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Entidades da Sociedade Civil criticam omissão de órgão de defesa da concorrência ao não coibir abuso de preços em medicamento para hepatite C

Para MSF, Cade ignorou ameaça ao programa público de tratamento da doença

Após quase 3 anos de procedimento preparatório, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) decidiu arquivar uma denúncia contra a multinacional farmacêutica Gilead por abuso de preços e patentes relativos ao medicamento sofosbuvir, usado para a cura da hepatite C. A denúncia representou uma ação inédita no CADE, por ser a primeira sobre altos preços de medicamentos e também a primeira apresentada ao órgão por grupos de pacientes e consumidores.

Além de uma investigação aprofundada sobre prática de conduta anticompetitiva, as organizações denunciantes esperavam que o CADE desempenhasse um papel ativo na garantia do direito à saúde, tendo em vista que os preços praticados pela Gilead colocaram em risco o programa de acesso gratuito ao tratamento de hepatite C disponível no Sistema Único de Saúde.

A decisão pelo arquivamento (que não prejudica eventuais investigações futuras) revela que o CADE optou por uma interpretação bastante limitada de situações de abuso de preço e não se dedicou ao seu papel institucional de preservar direitos de forma mais ampla. “Essa decisão final não surpreende porque ao longo de todo o processo o CADE se limitou a teses conservadoras e ultrapassadas no próprio campo da defesa da concorrência, por exemplo, negando a possibilidade de haver abuso de preço mesmo num mercado regulado”, afirma Eloísa Machado, advogada do caso e representante do Coletivo de Advogados de Direitos Humanos (CADHU).

De acordo com Alan Silva, advogado que atuou no caso em nome da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), “no campo da saúde, o CADE se mostrou impermeável a argumentos que mostram o impacto do abuso de poder econômico na vida das pessoas e falhou em agir mais incisivamente em prol da garantia de direitos fundamentais.”

Para Felipe de Carvalho, assessor da Campanha de Acesso de Médicos Sem Fronteiras, “é lamentável que os preços extremamente altos que a Gilead tem cobrado por tratamentos de hepatite C no Brasil não sejam alvo de uma investigação mais profunda, apesar de terem constantemente colocado em risco o programa de acesso gratuito a medicamentos contra a doença, do qual dependem milhares de pessoas”.

Entre 2015 e 2018, o Ministério da Saúde teve que oferecer os tratamentos mais eficazes de hepatite C de forma racionada, ou seja, tratar apenas os casos mais graves, devido aos altos preços, em especial do medicamento sofosbuvir, inicialmente ofertado por mais de R$ 25.000,00 por tratamento. Entre 2015 e 2017, mais de 6 mil pessoas morreram de hepatite C no Brasil e em 2018 havia 15 mil pessoas na fila de espera por tratamento.

Com a perspectiva da oferta de versões genéricas do sofosbuvir em 2018, o Ministério da Saúde finalmente adotou uma política de tratamento universal. Naquele ano, houve um breve momento de concorrência, quedas de preço e ampliação do acesso, mas desde então a Gilead tem utilizado suas patentes para bloquear competidores. Desde 2019 tem sido a única vencedora de todos os pregões do Ministério da Saúde. Em 2020, a empresa aumentou os preços cobrados no Brasil, desrespeitando o teto definido no pregão daquele ano.

“Os preços de tratamentos baseados em sofosbuvir ainda são extremamente altos no Brasil. A combinação sofosbuvir/velpatasvir, a mais usada no país, custa R$ 7.100,00 por tratamento enquanto em outros países onde versões genéricas de um tratamento equivalente (sofosbuvir/daclatasvir) estão disponíveis, o preço é de R$ 670,00”, afirma Matheus Falcão, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), uma das organizações que atou junto ao CADE demandando a suspensão da patente concedida à Gilead.

Em sua decisão, o CADE afirma que novos indícios de violação às normas concorrenciais poderão ser investigados, por isso as organizações responsáveis pela denúncia contra a Gilead continuarão monitorando as violações sistemáticas praticadas por esta e outras empresas farmacêuticas, quando o abuso do direito de patente resulta em prejuízos irreparáveis à saúde e à vida de milhares de pessoas.

Assinam esta nota as organizações que atuaram como Representantes no Procedimento Preparatório nº 08700.005149/2019-18:

Defensoria Pública da União (DPU),

Médicos Sem Fronteiras – Brasil (MSF),

Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA),

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC)

Grupo de Incentivo à Vida (GIV),

Fórum das ONGs Aids do Estado de São Paulo (FOAESP),

Fórum de ONGs Aids do Rio Grande do Sul (FOARS),

Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (GAPA/BA),

Grupo Solidariedade É Vida (GSOLEVIDA),

Universidades Aliadas para o Acesso a Medicamentos Essenciais (UAEM)

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