Verga mas não quebra
Por Luis Otavio Leal*
Após as manifestações do Dia da
Independência, a frase que sintetiza a situação política brasileira no curto
prazo vem de um provérbio africano: “Árvore que verga o vento não quebra”.
Portanto, vamos fazer uma incursão no terreno pantanoso da análise política,
tentando entender quais as implicações das manifestações de 7 de setembro sobre
o cenário econômico brasileiro.
Se estivéssemos assistindo a uma luta de
boxe, poderíamos dizer que o saldo das manifestações foi um “empate técnico”.
Ou seja, se por um lado Jair Bolsonaro conseguiu a foto desejada – milhares de
pessoas na rua apoiando seu Governo –, por outro, o número de manifestantes não
pode ser considerado suficiente para dar respaldo a qualquer movimento “fora
das quatro linhas da Constituição”. Acrescente-se a isso o fato de não ter
ocorrido nenhum dos cenários mais adversos, como invasões de prédios públicos
e/ou conflitos entre manifestantes pró e contra Bolsonaro, e chegamos ao nosso
veredito final: por enquanto, a democracia por aqui “vergou, mas não quebrou”.
Mas quais as consequências disso daqui para frente?
Apesar de não ter havido nenhuma ruptura
da ordem institucional, não dá para deixar de admitir que a situação política
está mais tensionada neste momento. As declarações de Bolsonaro, tanto em
Brasília quanto, principalmente, em São Paulo, aumentaram o clima beligerante
entre o presidente e o STF. Sem dúvida, frases do tipo “Ou o chefe desse Poder
enquadra o seu ou esse Poder vai sofrer aquilo que não queremos”, ou “Qualquer
decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá”,
foram mais um passo no movimento de esticar a corda, que parece ser o nome do
jogo dos dois lados da Praça dos Três Poderes.
O discurso de Bolsonaro em 7 de setembro
lançou um claro desafio ao STF, que provavelmente deve reagir intensificando as
prisões e as diligências contra pessoas próximas do presidente, sob pena de
perder autoridade. A fala do presidente da corte, Luiz Fux, no dia seguinte, deu
o tom ao afirmar que, “se desprezo a decisões judiciais é iniciativa de chefe
de poder, configura crime de responsabilidade”, ou que “ninguém, ninguém,
fechará esta corte”. Portanto, a sensação é de que a única forma de não haver
um choque entre os “dois carros” seria a intervenção de um terceiro ator,
podendo ser a classe política, caracterizada, ou não, na figura do
Congresso.
Mas como se daria esse apaziguamento? A
resposta pode ter vindo de onde menos se esperava. Uma reunião entre o
ex-presidente Michel Temer e Bolsonaro resultou em uma nota oficial que parece
ser o primeiro passo para a redução da temperatura entre os poderes. Por
enquanto, um dos carros aparenta ter desviado. Como a probabilidade de ruptura
ainda não é a predominante em qualquer análise e, esse apaziguamento ainda
deverá se provar duradouro ou não, temos que pensar qual o impacto de um
cenário de estresse permanente sobre as perspectivas para a economia
brasileira.
O ponto de contato mais importante entre
a crise política e a economia se dá, tanto através das pesquisas de opinião a
respeito do governo de Jair Bolsonaro, quanto das que medem as chances de
reeleição do incumbente. Quanto pior for o desempenho do presidente em ambas,
maior será a tendência de tomar medidas populistas para reverter o seu
desempenho ruim. Isso nos leva à questão fiscal e à discussão do Orçamento de
2022.
A inflação mais alta esperada para o
final de 2021, por vários fatores, entre eles a Crise Hídrica, está reduzindo o
espaço adicional que havia no Teto dos Gastos para acomodar, entre outras
demandas, um Bolsa Família “turbinado”. A essa questão se soma o problema dos
precatórios, que agrava ainda mais a situação. Enquanto isso, o orçamento
enviado pelo Governo ao Congresso na semana passada não direciona a solução de
nenhum desses problemas, até por limitações legais, fazendo com que a PEC dos
precatórios seja o ponto-chave para desarmar esse “nó górdio” fiscal. O
problema é que o texto pautado na Câmara não foi bem aceito pelo mercado, e, a
solução via acordo na justiça, conhecida como “Fux-Dantas”, pelos seus
idealizadores serem os ministros do STF, Luiz Fux, e do TCU, Bruno Dantas,
perdeu força após a escalada da tensão entre Bolsonaro e o Supremo.
Portanto, a conjunção de um Governo
enfraquecido pelo embate com o judiciário e a necessidade de aumentar os gastos
em um ano eleitoral, pode abrir espaço para soluções criativas para desatar o
tal “nó górdio” fiscal, o que também não deve ser bem aceito pelo mercado,
ampliando o prêmio de risco embutido nos ativos brasileiros. Uma nova PEC
protocolada na quinta-feira (09/09) pelo vice-presidente da Câmara, Deputado
Marcelo Ramos (PL/AM), acendeu uma luz no fim do túnel ao propor a retirada dos
precatórios da conta do Teto em 2016, recalculando-o desde então. Essa
proposta, além de eliminar a discussão sobre o calote do pagamento, abriria
espaço ao redor de R$ 20 bilhões no Teto para acomodar as demandas de novos
gastos, como a do Auxílio Brasil.
Como as incertezas fiscais se refletem
tanto em um câmbio mais desvalorizado quanto em taxas de juros de mercado mais
elevadas, mantendo a política monetária pressionada e a contratação de crédito
mais cara, reduzindo as perspectivas de crescimento da economia brasileira, o
círculo vicioso se fecha com a piora na sensação de bem-estar econômico. Como
esta considerada uma variável-chave para a chance de qualquer presidente
candidato à reeleição, voltamos às medidas populistas para alavancar a chances
de Bolsonaro no pleito de 2022.
Se colocarmos no meio dessa confusão a
questão da Crise Hídrica podemos dizer que estamos em meio a uma “tempestade
perfeita”, em que os problemas políticos, institucionais e econômicos se
retroalimentam. As próximas semanas, portanto, podem ser decisivas para vermos
se a “nossa” árvore vai continuar vergando à força do vento ou acabará
sucumbindo às forças da natureza.
*Luis Otavio Leal é economista-chefe do
Banco Alfa
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