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Por quais motivos ainda existe reatividade por parte empresas familiares em relação a implementação de programa de Compliance?


* Dra. Patricia Punder e Dra. Marcela Argollo

O termo Compliance ganhou notoriedade no Brasil com a implementação da Lei anticorrupção e a operação Lava Jato. Até então era um termo desconhecido para a grande maioria das empresas nacionais e familiares. Com a chegada da necessidade de implementação de programa de Compliance efetivo vieram as primeiras reações negativas, como por exemplo, este programa seria aplicado apenas para multinacionais ou grandes empresas nacionais com ações na bolsa de valores.

Além disso, também surgiram as reações de cunho totalmente emocional, tais como, medo de perder o poder centralizado no proprietário, negação as mudanças nos controles internos, pois sempre tudo foi feito do mesmo modo desde a fundação, e gastos em algo que nunca dará certo em empresas deste modelo de negócios.

Consequentemente, surgiu e continua ainda a crença limitante enraizada de que Compliance é burocrático e engessa o dia a dia dos negócios e das empresas. No entanto, ter um programa de Compliance significa dar maior transparência para os colaboradores e sociedade em geral em relação aos processos internos da empresa e tal fato assusta as empresas familiares, uma vez que muitas são acostumadas a confundir o dinheiro da empresa com o dinheiro da família.

Então, voltamos ao questionamento: por que será que esta afirmação é recorrente em empresas familiares?

Porque nós brasileiros, temos uma cultura mais voltada para o individualismo. Se eu e minha família estamos bem, não me importa o mundo ao redor. Ainda estamos anos luz de uma sociedade colaborativa e solidária, como são muito dos países nórdicos. Ressalto que não temos ainda uma cultura empreendedora – de execução, como possuem os americanos por exemplo, consequentemente não realizamos planejamento estratégico ou gestão dos negócios. Se perguntarmos a um americano se ele/ela prefere ser empregado ou dono do seu próprio negócio, a resposta será muito assertiva: ser dono(a) do próprio negócio. Isto faz parte da cultura americana denominada de “self made man”.

Infelizmente, muitas empresas familiares ainda creditam que para conduzir as decisões e rotinas da organização pode-se continuar utilizando aquele jeitinho brasileiro de ser que conhecemos bem. Afinal, se algo acontecer, muitas vezes escutamos que o fundador tem amizade com pessoas influentes, principalmente agentes públicos e políticos, portanto, são quase que “intocáveis”

Os brasileiros que se aventuram em empreender ou até em seguir com o legado da família, no momento que o negócio cresce, acabam sendo de forma um pouco desordenada e em certo momento perde-se a gestão e visão de futuro, pois o dia-a-dia é consumido sem planejamento, políticas, processos e controles pré-estabelecidos.
Já falando em rotina, esse é um dos maiores segredos para algo dar certo. Na vida, quando temos rotina, disciplina e constância, conseguimos tudo o que quisermos! E esse é um ponto ainda a ser desenvolvido dentro da cultura brasileira. Isso porque a rotinas vem com bons hábitos, sendo eles tão difíceis de se estabelecer, pois o preço a se pagar é imediato, porém a recompensa é a longo prazo.

De acordo com o IBGE, cerca de 90% das empresas no Brasil possuem um perfil familiar. Empresas estas que foram formadas em um contexto econômico diferente da qual vivemos atualmente, com uma concorrência não tão acirrada, cenário mais estável e previsível, com mudanças não tão constantes, acesso limitado a informações, inovações e por aí vai.

No cenário de mudança de geração, a organização acaba tendo dificuldades em dar um próximo passo, a tão sonhada venda ou até o IPO. Com o aumento de volume das operações, a complexidade da gestão também cresce, e neste momento é imprescindível que a liderança das empresas familiares comece a pensar em profissionalização e governança corporativa, o que não significa a substituição de membros da família, mas sim a conscientização e mudança de “mindset” para que haja um aprimoramento contínuo dos processos internos.

Porém, para que se haja essa melhoria, é necessária implementação de uma série de ações como: constituição de um conselho de governança, elaboração de um código de conduta, treinamentos e implementação de processos e controles, dando assim a alta gestão uma falsa percepção de engessamento da empresa. Com isso vem a frase: “Não consigo mais fazer nada na minha empresa porque o Compliance não deixa.”

Para conseguirmos olhar essa dor ou percepção errônea, precisamos pensar na causa raiz dela, que na minha ótica é e sempre será o ser humano e suas condutas! A cultura brasileira não fomenta o profissionalismo e ética como base e alicerce das nossas ações. É necessário se entender que para tudo temos direitos e deveres. Tristemente, chegamos a um ponto na sociedade onde todos querem direitos, mas ninguém quer arcar com as responsabilidades.

Para se ter uma empresa próspera é imprescindível definir a missão, visão e valores da empresa. Somente uma empresa que caminha de acordo com seus valores poderá atingir sua visão de futuro de forma íntegra e sem atalhos. Pode-se fazer uma analogia com uma plantação, pois para que se consiga colher bons frutos, é imprescindível que o plantio seja feito no momento adequado, de forma correta e com boa irrigação. Claro que como todo o plantio, existe um tempo para que se possa colher os bons frutos.

Apesar do disposto no parágrafo acima, as empresas ainda tem o costume de querer colher com afinco e rapidez, antes que todo o processo de maturação da plantação da colheita ocorra. Ou então, se esquecem que todas as plantas devem ser irrigadas constantemente e cuidar das pragas (que nas empresas pode ser uma cultura toxica de assédio moral/sexual, corrupção, lavagem de dinheiro, dentre outras existentes).

Em analogia com uma empresa, para que ela venha a prosperar no mercado é necessário primeiro pensar na sua estruturação. E para que esta estruturação ocorra, precisamos trabalhar na mudança de pensamento da liderança. Mostrando, portanto, que o caminho a ser seguido pode ser aos primeiros olhos mais árduo, porém será o que lá na frente irá fornecer os frutos esperados. Portanto para que você consiga ter uma empresa próspera e lucrativa, você precisa pensar e agir com profissionalismo e excelência! Sabendo que apesar de parecer um pouco complexo no início, a estruturação de um programa de Compliance será a única solução para que uma empresa familiar continue a prosperar por muitos anos.

  • Patricia Punder, advogada é compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.
    Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil).

 

  • Marcela Argollo, profissional com vasta experiência em organizações de grande porte como Odebrecht, Ernst & Young e Motorola, que vivenciou projetos corporativos nas áreas de governança, planejamento, auditoria e Compliance.
    Head do programa de Compliance na Leo Learning, professora de Compliance e Liderança na FGV, coordenadora do EAD da Brain School, professora convidada de Compliance do INSPER e CEDIN, consultora e palestrante.
    Formação em Administração de empresas e Ciências Contábeis. MBA Finanças pela FGV, Pós em Compliance pela USP e ESG pelo CFI (Corporate Finance Institute).
    Membro do CWC.

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