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Interconfiança: colhendo as maçãs proibidas e incumbindo nossos diamantes

Gustavo Velasquez da Veiga
Divulgação - Literare Books International
Por Gustavo Velasquez da Veiga (*)

Por quantas horas investimos nossas vidas nas escolas e nas universidades (para aqueles que, em um país com estruturas perversas de acesso à educação, possuem esse privilégio), absorvendo certos tipos de conhecimentos e desenvolvendo a inteligência acadêmica, para chegarmos na “hora H” de sermos funcionais, nos comunicarmos de maneira pífia e ineficaz, sem clareza para expressar, sem desvelo para ouvir, e sem sensibilidade para perceber os sinais do outro, a capacidade cognitiva.

Uma existência autêntica e livre passa pela busca por conhecimento, que se obtêm através da proatividade, escolarização e educação. Gostaria de destacar o terceiro fator, pois sem este pouco adianta os dois primeiros. Parte importante da educação objetiva desenvolver a capacidade de obter a conexão humana através de respeito e cordialidade, “saber chegar e saber sair”, como a grande chave mestre para nos abrir grandes portas. As conexões humanas de maior qualidade são baseadas na manifestação do caráter, através da vazão genuína dos sentimentos e necessidades e inquisição dos mesmos proveniente dos outros. Organizações com diálogos sinceros e autênticos são as que despontam e de fato obtêm integridade. Engrandecem sua missão, transformando seus setores e o bem-estar coletivo.

A comunicação autêntica se baseia em empatia, não em posições e opiniões, e a base para tal é não ter como objeto focal convencer as pessoas de sua razão, mas sim explicar o porquê você pensa como pensa, e inquirir esta mesma atitude nos demais. Deste modo, os sábios, àqueles que já transitaram a independência e a interdependência, enxergam esse processo como oportunidade de expandir a consciência através da humildade de se curvar a uma boa retórica e percepção dos outrem. Nossos paradigmas e dos outros representam a visão parcial da realidade, no qual, sobrepondo-os, temos mais aproximação com mesma. Devemos partir do princípio de que os demais possuem conteúdo significante a aportar.

Na pré-história, os seres humanos necessitavam compartilhar informações relevantes sobre as condutas alheias por uma necessidade de segurança, ou seja, perceber em quem se podia conceder confiança. No mundo moderno essa cultura foi distorcida ao nível de vício, overdose, recheadas de julgamentos perversos e desrespeitosos à universalização e a diversidade, no qual chamamos de fofoca. Fofoca é o antídoto para projetarmos nossas sombras nos outros. Portanto, pessoas fracas focam a comunicação falando de pessoas; pessoas interessantes falam de coisas; pessoas imprescindíveis dialogam sobre ideias, ou seja, focam em proatividade, criatividade e propósito de realizar, permitindo uma existência em uma frequência mais elevada para construir uma realidade melhor. Estes não vieram de passagem, vivem com altivez e deixarão legados.

Muito embora as diferenças culturais humanas formam personalidades e caráteres cujo maior valor é a identificação com o ego e a construção e preservação da identidade, nitidamente existe uma unidade universal humana que nos conecta, pois no fundo somos os mesmos, na busca por segurança, amparo, satisfação, validação e significado. Esta sobreposição significa a universalização e os propósitos comuns que nos conectam, sendo estes o ponto de partida de qualquer processo de comunicação purificada.

Existem sim diferentes programações mentais. Ao ver um belo hotel em Nova York, provavelmente eu pese: “quero me hospedar aqui”; talvez Donald Trump pense: “quero comprar esse empreendimento”. Propósitos comuns representam o pré-requisito de uma comunicação de alto nível, caso contrário, estamos diante de conflitos de interesses, onde o foco está na consciência de que muitas escolhas representam uma perda, e de que a condição não escolhida tende a ser posteriormente percebida com valor superestimado, pois, como não se está vivendo esta, também não estamos vivendo suas dores e sombras. Em organizações, necessariamente estamos tratando de propósitos comuns. Essa é a base.

Expectativas claras, o que esperas de mim e eu espero de você, formam o outro alicerce primário da edificação do diálogo. Muitas vezes, em abordagens imaturas, esse princípio representa uma barreira de comunicação, devido ao receio de ser julgado por dispor a outros responsabilidades que no fundo podem gerar desconforto e desidentificação, deixando com que tais expectativas se mantenham na dimensão implícita e oculta, sendo assim a gênese de conflitos disfuncionais e confrontos. Diga-se de passagem, conflitos são produtivos e funcionais em indivíduos maduros. Se lançamos mão do diálogo sincero, deveras descobrimos as sobreposições e proximidades, ou a distância entre as ideias e os paradigmas; nos deparamos com a realidade concreta, caixa preta muitas vezes ocultada e deixada de lado, gerando os tabus de comunicação que apequenam a vida.

A origem da palavra sincera, do latim, significa “sem cera”, ou seja, sem maquiagem, sem máscara. A referida cera significa a personalidade, o personagem que escarnamos no palco social da vida em busca de enquadramento, validação, reconhecimento e projeção. O diálogo sincero se desprende da persona e migra ao caráter e ao coração, assim gerando marca de percepção e inquisição da confiança e humanidade. Empatia genuína não provém da mente, pois ela automaticamente tende a realizar julgamentos. Sim provém da essência, do coração. Cooperação e interconfiança partem da integridade e das intenções positivas perante o propósito comum; da expressão clara de nossos sentimentos, desejos e necessidades perante estes, o alinhamento entre o que sentimos e pensamos com a forma como agimos.

Na época do homo sapiens primordial, dentro da sua caverna, este primitivo, que já dominava o fogo, quando estava assando sua caça, ao se deparam com outro indivíduo desconhecido adentrando “seu” espaço, necessitava rapidamente concluir: “este veio me exterminar e roubar meu alimento, ou veio com a intensão de agregar sua caça e partilhar? ”. Esta necessidade e capacidade de percepção foi vital na evolução humana. Desafortunadamente, até hoje, parte dos indivíduos adentram nossas cavernas com intensões perversas, por isso, partimos do princípio da desconfiança, e a confiança deve ser conquistada, não clamada. A Inter confiança moderna se depara, além da preservação da vida e da “caça”, com a proteção da nossa identidade e ego.

A humanidade necessita mais do que nunca da sobreposição desta crença ou fato limitante. Quando indivíduos ou organizações com propósitos comuns e competências complementares se conectam em cooperação, oportunizamos criar e dispor de soluções integradas que com uma abordagem mais ampla e holística perante os anseios da sociedade e do público, gerando maior capacidade de expandir o espectro de análise e tratativas perante os elementos interligados de um mesmo sistema, gerando maior nível de valor pela capacidade de desenlace perante questões que os mesmos sozinhos não o alcançariam. Organizações independentes, ao se tornarem interdependentes, se possibilitam sim a revolução. Este processo de cooperação e sinergia sobrevém da Inter confiança, precedida pela marca de integridade e ética das organizações, feitas pelos seus indivíduos, logo, de agentes com perícia a conduzir a negociação ganha-ganha e empática. Você guarda meus diamantes, enquanto eu guardo os seus? O intrépido revolucionário necessita de coragem e honra!

Os tabus de comunicação se definem como os temas nos quais necessitamos muita ousadia para se dizer o essencial. Esses assuntos geralmente representam as raízes das problemáticas, que tocam em pontos sensíveis relativos à moralidade e atitudes que pessoas tomam baseadas em baixa Inter confiança, conflitos e confrontos mau resolvidos, ou medo de ocasioná-los; ademais, egos, vaidades, rancores, ou até mesmo o medo de transcender e se deparar com suas próprias sombras. Assim, ficamos tratando as superfícies e as arestas, ignorando e ocultando o que realmente é profundo e importante. Preferimos viver em devaneios ou ilusões do que nos depararmos e tratarmos com a realidade. A consciência dessas toxidades ocultas são o primeiro passo para curá-las. Um clássico tabu de comunicação em organizações é: “porque fulano não se comunica e coopera com ciclano? ”. O líder que se omite de colocar as cartas na mesa e estabelecer a comunicação autêntica, neste caso, através do estilo afiliativo, está enganando a si mesmo e a organização. Em vez disso, a atmosfera se contamina com ruídos e indiretas confusas que se dissipam com o vento.

O papel da liderança, neste caso, é promover a reunião (unir de novo), através de uma abordagem de diálogo sob estilo afiliativo, pois isto está dentro do círculo de influência do tutor; do contrário, é omissão, que paga o preço de uma jornada com marcas de desatino, e uma equipe com sinais de cisão contra cultural e producente. Para tal abordagem, necessita-se a autoridade do líder, sob a posição de integridade de ele mesmo não se encontrar em condição de tabus de comunicação com cisões interpessoais, para que os liderados assim não o pensem “você se diz ferreiro, mas assa com espeto de pau”.

O diálogo sincero e bem-intencionado baseado em retórica é um valor absoluto na organização sistêmica inteligente. A alegação de ingerência, “isso não é do seu departamento”, é outra forma de tabu de comunicação covarde, uma “muleta”, abordagem absolutamente reducionista que visa ocultar a incapacidade de retórica, afiliativa e de estimular visão de processo e pertencimento. Departamentos são elementos inter-relacionados com o mesmo propósito: conduzir a organização a atender as necessidades e desejos do público-alvo. Quem não enxerga dessa forma está trabalhando para si, não para o propósito.

Um dos pontos mais importantes na comunicação humana é de que o ângulo de percepção que temos de nós mesmo e dos outros é distinto, invertido. Em nós, conhecemos as intenções, mas não temos clareza de como nossas ações são percebidas pelos outros, se estão em sincronia com os intentos. “Essa não era minha intenção”. Do contrário, nos outros, percebemos claramente as ações, porém, de forma limitada as reais intenções. Portanto, as inferências são geralmente errôneas, e por este princípio se reforça a valia da cultura de comunicação autêntica. Quanto mais explícitos temos a possibilidade de ser, tampouco necessitamos inferir o que há por trás das palavras, e mais confiança e produtividade é gerado na relação. Quanto mais implícito, maior a margem de insegurança perante a tendência que existe nas pessoas de inferir intensões perversas no outro. Como comentado anteriormente, o ponto de partida é a desconfiança, até a conquista da confiança, que somente se obtêm de forma plena através da integridade.

(*) Gustavo Velasquez da Veiga - Engenheiro Agrônomo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, possui MBA em Gestão Comercial pela FGV e MBA em Gestão de Negócios pela ESALQ/USP. Desenvolveu sua carreira no setor de horticultura com relevante êxito nos elos de Distribuição, Representação Comercial, e atua na área de Marketing Estratégico. Gerente de Produtos e Coordenador Global de Produtos em uma multinacional japonesa do mercado de sementes de hortaliças. Há muito, um pensador e estudioso fascinado pela área comercial e as interações humanas que compõem as organizações e sua interação com o universo.

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