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Mindfulness: o poder da técnica de atenção plena na saúde mental e no combate ao uso nocivo de álcool

Por Arthur Guerra de Andrade

Muitas pessoas consomem álcool para controlar ou modificar seu estado emocional, buscando reduzir os sentimentos negativos ou reforçar os positivos. Quando bebem com esse objetivo, porém, elas podem se expor a um risco mais elevado de desenvolverem alterações comportamentais, fazendo uso nocivo da bebida e tornando-se dependentes.

Nos últimos anos, terapias ligadas a tais modelos de pensamento, segundo os quais se consome a bebida para manipular as emoções, têm sido estudadas para o tratamento e prevenção dos transtornos por uso de álcool. Percebe-se, por meio dessas terapias, que é possível alcançar maior estabilidade emocional e cognitiva a partir de exercícios que integram o corpo e a mente, como práticas de meditação capazes de melhorar a reflexão e atenção e trazer um benefício psicológico. Quando esses princípios são atrelados a uma terapia cognitiva específica, dá-se o nome de terapia baseada em mindfulness (TBM).

Estudos científicos são necessários para melhor compreender o funcionamento e os resultados obtidos com a implementação da TBM, o que vem aumentando nos últimos anos. Uma pesquisa recente investigou se princípios da TBM influenciam no consumo de álcool por estudantes com média de 21 anos. Os participantes que demonstraram mais capacidade de aceitar suas emoções sem aplicar um julgamento sobre elas – um dos princípios da TBM – usam álcool com menos frequência e intensidade quando querem lidar com ansiedade social ou timidez. Outro estudo recente evidenciou as áreas cerebrais cujas atividades têm influência da TBM, como o córtex cingulado anterior, posterior, ínsula e tálamo, relacionados com as funções de atenção, motivação e controle emocional.

As terapias cognitivas ensinam o indivíduo a reconhecer pensamentos automáticos e a enxergá-los com crítica, para lidar com eles de maneira pragmática. A TBM é uma forma de terapia cognitiva cuja técnica enfatiza a capacidade de reconhecer esses pensamentos e mudar sua relação com eles, não tentando necessariamente confrontá-los ou modificá-los. Estudos anteriores evidenciaram a efetividade de TBM em uma variedade de sintomas psicológicos, como alterações de humor, ansiedade, transtornos por uso de álcool, de substâncias, personalidade borderline, dor crônica e estresse associado a doenças físicas graves, como câncer e esclerose múltipla.

Há poucos anos, desenvolveu-se a prevenção de recaída baseada em mindfulness, um programa para o segmento de pacientes com transtorno por uso de substancia que atingem a fase de abstinência. O objetivo é melhorar a conscientização a respeito dos pensamentos, do desejo de uso e das memórias ligadas aos efeitos prazerosos, os quais comumente levam à recaída (saiba mais: http://www.cisa.org.br/artigo/4908/comparacao-eficacia-entre-prevencao-recaida-baseada.php).

O pilar de mindfulness é prestar atenção de forma plena no presente momento e sem julgamento. Assim, os indivíduos aprendem a conciliar a parte da mente mais emocional com aquela mais racional, sintetizando o pensamento lógico e emoções. A TBM não é uma prática mística, nem uma forma de “limpar” o pensamento, ao contrário do que muitos pensam. Em última instância, esse tipo de terapia encoraja o paciente a estar mais consciente de seus pensamentos, formulando menos julgamentos sobre os mesmos e procurando aceitá-los no momento presente. O escopo da TBM apresenta os seguintes princípios:
  • Observação: notar a respiração, os pensamentos e sensações como sons e cheiros, especialmente quando estiver sentindo uma forte emoção;
  • Atenção plena: direcionar integralmente a atenção para o presente momento, resistindo às distrações;
  • Aceitação e não julgamento: capacidade de aceitar o presente, evitando julgá-lo ou tentar mudá-lo. Por exemplo, seria o caso de aceitar conscientemente os pensamentos de tristeza ou ansiedade sem rotular-se como alguém deprimido e sem tentar corrigir essas emoções naquele momento.
Portanto, considerando-se as associações significativas entre a prática da TBM e redução do beber e de recaídas em indivíduos com transtornos por uso de álcool, faz-se necessário incentivar que novas pesquisas sejam feitas. Com o desenvolvimento de novos protocolos para sua utilização, a TBM apresenta potencial para o tratamento de vários transtornos psiquiátricos.

*Arthur Guerra de Andrade é psiquiatra e especialista em dependência química, Professor Associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Professor Titular de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina do ABC, Presidente do International Council on Alcohol and Addictions (ICAA) e Presidente Executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).

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