, o que leva à
perda de oportunidade de crescer. Explica-se o ponto: no imaginário do
empresário nacional que enfrenta a crise (e, mais ainda, daquele que não sai
dela) as causas que vitimam empresas estão todas (ou as mais importantes) da
porta para fora. Carga tributária alta; planos econômicos; taxa de juros
elevada; sistema bancário concentrado; pandemia; entre outras situações,
costumam figurar como explicações recorrentes. É muito raro encontrar quem tem
maturidade para assumir a sua contribuição para os problemas.
E enquanto uma visão clara (sem viés)
não se instala, não há como aprender e, portanto, evolucionar. O problema é que
empresários autoritários, senhores das melhores decisões, não precisam
melhorar. Eles são irretocáveis e irrepreensíveis. Quando erram, são derrotados
e estigmatizados. Por isso, fogem da decretação de falência, como se fosse a
sua própria morte. E, por isso, investem tempo e dinheiro em perpetuar
recuperações judiciais que não darão certo. O efeito sistêmico é nefasto.
Errar, no cálculo ou não execução, faz
parte da atividade econômica. É risco assumido pelo mercado. O que se sustenta
é que aceitar e saber começar de novo, rapidamente, e fazer diferente, é muito
mais saudável do que insistir em negócios ruins, que já não entregam
resultados.
É uma mudança cultural que precisa
acontecer: sair de uma posição defensiva, de negação das falhas, para uma de
evolução.
Para incentivar esse movimento, a Lei
11.101/2005 recebeu um elemento importante: o fresh start. Através da
inclusão do inciso V, no art. 158, a reforma da Lei de Recuperação e Falência
trouxe o mecanismo, que reabilita a retomada da atividade, contados três anos
da decretação da falência.
Muito embora a decretação da falência
não abranja os sócios da pessoa jurídica, nas sociedades limitadas (ou seja, na
prática, o fresh
start causará impacto naqueles casos, excepcionalíssimos, em
que a atividade é desempenhada por empresário individual ou por sociedade que
contemple sócio de responsabilidade ilimitada), há uma importante virada de
chave.
A grande relevância é cultural: promover a visibilidade de uma ferramenta madura e amplamente adotada em sistemas econômicos mais avançados, como o norte-americano (de onde saiu a inspiração). Aliás, já está gerando a imperiosa discussão em torno da riqueza que há no aprendizado por infortúnios anteriores e do restabelecimento célere da atuação econômica em bases mais eficientes, debelando preconceitos. Com isso, uma das expectativas é construir um sistema no qual a segunda chance venha acompanhada de decisões melhores, e negócios viáveis. Um movimento importante, que poderá representar verdadeiro avanço para a economia brasileira.
Nenhum comentário