Sustentações orais e sessões virtuais de julgamento - um convite ao diálogo
Os percalços enfrentados por advogadas e
advogados, magistradas e magistrados, envolvendo a realização de sustentações
orais em nossos tribunais, não são recentes. No corrente ano de 2022, contudo,
o tema se tornou ainda mais relevante, com o envolvimento não apenas da
Advocacia e da Magistratura, como também dos Poderes Legislativo e Executivo[1].
Igualmente relevantes os percalços
atinentes às chamadas sessões virtuais de julgamento. Originariamente admitidas
apenas para processos sem possibilidade de sustentação oral e assegurada a
sessão presencial em caso de oposição de qualquer das partes ou de divergência
entre os julgadores (CPC/2015, art. 945), foram profundamente alteradas com a
exclusão de tais condicionantes, pela Lei n. 13.256/2016. Com o advento da
pandemia, aumentaram exponencialmente na quase totalidade dos tribunais
pátrios, com regras e procedimentos distintos, autonomamente fixados em cada um
deles.
Nessa oportunidade, pretendemos
apresentar algumas sugestões que, longe de resolverem todos os problemas
atinentes aos dois procedimentos, ao menos facilitariam o exercício tanto da
advocacia quanto da judicatura.
Comecemos pela sustentação oral, que não
pode ser vulgarizada pelos causídicos, tampouco menosprezada pelos julgadores.
Para além de prerrogativa da Advocacia, é uma das etapas mais bonitas e
valiosas do processo, em que advogados e julgadores podem interagir e
contribuir para uma melhor prestação jurisdicional, que efetivamente examine os
principais fundamentos jurídicos (e, quando o caso, fáticos) envolvidos, colocando-se
o patrono da causa – que tem obrigação de dominar todos os aspectos em debate –
à disposição dos julgadores para prestar quaisquer esclarecimentos que possam
auxiliar a uma melhor compreensão da lide posta a exame. Como tal, deve ser
valorizada e adequadamente utilizada por todos os operadores do direito.
É fato que o abissal volume de processos
em curso exige postura menos romântica ou tradicional, a fim de ser a
sustentação oral realizada apenas quando se mostre realmente oportuna e útil
para o aprimoramento do julgamento. Tal se revela ainda mais importante à vista
da recente alteração legislativa que tornou viável sua realização também nos
julgamentos dos agravos interpostos contra decisões monocráticas[2]
(o que, por sua vez, deu-se como consequência do crescente monocratismo). Outro
fator que contribuiu para o aumento das sustentações orais – este não tão
recente, mas claramente crescente em decorrência dos mecanismos adotados para
assegurar a subsistência dos julgamentos colegiados durante a pandemia de
Covid-19 – foi a possibilidade de sua realização, por videoconferência,
inclusive nos julgamentos presenciais, pelo advogado
com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o
tribunal (...), desde
que o requeira até o dia anterior ao da sessão (CPC, art. 937, §
4º).
Esses e outros fatores fizeram com que,
mais e mais, as sessões de julgamentos passassem a ter dezenas de inscrições
para a realização de sustentações orais. Dentre os efeitos daí decorrentes,
destacam-se a impossibilidade de julgamento de vários dos casos com pedidos de
sustentações orais em cada sessão (muitas vezes, da maioria deles), provocando
sucessivos adiamentos e retiradas de pauta; e a falta de debate entre os
julgadores, nos julgamentos dos casos com ou sem sustentações orais. Estes
últimos, julgados em “listas” ou “blocos”, o que, por si só, faz com que muitos
advogados resolvam realizar as sustentações orais na esperança de verem seus
casos realmente debatidos[3] (e, ainda assim, tal não se verifica, por
vezes com o nítido propósito de alguns julgadores de desincentivar a prática,
em um círculo vicioso que se retroalimenta).
Pois bem. Em vez de continuarem essa
“briga de gato e rato”, por que Advocacia e Magistratura não se juntam para
avaliar providências que possam, ao menos, minimizar os transtornos por todos
vivenciados?
Muito ajudará se, por exemplo:
- a) As sustentações orais forem
realizadas apenas quando realmente necessárias, de forma clara e objetiva
para destacar os pontos mais relevantes e possíveis distinções ou
semelhanças (estas, muitas vezes, podem ser destacadas apenas em
memoriais) em relação a eventuais precedentes.
- b) Magistrados que costumam não
receber advogados passem a fazê-lo[4] e a aproveitar a oportunidade para
se inteirarem dos respectivos casos. Muitas vezes, sendo os advogados
adequadamente recebidos por todos os julgadores em datas próximas aos
julgamentos, acabam optando por não realizar as sustentações orais, mas
apenas comparecer às sessões para prestar eventuais esclarecimentos de
fato.
- c) Forem lidos, ao menos,
resumos dos votos, nos casos com pedidos de preferência, seguidos de
debates entre os julgadores (ainda que breves, mas suficientes para expor
os principais fundamentos adotados), de modo a desincentivar a realização
de sustentações orais apenas como subterfúgio para evitar os julgamentos
em listas ou blocos.
- d) For observada a necessária,
indispensável e obrigatória primazia do conhecimento do mérito dos
recursos, privilegiando-se a substância em detrimento da forma.
- e) Os julgamentos forem
realizados com menos rigor e formalidade (tal como ocorre, por exemplo,
nos tribunais administrativos), inclusive como medida de economia processual,
evitando-se discussões e recursos acerca de decisões atinentes a meras
formalidades secundárias.
- f) Forem estabelecidas sessões
exclusivas para a realização das sustentações orais, em número não
superior a doze[5] (podendo haver, desde então, pedido
de vista ou, na sua ausência, assegurando-se o julgamento dos respectivos
feitos no prazo máximo de duas semanas) e, em ocasiões distintas daquelas,
para julgamento de processos sem pedidos de sustentação oral.
No que respeita às sessões virtuais de
julgamento, de um lado, não há como deixar de reconhecer sua importância e a
elevada improbabilidade (não obstante fosse o desejável) de voltarem a ser
utilizadas apenas para casos sem sustentação oral e/ou de reafirmação da jurisprudência
do respectivo órgão julgador.
Essas constatações não impedem – antes,
justificam – a adoção de mecanismos e procedimentos que as aproximem o máximo
possível das sessões presenciais de julgamento, do que certamente resultará
maior aceitabilidade do procedimento em si e das decisões nele proferidas. As
sessões podem ser formalmente virtuais, mas os julgamentos são e
sempre devem ser reais, não simulados ou meramente potenciais.
Não se olvide a obrigatória observância
aos direitos e prerrogativas assegurados ao advogado pela Constituição Federal
(enquanto indispensável à
administração da justiça, cf. artigo 133) e pela Lei
n. 8.906/1994 (EA), de modo a poder o patrono do processo em julgamento
não apenas realizar efetiva sustentação oral como, nos termos do
artigo 7º, incisos X, XI e XII desta última, usar
da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção
sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos,
documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar
acusação ou censura que lhe forem feitas; reclamar, verbalmente ou por escrito,
perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de
preceito de lei, regulamento ou regimento; e falar, sentado ou em pé, em juízo,
tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder
Legislativo.
Nada justifica seja a sustentação oral
em tempo real substituída, ainda que nos julgamentos em sessões virtuais, pela
suposta sustentação oral em meio eletrônico, previamente gravada (os chamados
“videomemoriais” a que, por certo, apenas alguns poucos julgadores e/ou
assessores eventualmente assistem). As sessões exclusivas para a realização de
sustentações orais, retro sugeridas, coadunam-se inteiramente com a sistemática
das sessões virtuais de julgamento, podendo ser realizadas na data inaugural de
cada uma delas.
Se os julgadores assistem às
sustentações orais presenciais, nada justifica que não o façam nas sessões
virtuais. Por mais enfadonha ou cansativa que se mostre a atividade em
determinadas situações, é obrigação do magistrado assim proceder,
mesmo porque atua o advogado como auxiliar da Justiça ao facilitar o
exercício da função jurisdicional destacando, em breves memoriais e
sustentações orais, os principais aspectos que se espera sejam examinados na
prestação jurisdicional perquirida.
No que respeita às manifestações no
curso do processo, não basta o sistema admitir a apresentação de pleitos
escritos ou gravados. Há de se assegurar que, apresentadas manifestações a
título de esclarecimentos sobre matéria de fato ou outras que compitam ao
causídico, como para formular questão de ordem, replicar acusação ou censura
que lhe tenham sido feitas ou mesmo reclamar contra a inobservância de preceito
de lei, regulamento ou regimento, seja o julgamento suspenso até sua efetiva apreciação,
como única garantia de que não serão elas ignoradas (intencionalmente ou não,
até em razão do volume de afazeres concomitantemente em curso). Tudo sem
prejuízo de prévio exame de admissibilidade, tal como nas sessões presenciais.
Afinal, nunca serão excessivas as
garantias às manifestações dos advogados e a seu efetivo exame pelos
julgadores, como igualmente impõem o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa. É de todo recomendável a unificação dos procedimentos atinentes
às sessões virtuais, de modo a serem respeitadas as garantidas e prerrogativas
profissionais independentemente do tribunal em que verificadas, em especial no
que tange ao seguinte:
- Divulgar as pautas com a maior
antecedência possível (mínima de 30 dias).
- Fixar parâmetros objetivos para
a identificação de quais processos podem ser julgados nessa sistemática.
- Vedar, em qualquer hipótese, o
julgamento em sessões virtuais de tema cujo exame possa resultar
modificação de orientação jurisprudencial anteriormente firmada no âmbito
do respectivo tribunal.
- Estabelecer limite razoável de
processos pautados por sessão.
- Caso não seja o processo
automaticamente excluído da sessão virtual a pedido das partes, que, ao
menos, não seja julgado enquanto os advogados constituídos não tiverem
sido recebidos pelos srs. julgadores, se solicitarem audiências até 72h
após a disponibilização da respectiva pauta.
- Sempre disponibilizar os votos
à medida em que proferidos.
- Assegurar automática suspensão
do julgamento de determinado processo sempre que apresentados questão de
ordem ou esclarecimento de fato, até que sejam efetivamente apreciados, ao
menos quanto ao seu cabimento, em posterior sessão com votos específicos a
respeito dos temas apresentados.
- Assegurar automática suspensão
do julgamento para vista coletiva quando não proferido voto por qualquer
dos julgadores habilitados a tanto (em especial quando verificada
divergência relevante nos votos já proferidos), incluindo-se o caso na
sessão subsequente e assim sucessivamente, até que sejam proferidos todos
os votos.
- Assegurar automática
prorrogação da sessão de julgamento por igual período, a partir do
encerramento, sempre que proferidos votos divergentes, possibilitando-se a
cada julgador alterar ou complementar seu voto à vista dos demais
apresentados, bem como, aos patronos das partes, apresentar questão de
ordem ou esclarecimento de fato.
- Priorizar a finalização, após
iniciados, dos julgamentos de recursos representativos de controvérsia (no
STJ), processos com repercussão geral reconhecida e/ou ações diretas (no
STF). Trata-se de providência de todo recomendável em se tratando ou não
de julgamento realizado em sessão virtual. Não é razoável que, em
decorrência de recursos internos e/ou pedidos de vista (em geral,
justificados e dignos de respeito, mas cujas reinclusões em pauta de
julgamento devem ser priorizadas), o encerramento de julgamento de tema
relevante seja procrastinado por meses ou anos, como sói acontecer.
As sugestões ora apresentadas objetivam
apenas incentivar o debate e a interação entre Advocacia e Magistratura, na
busca conjunta de soluções para tantos problemas em comum. O que realmente
importa é estarmos todos abertos a refletir e a compreender as dificuldades
mútuas, com boa vontade, empatia e proatividade para superá-las.
É esse o espírito que esperamos venha a
nortear os debates nos quatro painéis do Seminário conjunto AASP / IASP
intitulado “Diálogos da Advocacia com o Judiciário”, que ocorrerá no próximo
dia 25 de novembro. Desde já agradecemos a todos os integrantes da Magistratura
e da Advocacia que se dispuseram e se dispuserem, despidos de posições
inegociáveis e realmente abertos ao diálogo, a participar do evento como
debatedores, moderadores e ouvintes propositores. Que dele se originem
propostas e efetivas providências para o necessário aperfeiçoamento tanto da
prestação jurisdicional quanto do exercício da advocacia.
Mário Luiz Oliveira da Costa e Renato de
Mello Jorge Silveira, presidentes, respectivamente, da Associação dos Advogados
de São Paulo (AASP) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
[1]
Foi publicada, no DOU de 03/06/2022, a Lei n. 14.365/2022 que, dentre outras
alterações, passou a autorizar a realização de sustentações orais também no recurso interposto contra a decisão
monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos
recursos ou ações, ali indicados (conforme nova redação dada ao art. 7º, §
2º-B, da Lei n. 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia). O texto inicialmente
aprovado pelo Congresso Nacional havia assegurado, ainda, ao advogado sustentar oralmente,
durante as sessões de julgamento, as razões de qualquer recurso ou processo
presencial ou telepresencial em tempo real e concomitante ao julgamento,
bem como que, Incluídos
no plenário virtual o julgamento dos recursos e das ações originárias, sempre
que a parte requerer a sustentação oral em tempo real ao julgamento, o processo
será remetido para a sessão presencial ou telepresencial, conforme
inciso IX-A e § 2º-A, ambos introduzidos ao mesmo artigo 7º do EA, mas objeto
de vetos presidenciais não derrubados pelo Legislativo.
[2]
Nova redação dada ao art. 7º, § 2º-B, d0 EA, pela Lei n. 14.365/2022, antes
referida (NR1).
[3]
O mesmo ocorre, aliás, quando os advogados não conseguem ser recebidos pelos
julgadores para destacar as peculiaridades do caso que entendam devam ser
consideradas.
[4]
O que não é favor algum, mas sim obrigação legal fixada no artigo 7º, VIII, do
EA.
[5] Considerado o máximo razoável para cada sessão, de modo a viabilizar a efetiva realização das sustentações em todos os casos pautados, bem como seja dada a devida atenção, pelos julgadores, a todos eles. Após a 12ª inscrição para a realização de sustentação oral, as seguintes seriam alocadas para as sessões seguintes, sucessivamente, respeitando-se, proporcionalmente, preferências legais e casos com réus presos, risco de prescrição penal ou de perecimento de direito.
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