Brasileiros não confiam nas instituições e estão preocupados com a inflação, revela pesquisa aplicada pelo Instituto Sivis
Terceira onda da pesquisa "Valores em
Crise" investigou se a pandemia está influenciando ou não um processo de
mudança cultural no país
Pesquisa idealizada pela World Values
Survey Association e aplicada no Brasil pelo Instituto Sivis, em parceria com o
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), revelou
que a maioria dos brasileiros não confia nas instituições ou em desconhecidos e
que o aumento da inflação vem gerando preocupação. A pesquisa, “Valores em
Crise - Terceira onda 2021”, parte da premissa de que as pessoas possuem
valores morais que determinam como elas julgam situações e outras pessoas, e,
portanto, como elas se comportam em diferentes contextos sociais em tempos de
crise.
O estudo investigou se a pandemia de
COVID-19 vem influenciando ou não no processo de mudança cultural no Brasil, a
partir da transformação de valores sociais e políticos. “Investigamos como a
percepção dos entrevistados sobre diversos temas de cultura política (como
confiança, solidariedade, apoio à democracia, etc.) tem sido transformada pela
experiência com a crise pandêmica; para tanto, foi implementado um estudo
de painel longitudinal a fim de examinar as mesmas pessoas nas diferentes
etapas da pandemia do coronavírus no Brasil”, comenta Diego Moraes, pesquisador
do Instituto Sivis, mestre e doutor em Política Científica e Tecnológica e
responsável no Instituto pela execução de pesquisas voltadas para o
fortalecimento da democracia e da cultura política.
Ao todo, foram obtidas respostas de
1.301 pessoas que também responderam à primeira e à segunda onda da pesquisa em
maio e junho de 2020 e em janeiro e fevereiro de 2021, respectivamente. De
acordo com Moraes, “como na segunda onda tivemos um total de 1.929 respondentes,
houve uma taxa de retenção de cerca de 67% entre a segunda e a terceira onda, o
que é considerado razoável dado o intervalo de sete meses entre as aplicações
da pesquisa”.
Resultados obtidos pela terceira fase da
pesquisa Valores em Crise
Os resultados obtidos após a aplicação
da primeira e da segunda fase da pesquisa indicaram que, na terceira onda, 26%
da população está totalmente de acordo quanto à possibilidade de o governo
tomar decisões que passem por cima das leis ou instituições vigentes
com o objetivo de resolver e/ou melhorar a vida da população. Em contrapartida,
durante o mesmo período, apenas 20,9% da população discorda totalmente de tais
ações autocráticas.
Contudo, cabe salientar, também foi
identificado um aumento no percentual de indivíduos que rejeitam totalmente a
possibilidade de relativizar a democracia em relação ao observado na Onda 2 da
pesquisa (de 17,1% na segunda onda para 20,9% terceira). “Isto significa
que, quando o país começa a se recuperar da crise do Coronavírus, os indivíduos
voltam se tornar mais aderentes ao regime democrático. Embora esta seja uma boa
notícia, os dados do nosso painel evidenciaram a superficialidade das raízes
democráticas no coração dos brasileiros, que diante de situações difíceis flertam
muito facilmente com alternativas não-democráticas.”, complementa o pesquisador
do Instituto Sivis.
A pesquisa também apontou que “manter a
ordem da nação” deixou de ser prioridade máxima para os brasileiros, com uma
queda de 40,1% para 36,4%. Porém, "Combater a inflação” se tornou a
prioridade entre os entrevistados, com um aumento significativo de 29,1% para
37,8%.
Comportamento na pandemia
Comparando os resultados das pesquisas
anteriores à terceira onda, que aborda experiências com a pandemia e possíveis
impactos de valores, atitudes e comportamento sociopolíticos, 70% das
respondentes avaliam negativamente o comportamento da população durante a
pandemia, alegando que a “maioria se comporta de maneira inadequada ou muito
inadequada”.
Confiança
Em relação à confiança, o estudo mostrou
que a grande maioria das pessoas não confia nas instituições ou em
desconhecidos. Enquanto apenas 7,8% dos respondentes disseram ter “muita
confiança” nas instituições, 14,5% revelaram não sentir nenhuma. Em relação à confiança
no governo, 11,5% dos entrevistados disseram ter muita confiança, enquanto 37%
demonstram não ter nenhuma confiança.
Quando questionados sobre as mídias,
embora entre as ondas 1 e 2 tenha havido um leve crescimento na proporção
daqueles que acreditam que as mídias tradicionais são mais dignas de confiança,
e uma consequente queda daqueles que acreditam serem as mídias sociais mais
confiáveis, na onda 3 caiu a confiança nas mídias tradicionais e se estabilizou
a confiança nas mídias sociais, ao passo que cresceu a visão de que ambas são
igualmente confiáveis (de 48,7% para 53,7%).
Recuperação democrática com o controle
da pandemia
Dentro da pesquisa existem subdivisões
de democratas: os “democratas formais”, “democratas sólidos" e “democratas
instrumentais” onde, respectivamente, um grupo diz que, apesar de ter alguns
problemas, a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo, o outro
discorda totalmente que o governo passe por cima das leis quando há uma
situação de crise, enquanto o último grupo concorda em partes ou completamente
das medidas citadas.
Dada essa informação, durante o estudo
foi identificado que houve uma queda na proporção de democratas formais entre
as ondas 1 e 2 (de 29,4% para 22,9%), mas ocorreu também uma retomada entre as
ondas 2 e 3 (de 22,9% para 31%), com a respectiva queda dos democratas
instrumentais, o que corrobora a ideia de recuperação democrática com o
controle da pandemia.
Quando a terceira onda da pesquisa
“Valores em Crise” se refere à “avaliação do governo no enfrentamento da
pandemia”, ainda que seja evidente que a proporção da população que avalia o
governo negativamente é significativamente maior, não deixa de ter acontecido
um crescimento da avaliação positiva, o que pode resultar em um indício de retomada
da credibilidade do governo na medida em que os efeitos sanitários da pandemia
vão se atenuando.
“O percentual de indivíduos que avalia o
governo muito bem ou bem passou de 23,8% na primeira onda para 23,5% na segunda
até alcançar 26,1% na terceira. Do outro lado, a avaliação negativa aparece
mais estabilizada e com tendências de queda, de 57,7% para 57,4% e, finalmente,
55,7%”, explica Moraes, do Instituto Sivis.
Outro dado interessante da pesquisa
aplicada pelo Instituto Sivis é que as pessoas acreditam que o país sairá
gravemente prejudicado pela pandemia. Dos entrevistados, 56,6% acreditam que o
país sairá muito prejudicado, enquanto 16,1% acreditam que o país será
fortalecido.
Os resultados das três ondas mostram que
a rejeição total à relativização da democracia teve uma retomada na terceira
onda da pesquisa (de 17,1% para 20,9%), embora tenha recuado na anterior. Do
outro lado, os que aceitam relativizar a democracia em alguma medida ainda
alcançam quase 80% da amostra, sendo que 1 em cada 4 respondentes concorda
totalmente com a ideia de que é válido que o governo passe por cima das leis,
do Congresso ou das instituições para sanar uma crise.
É notável que a pandemia de COVID-19 vem
se mostrando, para a sociedade e a democracia do país, um cenário não muito
animador. Com a pesquisa ‘Valores em Crise’, é pretendido entender como
encontrar caminhos alternativos para fortalecer a democracia e os dados
resultantes serão fundamentais para nortear este caminho.
“Grande parte dos desafios para o desenvolvimento
do Brasil passa pela nossa frágil cultura política, com baixos níveis de
confiança e limitada apreciação dos valores democráticos. Esta pesquisa
procurou evidenciar como este fenômeno tão excepcional da pandemia de Covid-19
estaria moldando nossa cultura e nossos valores para, posteriormente, entender
possíveis oportunidades para o fortalecimento da nossa cultura democrática a
partir dos obstáculos colocados pela crise”, explica o pesquisador Diego
Moraes, do Instituto Sivis.
Embora, em um primeiro momento, a
pandemia possa ter fomentado algumas forças de capital social, parece que o
contexto político altamente conturbado no país está minando qualquer
oportunidade de se valer desta situação para avançar nossa democracia. Para
conferir a pesquisa completa “Valores em Crise - Terceira onda 2021”, acesse www.sivis.org.br.
Evento virtual lança dossiê de artigos
pela Revista da USP
No próximo dia 13 de dezembro, a partir
das 09h, o Instituto Sivis irá realizar um evento virtual de lançamento de um
dossiê de artigos pela Revista da USP. O dossiê reuniu alguns dos principais
pesquisadores em estudos da democracia no Brasil e explorou os dados coletados
nas duas primeiras ondas da pesquisa “Valores em Crise”, realizada pelo
Instituto, em parceria com o Grupo de Pesquisa da Qualidade da Democracia do
IEA/USP. A abertura do seminário será realizada por Diego Moraes, do Instituto
Sivis, e José Alves Moisés, do IEA/USP.
O evento irá apresentar e explorar entre
os participantes uma série de temas fundamentais para compreender as forças e
as fragilidades da democracia no contexto da crise do Coronavírus, com uma
perspectiva de valores políticos e morais. O evento virtual é gratuito e para
participar não é necessário realizar inscrição, basta acessar o link http://www.iea.usp.br/aovivo.
Os interessados podem obter mais
informações sobre o evento em: http://www.iea.usp.br/eventos/cultura-politica-valores-morais-e-democracia-no-brasil-impactos-da-pandemia-do-coronavirus
Sobre o Instituto Sivis
O Instituto Sivis, criado em 2011, é uma organização sem fins lucrativos e apartidária que trabalha por um Brasil mais colaborativo, honesto e democrático. O Instituto tem como objetivo encontrar as causas raízes dos problemas relacionados à cultura democrática brasileira. Para isso, realiza pesquisas e experimentos que evidenciam o que precisa ser mudado para, então, ativar uma poderosa rede de pessoas e instituições com influência para provocar as mudanças necessárias na nossa cultura democrática.
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