Investir em educação é firmar compromisso com o futuro
Samuel Hanan*
“A educação é a arma
mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”, costumava dizer o líder
sul-africano Nelson Mandela, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993. Eis uma
lição que o Brasil não aprendeu porque permanece sem priorizar a educação como
agente de transformação do País.
Verdade que há 33 anos
a Constituição Federal de 1988 deu um passo significativo ao obrigar, em seu
artigo 212, que a União aplique ao menos 18% e os governos estaduais e
municipais invistam, no mínimo, 25% da receita resultante de impostos em
educação. O problema é que um equívoco histórico se perpetua por falta de
coragem ou omissão propositada de nossos governantes, com a covarde
cumplicidade do Congresso Nacional.
Isso porque o governo
federal até hoje se aproveita de uma impropriedade terminológica adotada pelos
constituintes, os quais, ao tratar da obrigação constitucional de investimento
em educação, fixaram percentual de arrecadação de impostos e não de tributos
(que englobam impostos, taxas e contribuições). E faz isso aumentando a carga
tributária via contribuições – como Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e
Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) – e adotando a
política de conceder renúncias fiscais com os impostos compartilhados com
estados e municípios, como o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI).
Ou seja, sem que congressistas,
governadores, prefeitos e reitores de universidades percebessem, o governo
federal conseguiu, ao mesmo tempo, subtrair as receitas dos Estados e
Municípios e impedir o aumento nominal dos investimentos obrigatórios em
educação e saúde, calculados apenas sobre os impostos. Além disso, aumentou as
receitas e o poder da União, e consequentemente a dependência dos Estados e
Municípios, (entortaram a federação), distorcendo o princípio federativo. A
comprovação de tal prática está nos números oficiais: em 1988, as receitas da
União eram compostas por 80,27% de impostos e 19,73% de contribuições. Em
2020, essa balança ficou mais equilibrada, sendo 51,50% das receitas advindas
de impostos e 48,50%, de contribuições.
Evidente, portanto, que
se o percentual destinado à educação abarcasse também os tributos, e não
somente aos impostos, haveria imediato e robusto reforço nos recursos
carimbados para esse segmento, vital para mudar para melhor a realidade do
Brasil. Mas não é só.
Se o País quiser
garantir mais receitas para a educação, precisa rever a prática arraigada de
concessão de renúncias fiscais, especialmente as que envolvem IR e IPI, cujo
total correspondeu, em 2021, de 4,5 a 5% do Produto Interno Bruto (PIB)
nacional. Como são impostos compartilhados com estados e municípios, ambos
representam perda para esses entes federativos aplicarem em educação cada vez
que uma renúncia fiscal é concedida.
Em valores calculados
sobre a estimativa do PIB de 2022 (R$ 9,7 trilhões), IR e IPI somam R$ 657
bilhões. E a renúncia fiscal da União sobre esses dois impostos atinge R$ 145
bilhões, ou até R$ 165 bilhões se considerada a renúncia fiscal adicional sobre
IPI garantida por decretos recentes do governo federal. Isto é: as renúncias
fiscais consomem 25,11% das receitas de IR e IPI.
Há outros números
superlativos. As benesses fiscais da União resultam de perda de R$ 37,15
bilhões para o Fundo de Participação dos Estados e de R$ 40,42 bilhões para o
Fundo de Participação dos Municípios. Isso representa R$ 19,39 bilhões a menos
para investimento nos ensinos fundamental e médio (estados e municípios) e
menos R$ 15,84 bilhões para o ensino superior e institutos de pesquisa (União).
Um país que ainda tem 11 milhões de analfabetos não pode se dar ao luxo de
desprezar R$ 35,23 bilhões por ano para investimento em área tão sensível. É
possível mudar esse rumo, proibindo a renúncia fiscal com impostos
compartilhados ou garantindo compensações por meio do repasse do volume de
recursos retirados pela renúncia, via outra fonte.
Além de aumentar os
investimentos, o Brasil ainda precisa repensar a qualidade da educação que
oferece aos seus cidadãos. É urgente implantar escolas de tempo integral nos
ensinos fundamental e médio assim como, na mesma medida, é necessário valorizar
a profissão de professor, oferecendo-lhe remuneração adequada, capacitação
permanente com treinamento e reciclagem, e melhores condições de segurança e
transporte, sobretudo para os profissionais que atuam nas periferias, na zona
rural e nos cursos noturnos. Recursos para isso existem e viriam da redução das
renúncias fiscais.
As novas tecnologias,
as novas profissões, as recentes necessidades do mercado exigem também uma
revisão das grades curriculares, hoje defasadas, trazendo-as para o século XXI
a fim de preparar os estudantes para os desafios atuais e futuros do mundo
globalizado e altamente tecnológico. A Matemática hoje lecionada nos ensinos
fundamental e médio no Brasil, por exemplo, sequer aborda a questão das
finanças, com a qual o cidadão vai conviver até o fim da vida, seja a nível
pessoal, seja a nível profissional. Todos os cursos deveriam incluir noções
elementares de finanças, de economia e de controle de gastos.
Além disso, dadas as
especificações do País, importante seria também a inserção do Meio Ambiente
como disciplina obrigatória para conscientizar desde logo o brasileiro sobre a
importância de se manter a floresta em pé, da necessidade disso para a
preservação do regime de chuvas que assegura a produção agrícola em várias
regiões do País e energia hídrica essencial para a indústria, e de práticas
sustentáveis em todos os ramos de atividade. E não seria demais incluir
ensinamentos sobre drogas e seus efeitos deletérios, como forma de conter o
avanço dessa doença que se alastra inclusive para os municípios menores e mais
afastados dos grandes centros, constituindo-se grave problema de saúde pública
com reflexos na segurança.
Nem é preciso dizer que
o Brasil também precisa universalizar o acesso ao ensino superior e fomentar as
instituições de pesquisas, aproveitando a fonte de recursos garantida por uma
nova política de renúncias fiscais que deveria ser limitada por lei a 1,5% a 2%
do PIB, no máximo.
Educação nunca foi
despesa; sempre foi investimento com retorno garantido, como ensinou o economista
britânico Sir Arthur Lewis, em lição ainda não aprendida pelos governantes
brasileiros.
É unanimidade nacional
o conceito de que sem educação não há salvação. O problema é que a prática se
mantém distanciada do discurso. Com isso, a salvação não veio e não virá sem
mudanças profundas como, por exemplo, as discutidas nessas linhas.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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