A quem interessa negociar no ambiente de crise?
* Por Felícia Zuardi
Desde a promulgação da Lei de Falências
e Recuperação de Empresas assistimos um lento processo de transformação
cultural e compreensão de que a sociedade empresária devedora pode passar por
uma fase difícil, sem que isso signifique fraude. Em verdade, a crise
empresarial pode se dar por diversos fatores internos ou externos e perpassa
por desgastes com seus credores.
Fato é que a negociação entre credores e
devedores já tinha espaço na Lei nº 11.101/05 (diferentemente do que acontecia
sob a égide do texto normativo anterior, em que a negociação poderia ser
configurada como ato de falência). No entanto, com a chegada da Lei
14.112/2020, onde se aprimorou o instituto da Recuperação Extrajudicial (RE) e
se previu expressamente o uso de meios consensuais de resolução de conflitos,
ficou mais evidente este traço negocial da sistemática da insolvência no
Brasil.
A Lei de Falências e Recuperação de
Empresas ganha novos estímulos para a desburocratização e a negociação entre
devedores e credores. Foi prevista a mediação antecedente, com a possibilidade
de pedido de medida cautelar, com o fim de favorecer as tratativas entre as
partes envolvidas. Foram também feitos ajustes na Recuperação Extrajudicial, de
forma a torná-la mais atrativa, com mais tração entre os usuários. Aliás, vale
dizer, que pelos números trazidos no OBRE – Observatório das Recuperações
Extrajudiciais, percebe-se que a correção no rumo das REs deu certo, apontando
para uma alta de utilização do mecanismo.
Talvez um ponto que ainda precise ser
melhor esclarecido é quem tem interesse em negociar? É o devedor ou são os
credores?
De forma automática, certamente a
resposta será que o interesse em negociar é dos devedores. E não há dúvidas de
seu interesse em preservar o negócio e efetivamente se soerguer. É por
isso mesmo que, ao identificar a crise, em seus primeiros sinais, o devedor
deve buscar auxílio, no sentido de entender quais medidas deve adotar. Quanto
antes as medidas são tomadas, menores os reflexos na imagem e nos
relacionamentos com fornecedores e clientes. Além disso, os riscos, as
intervenções e os custos são consideravelmente menores.
Mas não é só dele.
Alguns pontos devem ser considerados
antes de se disparar um discurso de posição, de que o interesse dos credores é
de que seja decretada a falência ou de que só há o desejo em maximizar seus
ganhos ou minimizar suas perdas.
Em primeiro lugar, uma empresa exerce um
papel relevante no cenário econômico social, gerando riquezas, empregos e
tributos para o Estado. Além disso, a devedora pode representar uma função
estratégica no mercado e a sua saída, um prejuízo a longo prazo.
Mas é essencial falar abertamente com
cada credor, para além da função social da empresa, atendendo os seus próprios
anseios: não negociar ou dificultar demasiadamente as tratativas, nem sempre
parece atender o objetivo de maximizar os ganhos ou minimizar perdas.
Registre-se que essas ponderações também incluem instituições financeiras.
Quanto maior a necessidade de tempo e de
intervenção estatal, maiores as despesas, o deságio e o alongamento das
dívidas. Vale dizer que os custos - aqui sem qualquer juízo de valores sejam
justos ou não, de honorários advocatícios, de Administradores Judiciais,
peritos, além de toda a estrutura para desenvolvimento do processo - precisam
ser pagos. Serão custeados pelo mesmo “bolo” que será repartido entre os
credores. Assim, a não negociação, ou a não aderência a um plano de
renegociação de dívidas extrajudiciais e, aqui falando especificamente de um plano
de RE, pode significar a adoção de alternativas piores. Para todos.
Desta forma, fica para a reflexão se a
negociação não é interesse também dos devedores. E veja: aqui não se defende o
devedor fraudulento ou irresponsável. Aliás, comportamentos que não se coadunam
com as boas práticas gerenciais devem ser coibidos e rechaçados pela legislação
criminal e / ou administrativa. Também não se defende o abuso do direito. O que
se defende é a busca do entendimento e a tentativa de (re)construção conjunta,
minimizando as perdas de todos.
* Felícia Zuardi é advogada, especialista em renegociação de dívidas que atualmente pertence a equipe da Biolchi Empresarial. Formada na PUC-Rio, com especializações em direito corporativo e mediação de conflitos, tem passagens por locais importantes como a Secretaria de Estado de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro.
Nenhum comentário