Países divergem na aplicação das regras de seguros D&O e E&O
Marcia Cicarelli |
Em qualquer parte do mundo, o dolo está excluído da cobertura do seguro de responsabilidade civil D&O (Directors and Officers Liability Insurance) – que garante indenização para danos decorrentes de eventual tomada de decisão de diretores e administradores de empresas. Entretanto, na Espanha, os tribunais entendem que pode haver exceção no caso de terceiros de boa-fé prejudicados. No caso do México, depois de sinistros de cifras milionárias em D&O, as seguradoras chegaram ao consenso que vale a pena investigar o segurado antes de aceitar o risco.
Estas outras questões foram discutidas durante o “Seminário Regulação de Sinistros em Grandes Riscos”, realizado pela JBO Advocacia, no último dia 7 de maio. Parceira do DAC Beachcroft, a JBO trouxe ao evento os sócios do escritório inglês do Chile, Colômbia, México, Espanha e Londres para compor o panorama regulatório atual da América Latina e Europa, com enfoque na regulação de sinistros de grandes riscos. O evento serviu para marcar a nova fase de atuação da JBO, em novo endereço no bairro de Pinheiros.
Perda de chance é parte do patrimônio?
A distinção entre a obrigação de resultado e a obrigação de meio foi o ponto de partida para Marcia Cicarelli Barbosa de Oliveira, sócia da JBO Advocacia e representante do Brasil no evento, iniciar a abordagem do tema “Sinistros de E&O e a Teoria da Perda de uma Chance”.
Ela explicou que o E&O (Erros e Omissões) é um seguro de RC Profissional, que cobre prejuízos causados a terceiros por falhas, imperícia e negligência cometidas no exercício da profissão. Sobre a perda de chance, citou dois exemplos: do advogado que perde o prazo durante o processo judicial e o cavalo competidor eliminado em um prêmio de jóquei.
Embora o dano seja conceituado como qualquer redução patrimonial, a polêmica está em enquadrar a chance como parte do patrimônio. A advogada frisou que a chance faz parte do patrimônio, mas o valor da indenização será sempre menor que o resultado esperado. “A perda da chance implica necessariamente um processo aleatório, portanto não há garantia do resultado esperado. Se a indenização for de 100% não se trata de obrigação de meio e sim de resultado”, disse. Ela citou cinco casos práticos, dentre os quais um em que mesmo ocorrida a perda de prazo processual por um advogado, não havia dano, pois se demonstrou que o recurso não tinha chance séria e real de êxito.
Marcia Cicarelli observou que não há uma formula prévia para análise do dano e cálculo da indenização. “Cada caso é um caso”, disse. Destacou, ainda, a importância de uma regulação clara e transparente perante o segurado, já que é a sua reputação profissional que está em jogo no seguro E&O. Todavia, concluiu: “é preciso esclarecer o segurado que o dano reputacional e a negociação comercial não são indenizáveis pelo seguro”.
José Luis Arce Fernandez |
O México tem nova lei de seguros e fianças, em vigor em abril deste ano, mas continua “um território incomodo para resseguradoras estrangeiras”, na opinião de José Luis Arce Fernández, sócio DAC Beachcroft. Segundo ele, a lei determina que todos os sinistros sejam regulados no país, o que rende muitas discussões com o mercado londrino.
Fernández apresentou um caso prático de D&O, envolvendo uma construtora de moradias sociais, que contava com subsídios do governo. Além desses recursos, a empresa vendia seus passivos e negociava ações nas bolsas de valores do México, Espanha, Londres e Nova Iorque. Porém, a empresa utilizou um estratagema para mudar o critério contábil e deduzir seus impostos na compra de terrenos.
Suspeita de fraudar seu balanço, a empresa e seus diretores passaram a ser investigados em outros países, acarretando demandas judiciais no valor de US$ 450 milhões no México, Estados Unidos, Espanha e Londres. Mas, a empresa apenas avisou o sinistro de D&O um mês antes da renovação da apólice.
Segundo Fernández, as coberturas da apólice previam indenização de US$ 7 milhões no México e resseguro de US$ 50 milhões para os demais países. O que “salvou” a seguradora mexicana, segundo ele, foi uma das condições da apólice, que previa o dever do segurado de notificar a seguradora no prazo de 90 dias. O advogado destacou a necessidade de se investigar o segurado na fase de subscrição. “A seguradora não podia alegar que não sabia dos fatos públicos divulgados pela imprensa sobre o segurado”, disse.
Gustavo Blanco |
Na condição de grande centro subscritor de contratos na América Latina, a Espanha foi beneficiada pela nova legislação de seguros e resseguros, em vigor há mais de três anos, segundo a avaliação de Gustavo Blanco, sócio do DAC Beachcroft. A lei impõe mais restrições à operação de seguradoras estrangeiras, que devem obter licença do órgão regulador para tomar riscos. A regra geral é que os riscos nacionais devem ser segurados por seguradoras espanholas. Segundo Blanco, as partes têm autonomia para determinar as condições do contrato de seguro.
A crise econômica de 2008, que resultou no colapso de quase 60% das entidades financeiras da Espanha, preocupou o mercado de seguros em relação aos impactos no D&O. “Temia-se ações contra os administradores dessas empresas durante os anos da crise, inclusive de acionistas e investidores”, disse.
Embora o contrato de D&O exclua o dolo da cobertura de grandes riscos, o entendimento dos tribunais espanhóis é que pode haver exceção no caso de terceiros de boa-fé prejudicados. “Estamos tentando unificar a doutrina para impedir que isso prospere”, disse.
Segundo Blanco, a tendência de proteção ao segurado é reforçada pela lei de consumidores. As seguradoras podem ser acionadas diretamente por terceiros e são responsáveis solidárias dos mesmos. Ele criticou a regra da lei de contrato de seguro que estabelece juros de 50% por atraso no pagamento de sinistros e de no mínimo 20% de juros quando ultrapassar o prazo de dois anos. “Em alguns sinistros com grande período de prescrição, o valor dos juros ultrapassa o do interesse principal”, disse.
Destaque para o Brasil
“Além de agregar informações importantes aos profissionais do mercado de seguros brasileiro, o seminário evidenciou a importância do Brasil como hub de seguros e resseguros na América Latina”, disse Marcia Cicarelli. No encerramento do evento, o fundador da JBO, Joaquim Barbosa de Oliveira, comentou sobre as conquistas do escritório. “Tenho orgulho de nossa trajetória exitosa e da associação com o DACBeachcroft. A JBO vem se pautando com muita seriedade e não à toa é conhecida por sua ética e transparência”, disse.
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