A busca da infelicidade
Marco Antonio Spinelli*
Um psiquiatra budista
que eu muito gosto, Mark Epstein, citou num de seus livros uma história do Mulá
Nasrudin, um personagem da tradição oral do Oriente Médio:
Um homem encontra o
sábio Mulá Nasrudin e nota que ele está vertendo lágrimas sem parar. Alarmado,
percebe que o homem estava chorando porque comia pimentas. Pergunta, atônito:
mas por que você está comendo essas pimentas, Mulá? O mulá respondeu: Estou
procurando uma pimenta que seja doce.
Mark interpreta essa
história paradoxal como uma metáfora da nossa busca incessante pelo prazer:
quanto mais buscamos o prazer, mais encontramos a dor. Temos hoje uma
compreensão mais clara e mais científica deste paradoxo: as áreas de
processamento de prazer e dor no Sistema Nervoso estão muito próximas ou estão
exatamente na mesma região. Freud também falou sobre a proximidade das
sensações de dor e prazer e quase apanhou na sua época. Mas é só olhar em volta
para percebermos que nossa civilização hedonista, onde a busca incessante de
prazeres de todos os tipos é estimulada, propagada e vendida em todas as
mídias, qual o resultado que colhemos?
Gastamos muito tempo
atrás desses sonhos de consumo: quando tivermos o carro dos sonhos, o salário
bacana, a vida igual às fotos do Instagram, aí serei identificado como sendo
alguém de sucesso, a ser admirado/invejado. Se for identificado como fraco ou
perdedor, estou excluído do jogo de admiração e algoritmos de poder e desejo.
Aí vem esses
chatos desses budistas para dizer que a busca incessante pelo prazer e esquiva
da dor só leva a um ciclo infinito de dor e vazio. Como o Mulá Nasrudin comendo
pimentas achando que vai encontrar uma que lhe traga prazer e doçura.
Os circuitos do Prazer,
os Sistemas de Recompensa, garantem a nossa sobrevivência como espécie.
Precisamos do prazer: orgasmos impulsionam os espermatozoides na direção certa,
a comida é atraente e garante a sobrevivência, trabalhamos intensamente para
pagar as contas e proporcionar alegria a nós e aos entes queridos. Isso está
errado? Não, claro que não. Mas a coceira que nunca termina move as rodas do
Capitalismo, do hiperconsumo e da ruína do planeta. A busca incessante de mais,
mais, mais, cria uma sociedade solitária, competitiva e com uma perda de alma
que vai ficando perigosa. A busca de prazeres ou da vida extraordinária
multiplica a infelicidade.
O mulá Nasrudin
ensinava através de paradoxos e de histórias em que ele parecia um velho tolo
ou louco, mas isso só servia e serve para mostrar que os tolos somos nós, que
não entendemos a Sabedoria por trás das suas histórias. Louco é o sistema que
nos engole.
Como podemos lidar com
esse sistema? Muito tem se falado sobre uma desintoxicação de Dopamina: passar
um tempo sem computador, sem celular, sem comida lixo e refrigerantes. Música,
só as calmas e não barulhentas. Séries do Netflix, delete. Retire o barulho e
veja o que fica no lugar: um silêncio assustador, não é? Não se preocupe:
começa ruim mas vai ficando bom. A mente fragmentada em uma overdose de
estímulos vai ficando mais serena, mais focada, mais capaz de sentir PRAZER. Já
pensou?
O jejum de estímulos
traz de volta nossa capacidade de estar presente nesse nosso mundo líquido. Em
vez de procurar o tempo todo pelo extraordinário, encontramos a beleza do
comum, da presença no momento presente: uma folha ciando, um passeio na rua, um
momento com pessoas queridas.
Posso sugerir a você, que leu o texto até aqui, para tentar esse jejum. Meia hora por dia. A caminho do trabalho. No fim de semana. Antes de dormir. Jejum de celular, de rede social e, sobretudo, jejum do barulho que nos chega o tempo todo sem que tenhamos consciência. É trocar a busca infindável pela plenitude que está debaixo de nosso nariz.
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