A vacinação contra covid-19 e seus reflexos nas relações trabalhistas
*Por Débora Regina Ferreira da Silva
Há mais de um ano do
início da vacinação no Brasil, esse tema ainda vem gerando diversos debates na
área do Direito do Trabalho.
Mesmo a vacina sendo
tão aguardada pela maioria da população, há uma parcela da sociedade que por
motivações negacionistas, antivacina ou mero receio, optou por não se vacinar.
Entretanto, essa opção não traz impacto apenas para quem não se vacina, além
de, não contribuir com o fim da Pandemia, também pode passar a representar um
maior risco de contaminação aos demais indivíduos que compartilham do mesmo
ambiente.
Quando se trata de um
ambiente coletivo de trabalho, a opção deste empregado de não se vacinar, pode
impactar na vida dos demais colaboradores daquela empresa e a partir desta
situação que começaram a surgir os questionamentos. Afinal de contas, pode
demitir quem se negar a tomar vacina? Essa demissão pode ser por justa causa?
Quem não quer se vacinar, pode pedir rescisão indireta por entender que a
empresa está o discriminando?
Nos últimos tempos esse
vem sendo um assunto em alta na Justiça do Trabalho de todo o país,
empregadores e empregados buscando a tutela de seu direito, na intenção de se
discutir se o direito individual prevalece sobre o coletivo, ou o contrário.
Ao analisar as decisões
sobre o tema, verificamos que os Tribunais estão entendendo como possíveis as
demissões em razão da negativa de vacinação por parte do empregado, inclusive
convalidando as demissões por justa causa, exatamente por entenderem que se
negar a tomar a vacina caracteriza ato
gravíssimo, visto que o empregado coloca em risco não apenas a sua saúde
e vida como também a de seus colegas de trabalho e de toda a comunidade onde
convive, considerando ser público e notório que o vírus da Covid-19 é altamente
contagioso e somente a vacina, juntamente com as medidas protetivas indicadas
pela Organização Mundial de Saúde são suficientes para combater a pandemia.[i]
Ou ainda, que no ambiente do Estado de Direito, muitas
liberdades convivem e, não raro, colidem. O direito de escolher se deseja ou não
ser imunizado é uma delas, deve ser assegurado a quem - em que pese não existir
para essa decisão um mínimo motivo com fundamento científico - não desejar
fazê-lo. Tal exercício de liberdade não pode, entretanto, vilipendiar o
interesse coletivo (dentro da empresa) e social (dentro da comunidade) de
ampliar a proteção de todos, diminuindo as infecções e, com elas, a sobrecarga
do sistema público de saúde. Concluindo que se equipara à liberdade individual de
negar-se à imunização, o direito patronal de não manter em seus quadros de
empregados, ampliando os riscos de infecção de outros empregados ou de
clientes, aquele que se recuse imotivadamente ao ato de imunização.[ii]
Bem como, que é dever do empregador oferecer aos
seus empregados ambiente de trabalho salubre e seguro, nos termos da Lei, e
que uma vez que a empresa
disponibilizou aos seus colaboradores informativos sobre a necessidade de
minimizar os riscos de contágio, incluindo, por óbvio, a necessidade de aderir
ao sistema de imunização, o Tribunal ficou plenamente convencido de que a conduta
adotada pela reclamada (aplicação da justa causa) não se revelou abusiva ou
descabida, mas sim absolutamente legítima e regular, porquanto, para todos os
efeitos, a reclamante não atendeu à determinação da empresa.[iii]
E nas situações em que
o empregador exige a vacinação sob pena de demissão e o empregado se sente
injustiçado, procurando o Poder Judiciário por entender haver uma falha grave
do empregador ao atuar com abuso de poder, nossos Tribunais entenderam de forma
oposta, isto é, que não há um ato discriminatório ao exigir a vacinação do
empregado, afirmando que o juízo de origem
agiu com acerto ao indeferir a rescisão indireta do contrato de trabalho, à
vista da clarividente prevalência do interesse coletivo e de saúde pública em
face da grave pandemia que assola o mundo, em detrimento de seu interesse
individual, não desconsideradas suas convicções ideológicas, especialmente por
se ativar a reclamante em clínica que dispensa cuidados a idosos, categoria da
maior vulnerabilidade e letalidade quando infectada pelo Sars-Cov-2, causador
da Covid-19. E concluiu o julgamento afirmando que o art. 8º da CLT determina, ipsis
litteris, que: 'que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o
interesse público". Portanto, nenhuma posição particular, convicção
religiosa, filosófica ou política ou temor subjetivo do empregado pode
prevalecer sobre o direito da coletividade de obter a imunização conferida pela
vacina, prevista em programa nacional de vacinação e, portanto, aprovada pela
Anvisa, e inserida nas ações do PCMSO.[iv]
Ou seja, diante de
todos estes julgados que fizemos questão de colacionar a fim de comprovar que
as decisões seguem a mesma tendência em todas as regiões do país, a conclusão
que chegamos é a de que a exigência de vacina do empregado por parte do
empregador não caracteriza abuso de poder e nem mesmo atitude discriminatória,
estando esta atuação dentro de seus poderes diretivos. E que o contrário, a
negativa de vacinação por parte do empregado configura ato de insubordinação
passível de dispensa por justa causa, uma vez que a CLT prevê que o interesse
coletivo se sobrepõe ao individual.
Sendo assim, diante das
diversas orientações da OMS sobre o tema e de toda a legislação de
enfrentamento à pandemia da COVID-19, o ideal é que as empresas, a fim de
minimizar os impactos econômicos na vida dos trabalhadores, busque
primeiramente a conscientização de todos sobre a importância e necessidade da
vacinação, inclusive criando um canal de comunicação com seus empregados
visando desmistificar seus medos em relação à imunização. Contudo, o empregado
sendo irredutível quanto a decisão de não se vacinar, ele deverá pedir demissão
ou assumirá o risco de ser demitido, inclusive por justa causa, abdicando de
suas verbas rescisórias, visto que esta é a tendência dos Tribunais, no intuito
de preservar um bem maior, no caso, a vida de toda a comunidade que vem
buscando contribuir com o fim da Pandemia da COVID-19, obedecendo às
orientações sanitárias e se vacinando adequadamente.
[i] TRT-11
00001687920215110019, Relatora: SOLANGE MARIA SANTIAGO MORAIS, 1ª Turma,
07/12/21.
[ii] TRT-2
1001359-61.2021.5.02.0030, Relator: MARCOS NEVES FAVA, 15ª Turma, 07/04/22.
[iii] TRT-2
1000122-24.2021.5.02.0472, ROBERTO BARROS DA SILVA, 13ª Turma, 19/07/21.
[iv] TRT-15
0010091-68.2021.5.15.0068, Relator: ROSEMEIRE UEHARA TANAKA, 3ª Câmara,
22/07/21.
Sobre Debora Regina
Ferreira da Silva
A advogada é sócia do escritório Akiyama Advogados Associados. Possui pós-graduação em Processo Civil e do Trabalho na Escola Paulista de Direito – EPD. concluída em 2016. Para mais informações sobre a atuação da especialista ou sobre o escritório, acesse http://www.akiyama.adv.br/ ou ligue para (11) 3675-8600. E-mail akiyama@akiyama.adv.br
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