Omissão da sociedade alimenta a ganância do poder
Samuel Hanan*
Quem ainda sonha com um
Brasil menos desigual, mais justo socialmente, uma nação de verdade, na qual os
cidadãos possam viver com dignidade e alimentar esperança no futuro, deve estar
se perguntando em que ponto da história nosso país rompeu com a ética, enterrou
a moral e fez a opção pela desonestidade, pela corrupção, pela sede de levar
vantagem em tudo sem se importar com aqueles que, ao final, pagam as contas: os
menos favorecidos.
É impossível definir
esse marco temporal, assim como é injusto creditar tudo o que há de ruim no
Brasil a uma espécie de fraqueza moral de nosso povo, como se isso fosse
exclusivo de nossa gente. Não é! Um olhar atento para história nos mostra que o
poder ocasionou o apodrecimento da elite nacional que, em geral, sempre foi
pior que o povo,a massa que de maneira subserviente sustentou com o suor de seu
trabalho escravo ou mal remunerado os luxos e exageros de uma casta preocupada
apenas em se perpetuar no poder para conservar sua condição social e seus
privilégios.
A questão mais profunda
é que o Brasil de antes tinha uma classe aproveitadora, preguiçosa e
usurpadora, não muito diferente do que também se viu em alguns outros países, é
verdade, mas que, no entanto, não era composta por tantos corruptos, mentirosos
contumazes e até criminosos (em número bastante significativo) como passou a
acontecer a partir de um passado recente.
O esgarçamento da moral
dos governantes foi se tornando cada vez mais evidente ao longo do tempo, com
escândalos sucedendo escândalos, com dinheiro escondido na cueca ou armazenado
em grandes malas armazenadas em apartamentos, com os sinais exteriores de
riqueza incompatível com a renda de agentes públicos sendo escancarados sem
pudor e sem remorsos. E, o que é pior, sem punição. Afinal de contas, corrupção
permitida é impunidade garantida.
Precisamos refletir
sobre a omissão da sociedade, sobre o silêncio geral diante de tantos
desmandos, sobre a aceitação passiva de práticas indecorosas de falsos líderes,
ocupantes de cargos públicos que intencionalmente confundem o público com o
privado, enriquecendo enquanto oferecem migalhas ao povo.
O político e escritor
irlandês Edmund Burke (1729-1797), respeitado membro do Parlamento londrino, já
há séculos alertava que “para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens
não façam nada”. Muito tempo depois, o líder negro norte-americano Martin
Luther King (1929- 1968) cunhava outra frase histórica, no mesmo sentido: “O
que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos,
dos sem caráter. O que me preocupa é o silêncio dos bons”.
Alertas não nos
faltaram, evidentemente. Foram em vão, infelizmente. Talvez tenhamos confundido
docilidade com leniência, ou, quem sabe, simplesmente nos acostumamos com a
cruel realidade da impunidade vencendo a moral. Assim, fomos aceitando sem
questionamentos a extensão do foro privilegiado para milhares de ocupantes de
cargos públicos – praticamente generalizando o que deveria ser exceção – e recentemente
assistimos ao retrocesso no sistema legal de combate a corrupção.
Ainda querem nos fazer
acreditar que o Brasil é um país de corruptores sem corruptos e nos fazem
engolir novos e maiores privilégios destinados aos beneficiados de sempre,
enquanto o sistema tributário –(manicômio) – injusto e regressivo – continua a
funcionar como a maior fábrica de pobreza do País.
A população já coloca
as instituições sob suspeita e descrença, o que indica um caminho muito
perigoso para a democracia e para a ordem social.
Como ensinou ao mundo o
juiz da corte suprema americana Louis Brandeis (1856-1941), “a luz do sol é o
melhor desinfetante”. É hora desse país abrir suas cortinas e deixar o sol
entrar junto com uma lufada de ar fresco e moralizante, renovando nossos
pensamentos e esperanças, antes que o mofo e a escuridão tomem conta de tudo,
definitivamente.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site:https://samuelhanan.com.br
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