Uma sociedade dividida e os patamares da pobreza
Paulo Roberto Haddad*
No período que se
estende no pós II-Grande Guerra até 1980, o Brasil teve 33 anos, em dois ciclos
de expansão, em que a taxa de crescimento da economia foi superior a 7,5 % ao
ano. Se tivéssemos mantido esse ritmo de crescimento, o brasileiro poderia ter
atualmente, em média, um padrão de vida equivalente ao que tem o italiano ou o
espanhol hoje em dia. Entretanto, nas últimas quatro décadas, o Brasil
tornou-se um país de baixo crescimento econômico, sendo que, desde 2014, a
nossa economia encontra-se semiestagnada com quase 30 milhões de desempregados,
subempregados ou desalentados (os que deixaram de procurar emprego).
A falta de um processo
de crescimento sustentado da economia brasileira tende a expandir o tripé das
desigualdades sociais ao longo do tempo: as desigualdades da renda entre as
famílias e entre as pessoas, as desigualdades da riqueza financeira e não
financeira, e, principalmente, as desigualdades de oportunidades para que os
jovens possam realizar os seus projetos de vida. O Brasil tem uma das mais
elevadas taxas de desigualdades sociais do Mundo, o que ficou escancarado
durante o ciclo da pandemia do coronavírus. Há, atualmente, segundo o IBGE,
mais de 67 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, dos quais muitos
se encontram na miséria social. Somos uma sociedade dividida entre poucos
brasileiros muito ricos e muitos brasileiros pobres e miseráveis.
Em um país de baixo
crescimento ou em recessão crônica não se forma um excedente econômico que
possa financiar as políticas de geração de renda e emprego ou, até mesmo, as
políticas sociais compensatórias. As experiências históricas de diversos países
nos mostram que:
- As economias de mercado que apresentam
melhor desempenho econômico sustentado são as que têm os melhores
indicadores de igualdades sociais.
- Políticas econômicas que
aumentam as desigualdades sociais resultam em menor crescimento econômico.
- As economias de mercado que têm
piores indicadores de desenvolvimento social sustentável são as economias
com pior distribuição de renda e de riqueza, independentemente do seu
nível de desenvolvimento.
- Políticas públicas bem
concebidas e implementadas têm a capacidade de reduzir sensivelmente o
número de pobres e de miseráveis de um país ou de uma região.
- Economias de mercado que se
envolveram em processos excessivos e dominantes de financeirização têm os
seus níveis do tripé de desigualdades acentuados.
Entre os indicadores de
desigualdades mais recentes, dois fatos merecem destaque: cresceu o número de
pobres que se tornaram miseráveis (segmentos D e E da sociedade) e é possível
identificar as trajetórias de empobrecimento de grupos sociais da classe média
(funcionários públicos, profissionais liberais, microempresários, etc.) pelo
desemprego, pelo apelo ao subemprego, pela fragilidade financeira ou pela perda
de poder aquisitivo.
A trajetória, nesse
caso, tem observado, frequentemente, o seguinte passo a passo: após a primeira
queda de renda real, busca-se recompor o padrão de vida através da monetização
dos ativos financeiros e não financeiros acumulados no passado. Esgotada essa
alternativa ao longo dos meses, o efeito cremalheira ou a resiliência do padrão
de consumo já conquistado induz a diferentes formas de endividamento (cartão de
crédito, prestações), que pode ser fatal no momento seguinte. Um novo passo
ocorre quando se abre mão do padrão de consumo, migrando do plano de saúde
particular para o sistema público de atendimento à saúde, do aluguel em
residências localizadas em bairros de classe média para moradias em áreas
periféricas, etc. Nesse passo a passo, acumula-se o desalento, perde-se a
autoestima, aumentam o estresse e a tensão emocional.
Quando um país passa
por uma recessão prolongada ou por um extenso período de crescimento econômico
muito baixo, a pobreza vai se configurando em diversos patamares que se
diferenciam quanto ao acesso dos pobres a bens e serviços públicos e privados
que atendam às suas necessidades básicas de sobrevivência, com o mínimo de
dignidade humana. Não basta destacar como evoluem os indicadores de
concentração de renda e de riqueza nacional, é também necessária uma imersão
nas entranhas de cada patamar da pobreza a fim de se formularem e implementarem
as políticas públicas mais adequadas à realidade de cada um.
Se a atual geração
deixar como valor de legado para as futuras gerações de brasileiros uma
sociedade dividida entre poucos ricos e muitos pobres miseráveis, terá
confessado sua derrota na boa luta para a construção do futuro. E como disse o
nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, em “Elegia 1938”: “Aceitas a
chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição porque não podes sozinho
dinamitar a Ilha de Manhattan”.
*Paulo Haddad é Membro do conselho consultivo no Instituto Fórum do Futuro. Economista, com especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia – Holanda, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento. Presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e Diretor da AERI – Análise Econômica Regional e Internacional.
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