Educação: a solução que nunca se concretiza
Samuel Hanan*
Há quase três décadas,
os candidatos em campanha eleitoral repetem uma frase que já se tornou quase
lugar-comum: “Sem educação não há salvação”. A afirmativa é absolutamente
verdadeira e, portanto, convenientemente reproduzida por governantes,
parlamentares, entidades de classe e grande parte da intelectualidade
brasileira. Por outro lado, raros são aqueles que, constatando que a salvação
até hoje não veio, perguntam-se qual a razão disso. O que sucedeu?
Não há respostas
oficiais convincentes. A dura realidade mostra que o Brasil será sempre um país
desigual, injusto e violento enquanto perdurar o descaso com a ética e a
educação por parte da maioria dos governantes, que insiste em não tratar tais
questões como políticas de Estado. Muitos deles entendem ser suficiente a
destinação do percentual orçamentário previsto na Constituição Federal,
ignorando solenemente que a mudança do panorama atual exige muito mais.
Esse comportamento
também pode ser atribuído à passividade de uma sociedade civil egoísta que é
incapaz de se revoltar e se indignar com a falta de compromisso dos governantes
em relação a um assunto que é fundamental para o desenvolvimento do país e um
direito fundamental dos cidadãos.
As discussões hoje são
dominadas por questões como tecnologia 5G, inteligência artificial e
neo-industrialização, certamente importantes, mas que não deveriam ser postas
como o cerne do debate, uma vez que as mudanças mais importantes e urgentes ao
país são as revoluções ética e educacional, sobretudo a pública.
É preciso perguntar
sempre: como é possível se formar bons médicos e outros profissionais de saúde,
engenheiros de telecomunicação, eletrônicos e industriais, advogados, juízes, e
profissionais competentes na área de segurança pública e em outros campos
essenciais sem que, antes, o país tenha professores de bom nível, capacitados,
dedicados, atualizados e bem-remunerados? Esta é a base da revolução que
verdadeiramente importa.
A história recente
apresenta vários exemplos de como, em poucas décadas, a educação transformou
países com economias mais fracas que a do Brasil. É o caso da Coreia do Sul,
que apostou na educação e experimentou fantásticos progressos social e
econômico.
De acordo com a
Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 1980 o PIB per capita daquele país
asiático correspondia a 17,5% do PIB per capita dos Estados Unidos, menos da
metade do PIB brasileiro no mesmo ano (39% do PIB per capita norte-americano).
Exatos 42 anos depois – período curto historicamente -, o PIB per capita da
Coreia do Sul passou a representar 66% do PIB per capita dos norte-americanos,
enquanto o do Brasil caiu de 39% para 25,8%. A diferença de performance foi
colossal, conforme comprovam esses números.
A evolução e a
seriedade na condução das políticas públicas alavancaram a economia e o
bem-estar da Coreia do Sul. Enquanto a produtividade média da indústria
sul-coreana cresceu à razão de 4,3% ao ano, a do Brasil patinou em meros 0,7%
ao ano. Em consequência, no mesmo período os salários tiveram aumento real de
4,3% ao ano na Coreia do Sul, ante apenas 0,3% no Brasil.
O que mais é necessário
para as autoridades enxergarem que, além da verdade e seriedade no trato da
coisa pública, a tal salvação somente virá com a revolução no sistema
educacional brasileiro?
A evolução do sistema
educacional precisa contemplar uma série de adequações e inovações já apontadas
por especialistas, muitas das quais foram adotadas com sucesso por nações que
experimentaram grande e rápida evolução graças à aposta na educação como agente
transformador da sociedade.
A primeira delas é
erradicar o analfabetismo, situação que ainda envergonha o Brasil. Será
impossível cumprir a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de acabar com o
analfabetismo até 2024. O país ainda tem 9,6 milhões de analfabetos com 15 anos
ou mais, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(Pnad Contínua), do IBGE, divulgados na segunda semana de junho.
Essa taxa vem caindo
gradualmente, é verdade, porém a ritmo muito lento. Era de 6,7% em 2015 e em
três anos diminuiu para 6,1%. Ainda temos uma legião de analfabetos funcionais
e a triste constatação de que 56% dos alunos do segundo ano do ensino
fundamental não tinham capacidade
básica de leitura nem
de escrita em pleno ano de 2021. Reportagem do jornal O Globo mostrou que foi
sofrível o desempenho de crianças brasileiras do quarto ano do ensino
fundamental na edição daquele ano do Estudo Internacional de Progresso em
Leitura. Dentre 65 países que participaram do estudo, o Brasil ficou apenas na
59ª posição, atrás de países como Turquia e Uzbequistão. De acordo com a
reportagem, mais da metade das crianças brasileiras não é alfabetizada na idade
certa, e apenas 43% já aprenderam a ler aos 8 anos.
Ademais, é vital
garantir a universalização do ensino, combater a evasão escolar e assegurar que
mais jovens tenham acesso aos cursos superiores.
O caminho é longo e não
admite atalhos. É preciso oferecer ensino fundamental I e II e ensino médio em
tempo integral. Uma meta factível seria atingir 25% da rede pública nesse
modelo em 4 anos, evoluindo para 50% em 8 anos. Ou seja, em apenas dois
mandatos presidenciais seria possível oferecer ensino fundamental à metade de
todos os alunos do ensino fundamental e do ensino médio no país, o que já
garantiria uma mudança de patamar.
Imprescindível também é
assegurar remuneração dos professores da rede pública em tempo integral e,
quando não em tempo integral, priorizar suas atividades em turno extra na mesma
escola, evitando gastos e dispêndio de energia desses professores. As metas
devem ser definidas por profissionais do setor, que conhecem a fundo as
peculiaridades e carências da atividade.
O país precisa ainda
adotar um novo programa de capacitação dos profissionais da educação, com
cursos e treinamentos providos pelo governo, de forma a manter os professores
atualizados e motivados.
O novo modelo não pode
prescindir de um plano de cargos e salários, bem como de plano de carreira para
os professores, com implantação e cumprimento obrigatórios, a fim de se evitar
solução de continuidade com mudanças de governo.
Fundamental também é a
construção de novas escolas para receber alunos em tempo integral,
providenciando, onde possível, ampliações e modernização dos estabelecimentos
existentes, evitando-se gastos desnecessários.
Prover segurança e
transporte para professores, alunos e servidores é outra necessidade que se
impõe como estímulo principalmente aos profissionais que se dedicam em
estabelecimentos localizados em áreas mais afastadas e com maiores índices de
violência.
Imprescindível ainda a
atualização da grade curricular, de modo a compatibilizá-la às novas
tecnologias, profissões e demandas do século XXI, sem ignorar o ensino de
línguas estrangeiras e de computação, além de especial atenção à matemática.
A política de creches
também precisa ser revista, de forma a atender às necessidades das mães que
precisam trabalhar para contribuir no sustento da família – quando não são as
únicas provedoras – e oferecer educação infantil de qualidade.
É igualmente necessário
reforçar a merenda escolar para que supra as necessidades alimentares a fim de
que as crianças possam assimilar melhor os ensinamentos e se desenvolver
intelectualmente.
A revolução na educação
forma cidadãos melhores, profissionais mais capacitados, mentes criativas e
inovadoras e o resultado é sempre um salto no desenvolvimento do país, como já
demonstram os exemplos de várias nações. Há salvação, sem dúvida.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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