Os Desafios do Diálogo Ciência e Sociedade
*Fernando Barros
A relevância dos avanços do conhecimento científico produzido não
tem data de validade. Mas, o mesmo não se pode dizer da capacidade do saber
acumulado de influenciar e orientar a qualidade dos processos de transformação
na sociedade, ou dos futuros que juntos podemos construir.
Este é o foco central da agenda do Instituto Fórum do Futuro para
2022: aproximar da cidadania as tecnologias e a portentosa sapiência já
existentes.
São mais de 50 anos de investimentos em pesquisa. Tecnologia e
Inovação, que constituíram as bases da Bioeconomia Tropical Sustentável, sem as
quais o Brasil não conseguirá enfrentar a possante agenda colocada pelos
desafios do Século XXI.
Parece simples e deveria sê-lo. Mas, num ambiente de colapso da
verdade, de batalha existencial em que estamos metidos, a primeira vítima é o
óbvio. Transferir o conhecimento instalado para o usufruto da cidadania
encontra barreiras de toda sorte: institucionais e legais; preconceitos e
imagens consolidadas a respeito de quem produz alimentos; diagnósticos
infundados e leituras ideológicas; etc...
Por quê tanta resistência na sociedade em incorporar ao processo
decisório a estupenda contribuição que os cientistas brasileiros e suas
instituições desenvolveram em benefício da humanidade?
Por quê mais de 50% das tecnologias e dos conhecimentos que
promovem o desenvolvimento sustentável ainda estão ainda represados na
academia, sem conseguir chegar aos atores que fazem a roda girar?
Por quê não conseguimos superar essa receita pronta de
subdesenvolvimento que coloca em Plataformas tão diferentes o Estado, as
empresas, os produtores, as ONGs, o Ministério Público, os órgãos de controle e
o saber científico e tecnológico?
Como municiar esse debate injetando o indispensável capital
de confiança capaz de unir todos os agentes numa perspectiva única, em torno da
mais patente evidência: é possível construir um modelo de desenvolvimento para
a Amazônia e para os amazônidas. sem desmatar e produzindo riqueza e qualidade
de vida para os envolvidos.
É possível transformar a região no maior celeiro de produtos
naturais do mundo, gerando renda, emprego, pertencimento, transformando
empresas e produtores em agentes proativos do processo sustentável pleno.
O Professor Alysson Paolinelli acredita que para atravessar esse
abismo é preciso em primeiro lugar besuntar essa proposta de diálogo com
uma boa dose de humildade. “No fundo, trata-se de redirecionar modelos que de
uma forma ou de outra sempre resultaram na exclusão social, tecnológica e
econômica dos povos tropicais”, diz ele. E acrescenta: “a conta ambiental
que todos estamos pagando é fundamentalmente produto de um processo estruturado
de produção da desigualdade: o que os povos tropicais demandam é uma fatia
digna da divisão internacional do trabalho, para poder entregar comida no
volume e na qualidade que o mundo precisa”.
Para Alysson Paolinelli, “A Bioeconomia Tropical é o único espaço
da economia global no qual os Povos |Tropicais podem competir e assim prestar
um inestimável serviço à humanidade – estamos falando na verdade do
destino do Planeta e de 40% da sua população”.
No entanto, acrescenta o Professor, ainda estamos metidos num
inexplicável debate sobre a legitimidade da produção de alimentos nos trópicos,
“como se fosse um crime combater a fome”. Não se discute os pressupostos da
sustentabilidade, da qualidade dos alimentos, do enfrentamento das mudanças
climáticas – muitos passos dessa jornada já são possíveis com o conhecimento
disponível guardado em prateleiras.
Porém, apesar dos enormes avanços proporcionados pelo Projeto
Biomas Tropicais, com o início da implantação do Polo Demonstrativo Amazônia 1,
temos diante de nós um portentoso cardápio de desafios, todos relacionados aos
novos paradigmas impostos pela colaboração em rede e pela compreensão dos novos
papeis.
Alcançar o Terceiro Grande Salto (+alimentos e +
sustentabilidade) Não é simples, nem fácil, propor um modelo de
comunicação capaz de harmonizar o Projeto Biomas e a contribuição de todos os
seus atores.
Para o coordenador científico do Fórum do Futuro e Presidente do
CNPQ. Evaldo Vilela, os pontos de partida desse nivelamento são três:
1)O Instituto Fórum do Futuro não concorre com as instituições que
produzem conhecimento;
2)Suas missões principais são duas:
a)Promover a sistematização e a aterrissagem do estado da arte do
conhecimento existente na realidade social, econômica e ambiental dos Polos
Demonstrativos do Projeto;
b)Contribuir para o protagonismo da visão científica nos processos
decisórios da sociedade, estimulando o diálogo entre Ciência e
Cidadania.
Este texto visa principalmente instruir o debate, buscar há
história do Fórum do Futuro os exemplos e tentativas de harmonização já
empreendidos; analisar onde erramos; e, muito particularmente, provocar uma
reflexão consequencial sobre como inserir a juventude na construção comum dessa
nova narrativa.
CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA
As missões dadas já são por demais ambiciosas. É preciso focar nas
entregas sinalizadas para avançar na harmonização interna; com os
stakeholders; e e junto a parceiros acostumados a posicionar o setor de
alimentos na condição de adversários. Focar e Planejar...
ALINHAMENTO DE PROPÓSITOS
Ao processar o conceito de Projetos de Desenvolvimento Sustentável
de Base Científica, o Projeto Biomas Tropicais criou uma vinculação
institucional e metodológica com as principais instituições produtoras de
conhecimento da Bioeconomia brasileira. Portanto, trata-se de uma oportunidade
inédita de alinhar interesses empresariais fundamentados na sustentabilidade
com o capital de confiança inicial que a arquitetura institucional do projeto
porta. Como sabemos, a única possibilidade de viabilização deste projeto é a
parceria com a iniciativa privada e com instituições de fomento, em especial as
internacionais. Trata-se de uma chance histórica de reposicionar a imagem
projetada pelas economias situadas nos Biomas tropicais: de fonte de problemas
para a condição de fornecedores de soluções sustentáveis
ATITUDES, URGÊNCIA E VELOCIDADES – A materialização na sociedade
do produto do conhecimento científico deve ser encarada agregando o caráter de
urgência. O trâmite normal dos procedimentos acadêmicos não dialoga com o grau
de deterioração da imagem do Brasil na cena internacional, nem tampouco com a
invisibilidade (interna e externa) do potencial de soluções que a academia
tropical tem para oferecer.
Um dos mais considerados autores do campo da comunicação
empresarial, Steve Dennings, articulista sênior da Revista Forbes, lançou o
livro “The Age of the Agile”, o início de uma Era sem precedentes, onde
mudanças acontecem da noite para o dia. E mostra que as organizações ágeis
conectadas a tudo e a todos são capazes de realizar entregas instantâneas, com
um mínimo de fricções, de grande valor e em larga escala.
JOVENS – Como mobilizar os jovens movidos pela lógica disruptiva
das soluções instantâneas do nosso tempo a partir de plataformas de gestão de
processos concebidas no Século XX? A premissa que orienta o Fórum do Futuro
neste capítulo e a de que a juventude é condição sine qua non para o sucesso
desta empreitada e somente estarão disponíveis para empregar a sua energia
transformadora no projeto se perceberem espaço para contribuir efetivamente na
construção de um futuro comum. A sinalização retórica para os jovens
desacredita o projeto. A ponte de contribuição mais direta é apresentar-lhes o
repertório de “dores” vivenciadas pelos atores da ponta e solicitar
alternativas de gestão ou de tecnologias. Este é o sentido do Projeto FURA-BOLHA.
ALINHAMENTO HORIZONTAL É fundamental organizar e consubstanciar o
alinhamento horizontal (agências reguladoras, organizações governamentais de
fomento e de controle, parlamento, Ministério Publico, etc...) e
incorporar a sólida experiência do Fórum do Futuro nesse campo. Alguns
exemplos:
IBGE - Percepção dos transbordamentos econômicos da Bioeconomia
brasileira. Em 2017, tendo na presidência do IBGE Paulo Rabello de Castro,
realizamos um seminário para debater instrumentos de compreensão e aferição do
desempenho social, econômico e ambiental da produção de alimentos sobre o
conjunto da sociedade. Descobrimos que que , sem estrutura, o IBGE publicou
pela última vez a matriz insumo-produto, em 2015. E que contava à época com
apenas dois economistas focados no Agro. Sem estudos que quantifiquem esses
transbordamentos (Saúde, Educação, renda, Emprego, etc...) harmonizar o valor
social e econômico do Agro com influenciadores externos fica no exercício
retórico.
ANA – Realizamos em 2018 dois Workshops com a
ANA
, sobre o conceito universalizado de que a agricultura “consome” 70% da água
doce do Planeta. De lá para cá foram inúmeros os avanços do ponto de vista acadêmico,
mas não conseguimos ainda produzir um único paper demonstrando as divergências
entre a legislação que regula o setor, a realidades da disponibilidade e a
qualidade da gestão da água no Brasil.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – “Eu lido com a miséria produzida
pelo Agronegocio”. Com esta frase o Procurador da República do Trabalho iniciou
um Workshop do Fórum do Futuro realizado na Embrapa, em 2017, acentuando que
havia chegado à sua mesa um processo no qual o produtor rural era acusado de
exigir que seus trabalhadores usassem fralda geriátrica para “não perder tempo indo
ao banheiro”. Isto na presença de Alysson Paolinelli e de roberto
Rodrigues.
TCU – Não conseguimos organizar um Workshop com os órgãos de
controle sobre a burocracia eu impacta a gestão dos recursos de pesquisa no
Brasil.
REGULAÇÃO E CERTIFICAÇÃO -A constatação de que outros países
desenvolveram modelos de certificação e controle de produtos agroalimentares
algumas vez mais eficientes do que o sistema em vigor no Brasil está
internalizada no Fórum desde 2019. Até agora ainda não conseguimos estruturar
esse debate.
ALINHAMENTO VERTICAL – Sem canais eficientes de transferência de
tecnologia a aterrissagem do conhecimento na sociedade simplesmente não vai se
materializar.
CONCLUSÃO – Por mais sedimentada que seja a nossa narrativa ainda
enfrentamos a questão da credibilidade impulsionada por notícias negativas
produzidas diuturnamente nos campos dos direitos humanos e do uso responsável
dos recursos naturais. Por isso, as entregas que concretizam a incorporação do
conhecimento pelos atores na sociedade são o nosso principal instrumento de
comunicação, a varinha mágica que torna visíveis e palpáveis os significados da
contribuição científica.
A difusão e a Divulgação Científica trabalharam nas últimas
décadas para relatar os avanços realizados. Isto foi muito importante. Agora, o
Projeto Biomas Tropicais oferece pela primeira vez à Ciência, às empresas, aos
produtores e aos organismos de governo e da sociedade civil uma Plataforma de
Diálogo baseada em fatos, em evidências científicas. Com enorme potencial de
erguer um modelo colaborativo capaz de harmonizar competências e visões em
torno do desenvolvimento sustentável do Brasil.
**Fernando Barros é jornalista e Gerente Executivo do Instituto Fórum do Futuro
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