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Aparando as arestas

* Por Luis Otavio Leal

O Comunicado pós-reunião do Banco Central do Brasil (BCB) de março gerou mais dúvidas do que convicções. Assim, BCB teria duas oportunidades para “aparar as arestas” com o mercado: a Ata do Copom e o Relatório Trimestral de Inflação (RTI).

A Ata da última reunião do Copom era esperada com bastante ansiedade pelo mercado, porque o Comunicado que se seguiu ao encontro foi considerado pouco elucidativo, principalmente no que se refere ao cenário alternativo que o BCB havia incorporado à análise. Segundo o texto, este havia se tornado o de maior probabilidade, indicando que teria tomado o lugar do cenário de referência como o balizador da política monetária daqui para frente. Esse “jogo de palavras” entre o “alternativo” ter se tornado o de “referência” realmente não ajudava muito na compreensão do que o BCB queria dizer. 

Portanto, acabar com essa dúvida era imprescindível para que houvesse compreensão de quais seriam os próximos passos da política monetária. Para isso ele usou o parágrafo 15 da Ata: “(...) na sua hipótese usual, o preço do barril parte de valores em torno de USD118 em março e se eleva para cerca de USD121 no fim de 2023, ou seja, extrapolando para todo o horizonte relevante da política monetária o preço do petróleo resultante de uma conjuntura internacional particularmente anômala. O Comitê observou que o atual ambiente de incerteza e volatilidade elevadas demanda serenidade para a avaliação dos impactos de longo prazo do atual choque e, portanto, optou por comparar essa hipótese com os preços de contratos futuros de petróleo, negociados em bolsas internacionais, e com projeções de agências do setor. Notou-se que ambos convergiam para um preço do barril abaixo de USD100 ao fim de 2022. O Copom concluiu então que seria adequado manter a hipótese usual no cenário de referência, mas adotar como mais provável um cenário com hipótese alternativa para a trajetória de preços do petróleo até o fim de 2022.”. Ou seja, no fim, ele só deixou mais claro de onde tirou a ideia de seguir a curva futura dos preços do Petróleo, reforçando o entendimento de que a única diferença conceitual entre os dois cenários seria a trajetória esperada para os preços desta commodity.

Mas isso teve um impacto bastante relevante sobre a expectativa do ciclo de juros. Enquanto no cenário de referência a inflação para 2023 está em 3,4% (acima da meta para o ano, de 3,25%), no alternativo essa projeção cai para 3,1%. Apesar de definir que, em ambos os casos, esses valores estavam ao redor da meta, essa diferença pesou na conclusão final. Ao contrário da Ata da última reunião, dessa vez foi dito que, “diante desses resultados, e da avaliação do Comitê a respeito da probabilidade de cada cenário, o Copom considerou que, neste momento, um ciclo de aperto monetário semelhante ao utilizado nos seus cenários é o mais adequado.”. Ao atribuir um peso maior ao cenário alternativo, ele reforça o nível de 12,75% a.a. de Selic terminal, que utilizou nos seus modelos, mas deixando a porta aberta caso as coisas não saiam como previstas.

A subjetividade do que levaria o BCB a fazer esse ajuste na estratégia atual fica clara no trecho “O conflito na Europa adiciona ainda mais incerteza e volatilidade ao cenário prospectivo, e impõe um choque de oferta importante em diversas commodities. O Comitê considerou que a boa prática recomenda que a política monetária reaja aos impactos secundários desse tipo de choque, prática que leva em consideração as usuais defasagens dos efeitos da política monetária”.

O movimento de confirmação da estratégia de encerrar o ciclo de alta dos juros na reunião de maio, com mais uma alta de 1,00 p.p., iniciado na Ata foi concluído no RTI.

Primeiro o BCB resolveu a questão do cenário de “alternativo” ter virado o de “referência”, ao nomear o primeiro como “A” e o último como “B”. Passada essa questão semântica, ele se encarregou de embasar sua estratégia com alguns boxes. Em um deles, o BCB estimou o repasse dos preços internacionais do petróleo para os preços internos da gasolina  incorporando a questão da volatilidade do preço dessa commodity sobre as projeções de curto prazo da inflação. A conclusão foi de que “(...) este ambiente de incerteza e volatilidade elevadas demanda serenidade para os impactos de longo prazo do atual choque e de seus impactos sobre a inflação ao longo do horizonte relevante”, reforçando o que foi dito na Ata

Além desses estudos, podemos sublinhar que o BCB deixou certa “gordura” nas projeções de curto prazo da inflação, reduzindo a chance de que, quando chegarmos à reunião de junho (15 de junho) – aquela na qual ele terá que decidir se para ou continua a elevar os juros –, ele possa ter sido surpreendido por uma inflação mais alta.

Tomando as projeções do boletim Focus como parâmetro, as expectativas do BCB para o IPCA nos próximos três meses (março, abril e maio) está 0,35 p.p. acima daquelas esperadas pelo mercado. Além disso, ele manteve a projeção de que a bandeira tarifária sobre a conta de energia elétrica passaria de “escassez hídrica” para “amarela”, sendo que a nossa expectativa é de que ela seja levada para “verde”, o que representaria uma redução adicional de 0,15 p.p. nas suas projeções. Ou seja, o BCB “deixou” algo ao redor de 0,50 p.p. de “gordura” nas suas previsões de inflação, que poderá ser absorvido por surpresas inflacionárias.

Se alguma dúvida havia sobre os próximos passos da política monetária, a Ata se encarregou de dirimi-la, e o RTI só a reforçou. Pode-se concordar ou não com as suas intenções, mas os documentos deixaram claro que o plano de voo é encerrar o ciclo de alta dos juros na reunião de maio com as taxas em 12,75% a.a.

Mantenho, portanto, a minha projeção de que o BCB vai elevar os juros até 12,75% a.a., mantendo-os nesse patamar até o fim do 1º trimestre de 2023, quando começaria um processo de redução, de modo que a Selic fecharia o ano que vem em 9,75% a.a. Para quem acha isso pouco, dado o tamanho da “encrenca”, e tem o 14,25% a.a. de 2016 como parâmetro de aperto monetário forte, devemos lembrar que o valor correspondente a esse nível de Selic para as condições atuais da economia brasileira seria de 12,25% a.a. Pode-se dizer muitas coisas sobre um juro de 12,75% a.a., menos que ele não tenha avançado “significativamente em terreno contracionista”, como vem pontuando o BCB desde a reunião do COPOM de dezembro de 2021.

*Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa

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