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LGPD: da teoria à prática

Como a lei que veio fazer o bem trouxe o caos cibernético

 * Daniel Schnaider

Atualmente, quatro anos após a imposição da Lei Geral de Proteção de Dados, a polêmica LGPD, você sente o benefício que a lei trouxe para suas vidas? Talvez? Mas para alguns a nova lei, como toda sua boa intenção trouxe o caos, como as empresas, e muitas delas pegas no fogo cruzado.

Baseada na doutrina europeia, em geral, a nova lei suscita um olhar mais apurado não somente sobre o direito à privacidade, como também o da propriedade das informações pessoais de cada um. A grande verdade é que por muitos anos nós concedemos nossas informações para grandes empresas atuarem como quisessem com elas, como as famosas contas nas redes sociais que criamos ao longo dos anos sem nunca ter lido os Termos de Acordo.

Muito embora a mudança do dogma fosse de que cada pessoa agora é dona de seus próprios dados, cabendo a ela optar ou não por armazenar ou permitir seu tratamento por terceiros, ninguém realmente sabe ou entende o que isso significa, não de fato, e menos ainda economicamente. 

Advogados para se eximir da responsabilidade, usam a interpretação mais dracónica possível da lei, o que de fato aumenta os custos para as empresas, e complica ainda mais aquele famoso custo Brasil. A falta de jurisprudência faz da vidados advogados, ase nossas, e dos empresários ainda mais difícil.  Alguns dados que faziam parte de análises de crédito e comerciais não estão mais disponíveis – pois ferem a privacidade. A lei não era para defender pessoas, mais especificamente consumidores? É mais ou menos, por padrão tirar todas as empresas dos resultados de buscas ou redes sociais. Difícil acreditar que o legislador queria diminuir a atividade econômica como resultado desta lei.

Sim, empresas da web 2.0 como Google e Facebook fazem bilhões com nossos dados, em troca de inúmeros serviços gratuitos. A questão talvez seja a falta de concorrência nesse mercado, que não lhe dá alternativa mais segura e com qualidade equivalente para busca, e sua vida social online.  

Quando você vai para uma farmácia, tem o direito a privacidade aos medicamentos que compra. Também, quer que seus dados sejam protegidos ao fazer check-in em um hotel. E claro, sua vida nos médicos, e hospitais é só sua e de mais ninguém.

A privacidade até certo ponto, faz sentido ser protegida pela constituição, pois ela é fundamental para garantir a liberdade do indivíduo. Por exemplo: imagine um político mal-intencionado tendo acesso a informações “privilegiadas” para combater seu oponente. Complicado né.

Acredito que a LGPD seja muito positiva no sentido de criar uma consciência em cada cidadão sobre a importância de fiscalizar como as suas informações estão sendo utilizadas por empresas e governos – no que diz respeito ao consumidor e cidadão principalmente.

Mas a forma que esta lei pode ser interpretada torna-a nociva para a sociedade. Por exemplo: quando você entra em um ónibus público e suas imagens estão sendo gravadas, talvez até com um sistema de reconhecimento facial. A intenção desta solução pode ser para identificar bandidos e transformar o transporte mais seguro, algo que é de extremo valor social. A LGPD com certeza não tinha a intenção de interferir nesta questão; mas se perguntem: quanto o legislador, o advogado e o juiz conhecem sobre tecnologia para interpretar da melhor forma o balanço entre segurança pública e a privacidade.

Há uma variedade infinita de outros casos como esse que podem levar a sociedade para um lugar pior do que sem a lei. Imagine por exemplo que temos que considerar a versão mais dura da lei, isso poderia inviabilizar pequenas empresas, pois aumentaria seus custos, porém PMEs dificilmente tem poder de barganha para repassar o valor para seus clientes. Soma-se também a dificuldade técnica imposta por criar esta privacidade, como dominar encriptação e assinaturas digitais, e até mesmo a mudança dos processos completos. 

Não me entenda mal. Contratos de adesão não permitem a negociação do consumidor. Faz total sentido o estado intervir para criar algumas defesas ao consumidor que é o lado mais fraco do relacionamento e, assim, protegê-lo. Mas esta história tem (ao menos) dois lados. Se você for questionado no supermercado, ao alugar o carro e no Rock in Rio: “senhor(a) temos duas opções para lhe oferecer, a primeira garantimos sua total privacidade. Na segunda, ela não é garantida, mas lhe oferecemos 10% de desconto”. Qual você optaria? Qual a população brasileira em geral escolheria?

A privacidade custa, mas seu custo está escondido, não podemos vê-lo. O impacto dele é indireto, por meio de perda de produtividade, complexidade, o uso do sistema jurídico, os órgãos de fiscalização, advogados, investimento em software, hardware e nuvem.

É como um Network effect, o nome dado para um ciclo que se auto fortalece. Ao querer publicar um vídeo, você considera o Youtube por terem muitos usuários. Os usuários escolhem o Youtube porque tem muitos vídeos. Este efeito econômico criou o que chamamos de Winner-Take-It-All, em Inglês, ou o vencedor leva tudo. Foi este tipo de situação que levou o legislador europeu a tomar atitudes referentes a essas empresas. Pois, quanto mais dados pessoais tinham, mais valor ela tem para seus usuários, que por sua vez, dão mais dados para ela. Criando um sistema cíclico.

Mas na tentativa de regular uma série de situações, não podemos deixar de destruir uma série de situações boas, comprometer o equilíbrio econômico financeiro de contratos, dar benefícios às empresas poderosas que tem vantagem tecnológica, poder de barganho e os melhores advogados.

Hoje mais pessoas trabalham de forma remota, empresas precisam de dados de diversas fontes para saber se o colaborador está atendendo as normas do código de ética e conduta das empresas. O colaborador da empresa já é protegido por centenas de artigos da CLT, além de um tribunal trabalhista dedicado, especializado e pró-funcionário. Não faz sentido complicar mais o que já está ai.

Já no âmbito empresarial, entre fornecedores e seus clientes PJs, os contratos regidos são de natureza civil. A lei quando usada no relacionamento B2B traz insegurança jurídica. Como sabemos se os dados foram roubados do cliente ou do fornecedor? Claro, vamos atarefar mais um pouco os judiciários, advogados, peritos, as áreas de TI das empresas, o jurídico interno. Isso tem custo para sociedade, e quem vai pagar é você!

A lei no formato atual é um grande impostão, cuja alíquota está a ser definida por pessoas que infelizmente não tem o conhecimento para entender o impacto que ela traz a você e a mim, indiretamente. Deveríamos entender que o estratégico é encontrar formas de tornar o Brasil globalmente competitivo – estamos na contramão deixando os chineses nadarem da braçada.   

Não seria o caso de voltar a refletir sobre o que aprendemos de bom e ruim com a lei, e fazer alguns ajustes. A lei geral de proteção de dados encontrou a verdadeira realidade Qual é o balanço entre privacidade e eficiência econômica? Sinceramente, eu não sei. Por isso lhe proponho, vamos colocar as melhorias necessárias na LGPD em pauta?

 

Daniel Schnaider é CEO da Pointer by Powerfleet Brasil, líder mundial em soluções de IoT para redução de custo, prevenção de acidentes e roubos em frotas. Integrou a Unidade Global de Tecnologia da IBM e a 8200 unidade de Inteligência Israelense. Especialista em logística, tecnologias disruptivas, economista e autor da obra "Pense com calma, aja rápido".

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