Para frear desmatamento na Amazônia, é preciso pagar para manter floresta de pé
Incentivo aos créditos de carbono é essencial e
especialmente favorável para o Brasil
*Por Luis Felipe Adaime
Com a realização da COP 27, no Egito,
voltaram a ganhar manchetes as discussões sobre o maior desafio da humanidade
em nossos tempos: combater as mudanças climáticas. Mas, no ponto em que
estamos, a questão não é mais encontrar soluções, que já existem. O importante
é tornar a conversa mais didática, com menos tecnicismo. Não dá mais para falar
desse assunto usando dezenas de siglas e termos que apenas os experts entendem.
Só deixando a linguagem mais clara será possível democratizar o debate e
sensibilizar as pessoas para a gravidade do problema.
O ponto é simples: se as pessoas
conseguirem entender as soluções já conhecidas para o combate às mudanças
climáticas, certamente vão adotá-las e difundi-las. A eficiência da COP na
prática depende de todos compreenderem a importância do que está em jogo. É
preciso mostrar, com termos simples, quais são as soluções. Reforçar, por
exemplo, que a floresta só fica de pé se houver pagamento por isso — assim dá
para introduzir o conceito dos créditos de carbono.
O contexto hoje favorece a recepção
desse tema pelas sociedades ao redor do mundo. Isso acontece por dois fatores.
Primeiro, as pessoas sentem na pele que há algo errado com o clima. Todos
testemunham verões escaldantes, secas históricas, chuvas de intensidade excessiva
cada vez mais frequentes.
Além disso, estamos atravessando uma
importante mudança geracional. Em 2019, os millennials (pessoas nascidas entre 1980 e
2000) ultrapassaram em quantidade os baby
boomers (nascidos nas décadas de 40, 50 e 60). Essa mudança é
relevante porque os millennials —
assim como as gerações seguintes — dão mais importância às questões de
sustentabilidade, como indicam várias pesquisas. Portanto, se as empresas não
se preocuparem com esse ponto, correm o sério risco de perder clientes.
E o que o Brasil e a Amazônia têm a ver
com essa história? Tudo.
Já está evidente que o combate às
mudanças climáticas passa necessariamente pelo mercado de créditos de carbono.
Ora, se é da preservação que boa parte desses créditos é gerada, a imensidão da
Amazônia fica ainda mais relevante para o Brasil, que segundo a FAO
abriga 39% das florestas tropicais do mundo. Ótima notícia para
o País, já que a maior demanda por créditos de carbono tem elevado o
preço desse ativo. Desde 2020, os preços de créditos de carbono florestais
aumentaram de US$ 2,5 para US$ 10, enquanto o volume negociado aumentou sete
vezes, chegando a US$ 2 bilhões no ano passado, segundo relatório
divulgado pelo Ecossystem Marketplace (EM).
Segundo a Verra, entidade que
registra a maior parte dos créditos de carbono transacionados no mercado
voluntário no mundo, o Brasil certifica e vende 20 milhões de
créditos de carbono de conservação (desmatamento florestal evitado) ao ano, com
potencial de aumentar em 75 vezes esse montante. Considerando o preço atual de
US$ 10 dólares, o alcance é de US$ 15 bilhões ao ano segundo projeção da
consultoria McKinsey. Isso significa 1% de crescimento anual extra para o PIB
brasileiro!
Um dos maiores desafios para a redução
de emissões de carbono é o desmatamento. Árvores são feitas de carbono (em
moléculas de celulose, que compõem suas raízes, caules e folhas) — cerca de 50%
do peso de uma árvore está em seus átomos de carbono. Quando uma delas é
queimada, as moléculas de celulose se quebram, formando gases de efeito estufa
como dióxido de carbono (CO2) e CH4 (metano, 30 vezes mais poluente que o
CO2), que são liberados para a atmosfera. Estima-se que, dos 55 bilhões de
toneladas de gases de efeito estufa que lançamos na atmosfera anualmente, 20%
(ou 11 bilhões) sejam gerados por desmatamento.
No caso do Brasil, o impacto
proporcional é ainda maior: um levantamento do Observatório do Clima mostra que
no ano passado o Brasil despejou na atmosfera 2,42 bilhões de toneladas brutas
de gases de efeito estufa, sendo o desmatamento responsável por 1,19 bilhão de
toneladas. Ainda de acordo com o Observatório do Clima, os municípios que mais
emitem no Brasil não são as grandes capitais, mas cidades da Amazônia, como
Altamira, no Pará, e Apuí, no Amazonas.
Ou seja: se nós, como humanidade,
parássemos de desmatar, eliminaríamos automaticamente 20% das emissões globais
e 60% das emissões brasileiras. Uma bela parte da solução total estaria dada.
Se é assim, por que se desmata tanto a
Amazônia? Porque, infelizmente, dá dinheiro. A pessoa pode invadir uma área ou
comprá-la legalmente e depois desmatá-la. Como a área florestada na Amazônia é
muito barata — US$ 100 por hectare (o espaço de um campo de futebol), o
comprador taca fogo e revende a área por mais de US$ 500 (que é quanto pagam
por área “limpa” para soja e gado na Amazônia). Um ciclo perverso que pode ser
repetido muitas vezes.
Como se quebra essa engrenagem? Fazendo
com que a floresta de pé valha mais do que queimada ou derrubada. Se um hectare
com floresta valer US$ 1 mil, concorda o leitor que ninguém vai comprar para
desmatar e revender por US$ 500? E que, se a terra valer US$ 1 mil em vez de
US$ 100, o dono protegerá a área com muito mais afinco?
No atual preço de carbono, remunera-se
anualmente a conservação de florestas a US$ 100 por hectare por ano. É uma
belíssima remuneração para uma área que tenha valor de mercado de US$ 100: mais
de 100% ao ano — vale lembrar que projetos de carbono duram 30 anos. Então,
qual variável está errada? O valor da terra. Se a área com floresta vier a um
valor dez vezes maior (US$ 1mil), a remuneração cai a um percentual bem mais
razoável, de 10% ao ano.
É disso que se trata. Enfrentar a
mudança climática significa sensibilizar as pessoas para entenderem, ao mesmo
tempo, a gravidade da situação e a solução que está ao alcance das mãos: usar
de maneira inteligente os créditos de carbono, um ativo precioso do Brasil,
para manter nossa floresta viva — e a nós mesmos.
*Fundador e CEO da Moss Earth
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