A criminalização das pesquisas eleitorais e o Direito Penal Emergencial
*Por Acacio Miranda da Silva Filho
Passados poucos dias do
primeiro turno das eleições nacionais de 2022, dois temas permeiam as
discussões: - o resultado das eleições; - e as eventuais diferenças numéricas
entre este resultado e os índices estabelecidos pelas pesquisas.
E como efeito
automático da polarização que vivemos atualmente, ambos os temas fomentam
opiniões controvertidas, discussões baseadas em “achismo” e, a não menos
equivocada, atuação de parlamentares com vistas à criminalizar qualquer circunstância
contrária a opinião dos seus eleitores/ seguidores/ torcedores.
Explico! Inegavelmente,
o resultado das urnas diverge das estatísticas e índices apontados por grande
parte dos institutos de pesquisa. E mesmo que existam justificativas razoáveis para
tanto ( metodologia usada, variações numéricas e até a mudança de voto, de
forma a torna-lo “útil” , com base nos próprios números divulgados), os
legisladores optaram pela solução mais imediatista e danosa: criminalizar a
realização de pesquisas eleitorais feitas por institutos, de forma, creio eu, a
dar uma resposta à sociedade inconformada com as divergências, e também, de
forma a só permitir e validar pesquisas informais, as tais enquetes nas redes
sociais ( que são ainda mais enviesadas, em virtude dos algoritmos).
A partir desta
“solução”, dois aspectos jurídicos merecem análise: - a regulamentação e os
regramentos das pesquisas eleitorais; - e a compatibilização das propostas de
criminalização das pesquisas com a teoria chamada Direito Penal Emergencial.
No que diz respeito à
regulamentação das pesquisas eleitorais, atualmente vigora a resolução
23.600/TSE - com as alterações operadas através da resolução 23.673/2021/TSE –
construída com base nas determinações do artigo 33 e seguintes, da Lei 9.504/97.
Importa frisar que
referida Lei vigora há mais de 25 anos, e desde a sua vigência inúmeras foram
as resoluções feitas pela Tribunal Superior Eleitoral com base no seu texto,
como decorrência lógica de um processo de maturação e aperfeiçoamento com o passar
das eleições.
Obviamente, qualquer
resolução, assim como todas as leis e até o próprio texto constitucional, está
sujeita a imperfeiçoes e críticas, o que pode ser corrigido através de um amplo
processo de discussão, com a possibilidade de participação de todos os atores
sociais interessados e atingidos.
Inclusive, a própria
resolução atual foi submetida as mais plurais e democráticas discussões,
especialmente com a aceitação de propostas vindas do Congresso Nacional, dos
partidos políticos, de associações de classe e de especialistas em pesquisas,
estatísticas além de opiniões jurídicas[1].
E, em como qualquer
outro processo democrático e decisório, foram acolhidas as propostas da
maioria, à partir da análise dos seus critérios de sustenção, da sua
compatibilidade com o ordenamento jurídico e com a devida fundamentação dos
critérios de escolha pelo órgão competente.
Não bastasse essa
contrariedade ao conteúdo construído com a participação do próprio Congresso,
agora, com o açodamento próprio de quem está mais preocupado com a velocidade
da resposta do que com a solução do problema, alguns parlamentares propõe a
criminalização da realização de pesquisas eleitorais[2].
Tal radicalismo
apresenta, além da contrariedade a um processo cuja participação dos seus
proponentes aconteceu, também apresenta contrariedade a um dos princípios
vetores do ordenamento jurídico – o Direito Penal de “ Ultima Ratio” -
uma vez que, ao invés de criminalizar tal circunstância, que deveria ser
medida radical e extrema, poderiam os parlamentares propor alterações ao texto
da Lei 9.504/97, que é o foro próprio para tanto, não sem razão chamada de “Lei
Geral das Eleições”.
Mas, de forma
irracional, simplista ou até com o objetivo de aproveitar o caos para “jogar
para os próprios torcedores”, a solução proposta foi a criminalização destes
fatos, em perfeita consonância a umas das modalidades mais gravosas de
populismo, o Direito Penal Emergencial.
Doutrinariamente[3][4][5],
há consenso sobre o conceito de Direito Penal Emergencial, segundo o qual são
construídas através do Direito Penal respostas desproporcionais e inadequadas,
aptas a violar direitos e garantias fundamentais, à partir de circunstâncias
concretas amplamente divulgadas pela mídia e pelas redes sociais.
Em resumo: a mencionada
gravidade da circunstância, não fosse a massiva exploração do seu conteúdo,
jamais ensejaria uma resposta tão contundente, tal como “matar um inseto usando
uma bazuca”.
Nitidamente, há
incongruências jurídicas no projeto, especialmente porque, conforme já
indicado, não haveria a necessidade de criminalizar tal circunstância, pois
bastariam propostas de alterações ao texto da Lei Geral das Eleições.
A par desta
inobservância, também, a pretexto de resguardar um bem jurídico coletivo (
mesmo que nenhum proponente dos projetos tenha sido capaz de mostrar qual), o
legislador atropela direitos e garantias fundamentais, o que faz com que os
efeitos da solução sejam mais danosos que a conduta reprimida.
E nestes pontos repousa
a principal preocupação decorrente do projeto, posto que a indefinição daquilo
que se pretende proteger, aliada a sobreposição das medidas adotadas em
relação ao que se pretende combater torna os projetos discutíveis sob o ponto
de vista da razoabilidade, da cidadania e da democracia.
E a nossa jovem
Constituição Federal não merece ser apedrejada por “achismo”, “fanatismo” ou
por “ discussões de boteco”, afinal, a sua manutenção é dever de todos nós,
independentemente do lado da arquibancada.
*Acacio Miranda da
Silva Filho - Doutor em Direito Constitucional e professor de Direito
Eleitoral.
[1] https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2021/Dezembro/aprovada-resolucao-sobre-pesquisas-eleitorais-para-as-eleicoes-2022-1
[2] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lider-do-governo-na-camara-quer-lei-para-punir-institutos-de-pesquisa/
[3] https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/1017
[4] https://jordansales.jusbrasil.com.br/artigos/402263282/direito-penal-de-emergencia-o-simbolismo-penal-frente-as-novas-tutelas-de-emergencia
[5] https://jus.com.br/artigos/91493/direito-penal-de-emergencia-como-meio-de-politica-criminal
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