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Educação online durante a pandemia deve alavancar o número de mulheres doutoras no país

Conheça histórias de personagens como Adriana e Cristina, que venceram barreiras em áreas predominantemente masculinas
StockSnap por Pixabay

Não é novidade que o número de doutoras e doutorandas vem crescendo consideravelmente no Brasil, desde a última década. Um levantamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) mostra um aumento de 61% em seis anos, e a pandemia trouxe à tona a expectativa de que a presença feminina seja ainda maior nesses espaços, com mais mulheres buscando oportunidades de uma educação formal. Segundo o relatório socioeconômico do processo seletivo das Faculdades de Tecnologia do Estado (Fatecs), houve um aumento de 14,71% entre mulheres inscritas em cursos profissionalizantes, um recorde.  Um fator que facilitou esse crescimento jamais visto anteriormente é o ensino à distância, que ficou mais recorrente após o início das medidas restritivas implementadas como medida de combate ao coronavírus.  

“Sabemos que as mulheres têm mais dificuldades no mercado de trabalho, a começar pelo preconceito, e a educação presencial é tida como um outro obstáculo àquelas que acumulam vários turnos de funções, como filhos, casa e trabalho. Com a pandemia, os cursos na formatação online serviram como um facilitador para a procura e a chance dessas mulheres terem mais alternativas no mercado”, explica o professor Francisco Borges, consultor da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT), instituição responsável pelo levantamento.  No primeiro semestre de 2020, apenas 33,12% das vagas foram preenchidas por mulheres, enquanto em 2021 o índice subiu para 47,83%, um aumento significativo. 

Ainda segundo o especialista, esse levantamento é importante para mostrar também a mudança no perfil dos interessados nos cursos, uma vez que existe a crescente demanda no ensino remoto ou híbrido. “Estudar é importante e manter um planejamento na formatação das aulas, visto a necessidade da população, é imperativo. Investir no planejamento para cursos EaD supriria a necessidade de algumas pessoas, principalmente mulheres, no acesso à Educação. Acredito que estes índices são de extrema relevância às políticas públicas de gestão na área”, afirma. 

Um sinal desse benefício pôde ser notado na própria Fundação FAT, onde a educação a distância, em tempos de pandemia, tornou-se uma ferramenta eficaz. “Adotamos aulas síncronas remotas e mantivemos nossos cursos de Recursos Humanos e Administração na Fundação. Para minha alegria, uma de nossas alunas foi beneficiada com uma promoção em sua área, justamente porque estava ainda mais capacitada para a função. Isso é gratificante quando pensamos nas dificuldades deste momento”, conclui Borges. 

Recentemente, a FAT iniciou um projeto conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo para a formação de gasistas, com uma turma 100% feminina. O curso faz parte do programa ‘Minha Chance’ e foi inaugurado em de maio, com 60 mulheres selecionadas para estudos que abrangem a conversão de equipamentos, fogões, cooktops, aquecedores, fornos; abertura e desligamento de gás; orientações técnicas sobre em quais ambientes podem ser ligados os equipamentos, ventilação adequada e as condições dos equipamentos e leitura de projetos relacionados a instalações internas de gás em residências, comércios e prédios.

Ao todo, serão 140 horas de aulas à distância, em ambiente virtual provido e suportado pela Fundação de Apoio à Tecnologia, incluindo 18 horas nos laboratórios da Companhia de Gás de São Paulo (Comgás), apresentando a rede e todos os equipamentos que usam o gás natural como energia. Na avaliação do professor Francisco Borges, projetos como esse contribuem para a quebra do preconceito em todos os níveis de educação e ambientes profissionais, pois apostam em qualidades predominantemente das mulheres – o cuidado e a excelência – no tratamento de questões de segurança.

Mais espaço na Ciência  

“Esse ‘ambiente muito masculino’ acaba interferindo em quem somos. A gente se acostuma a não romantizar muita coisa, a não demonstrar fragilidades”, diz Adriana Falcão, economista, administradora e com larga experiência no setor financeiro. A cabeça naturalmente “matemática” não impediu que Adriana percebesse que tantas “adequações” tornavam a rotina de trabalho ainda mais cansativa. Doutoranda pela CESAR School, escola de inovação do CESAR – maior centro de inovação tecnológica e transformação digital do país –, sediado no Porto Digital em Pernambuco, onde é orientada por Ana Paula Furtado, Adriana é uma das três mulheres de uma turma majoritariamente masculina. 

Nesses desafios diários, as consequências são muito claras para ela. “Acho que a gente se torna uma pessoa mais flexível, mas ‘se dobra’ tanto que às vezes ‘empena”’, resume Adriana. No somatório, vêm os filhos – um deles, com Síndrome de Down. Adriana não diz ou sente que Filipe dá mais trabalho que Clara, mas sabe que é mais exigida – pelos outros – por causa dele.  

“Quando ele nasceu, o que já era um ‘absurdo’ (uma mãe trabalhar) ficou ainda pior: uma mãe que deixa seu filho especial em casa para trabalhar, para viajar. Eu, que sou mãe deles, sei que educar não é fácil e o que Filipe me traz são demandas diferentes e um exercício de descobrir a força que tenho. Não entrei nesse modelo comum em que a mulher tem que lavar, passar, levar filho na escola; analiso meu contexto sem vitimismo. É quando me vejo, decido que não quero perder minha feminilidade mesmo estando nesse ambiente. Minha autoafirmação é de dentro pra fora”. 

Por uma TI mais diversa

Em algumas áreas nem são necessários levantamentos para verificar que as mulheres ainda são minoria entre os discentes, a exemplo do setor de Tecnologia. Se aceitasse o que ouvia, Cristina Araújo não estaria onde está hoje. Foi subjugada desde antes do início da carreira porque ousou projetar-se em uma “área de homem”, mas gostava mesmo de computadores e tecnologia. Ela deu de ombros às investidas negativas e seguiu em frente. 

Formada em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Amazonas e pós-graduada em Desenvolvimento de Jogos, Cristina é mestre em Engenharia de Software e doutoranda na mesma área pela CESAR School. Não tenta, em nenhum momento, florear o preconceito e as dificuldades que enfrentou porque é a partir delas que foi e vem abrindo caminho para outras mulheres nesse ambiente. 

“Comecei em 2002 com Desenvolvimento de Software. A área de tecnologia é a única coisa que conheço na vida. No início da faculdade, eu já trabalhava nessa atividade com a formação que tive na escola técnica. Meu primeiro computador foi meu primeiro desejo e se tornou meu primeiro ganha-pão”, relembra Cristina, que comprava livros de Java e programava sozinha em casa. “Isso já me fez conquistar meu primeiro emprego”.

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