Produção fonográfica para desenvolvedores de jogos
Nichollas Alem
No
ramo audiovisual, é muito comum que produtoras façam encomendas de trilhas
sonoras inéditas. Nestes casos, elas viram as “proprietárias” das músicas, ou
em termos técnicos, as titulares dos direitos patrimoniais de autor sobre
as obras musicais. O que muitas produtoras não sabem é que elas também têm (ou
podem ter) direitos sobre os fonogramas (as gravações). Isso é muito relevante
porque quando as músicas (composições) e os fonogramas (gravações) tocam em
rádios, no cinema, no YouTube, no Spotify e outros tantos lugares, elas geram
uma retribuição para os seus titulares. Explicando melhor, as músicas e as
gravações geram dois tipos de remuneração para seus “donos”. Isso significa
que, se uma produtora audiovisual se esquece de regularizar sua titularidade sobre
uma gravação, ela está deixando de ganhar pela execução da música ao redor do
mundo.
Foi
tratando desse assunto que meu sócio, Ivan Sales, bem lembrou que
talvez muitos desenvolvedores de jogos não saibam desse mesmo assunto e
estejam deixando de receber os pagamentos pela execução das trilhas de games.
Assim, resolvi escrever esse breve artigo para explicar um pouco melhor a
situação.
No
Direito Autoral brasileiro, o produtor fonográfico é titular de direitos conexos sobre
os fonogramas (as gravações musicais) que produzir. Os direitos conexos são
muito semelhantes aos direitos autorais, de modo que alguém só pode usar aquela
determinada gravação mediante autorização do seu titular. Esse titular, por sua
vez, vai optar por autorizar ou não aquele aproveitamento e em que condições
(pago ou não, por quanto tempo, em que território etc.). A empresa de desenvolvimento de
jogos, ao assumir todos os custos e riscos da produção do jogo,
“faz as vezes” de produtor fonográfico. Afinal, é ela que também toma a
iniciativa, custeia, e se responsabiliza (em última instância) pela trilha que
irá integrar o jogo.
Porém, ser uma empresa de
desenvolvimento de jogos não significa que, automaticamente, esta receberá uma
remuneração quando a trilha de seu jogo tocar por aí. Deve-se
tomar ao menos três cuidados:
Em
primeiro lugar, quando o desenvolvedor de jogos contrata uma trilha
sonora, precisa ter muita atenção no contrato para ter certeza de que a
“propriedade” sobre aquelas composições e gravações estão sendo transferidas
para ele, ou no mínimo, licenciadas (autorizadas) pelo prestador de serviços.
No Brasil, a transferência de direitos autorais e conexos é sempre por escrito
e deve ser expressa. Isso significa que o “mero pagamento” do valor dos
serviços não implica na pronta transferência de direitos.
Em
segundo lugar, todo o sistema de pagamentos no mercado da música está atrelado
ao chamado ISRC (abreviação de International Standard Recording Code).
Esse código é adotado no mundo e serve justamente para identificar gravações.
Normalmente, quem gera o ISRC é o próprio produtor fonográfico e, durante este
cadastro, são incluídas informações sobre os participantes daquela gravação.
Isso é muito importante, porque a empresa desenvolvedora deve constar aqui como
produtora fonográfica. Do contrário, não poderá ser identificada para receber
os pagamentos.
Finalmente, é
importante que a empresa desenvolvedora saiba que o setor da música também
se organizou com uma série de intermediários que atuam na gestão e
licenciamento de direitos (como funcionam com as editoras de games, por
exemplo). Assim, vale pesquisar os serviços prestados por agregadoras digitais,
que fazem o trabalho de recolhimento de direitos junto às plataformas e os
devidos pagamentos para os titulares.
Nichollas Alem é fundador e presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes. Advogado atuante nas áreas de Direito do Entretenimento e Direito da Inovação Tecnológica. Mestre em Direito Econômico pela USP. Consultor da UNESCO em equipamentos culturais. Membro da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual.
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