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Trabalho da APTA alavanca movimento agroflorestal no Vale do Paraíba

Mais de uma centena de agricultores familiares e assentados usam o sistema na região

O grande público tomou conhecimento sobre agricultura sintrópica – ou sistemas agroflorestais (SAF) – pelas telas da televisão, com a exibição da novela ‘Velho Chico’, em 2016, pela TV Globo. Mas os pequenos agricultores e assentados da região do Vale do Paraíba já conheciam e usavam o sistema, graças aos trabalhos científicos e de transferência de tecnologia desenvolvidos pelo Polo Regional de Pindamonhangaba, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Mais de uma centena dos agricultores da região do Vale do Paraíba adotam pelo menos parte do sistema que busca a restauração da cobertura florestal, a diversificação do cultivo e a soberania e segurança alimentar dos produtores e consumidores.

As pesquisas da APTA com os SAF começaram em 2007, com o cultivo de bananas, seguido de palmito pupunha, variedades de mandioca de mesa ricas em carotenoides, desenvolvidas pelo Instituto Agronômico (IAC), quiabo, brócolis, sorgo, com Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) e outras culturas.

Os trabalhos científicos da APTA são realizados na região de várzea e de montanha. Na várzea, os pesquisadores utilizam a cultura do inhame e araruta associados com leguminosas perenes para adubação verde, como flemíngia e sesbânia, com árvores, como o ingá e o anjico preto, e outras frutíferas exóticas como as bananeiras e nativas como uvaia, araçá, cambuci, abiu, cereja preta e outras. “Essas espécies também são avaliadas em condições mais elevadas, em terraços e morros, destacando também leguminosas como guandu, feijão de porco e crotalária”, explica Antonio Carlos Pries Devide, pesquisador da APTA.

Toda essa diversidade de plantas usadas em um mesmo sistema garante a diversificação de renda do agricultor, diminuem o risco da perda da lavoura por questões fitossanitárias e climáticas e restaura os solos e a cobertura vegetal. “O elevado aporte de matéria orgânica favorece a vida do solo, que é a matriz de todo o sistema produtivo. Os SAF funcionam como corredores de vegetação e refúgios para a vida silvestre, sendo amplamente empregados para restaurar matas ciliares e áreas degradadas, tais como nascentes e encostas”, afirma Devide.

E é justamente este o foco dos trabalhos da APTA: a regeneração ambiental. O objetivo é recuperar a vegetação da região do Vale do Paraíba, muito deteriorada pela colonização, ciclo do café e pastagens degradadas. “O Vale do Paraíba abriga uma paisagem diversa ao resto do Estado, pois, possui regiões montanhosas na Mantiqueira, Serra do Mar e Bocaina, além de várzea na calha do rio Paraíba. Em todos esses compartimentos há marcas de degradação ambiental”, esmiúça o pesquisador.

Transferência de tecnologia
O trabalho de recuperação é difícil e pode levar anos. Porém, os resultados do sistema motivaram pequenos e médios produtores, agricultores familiares e assentados a adotar um novo jeito de se cultivar a terra – ou melhor, a resgatar o antigo modo de se fazer agricultura.

“Começamos a realizar cursos de formação em sistemas agroflorestais em 2010. No ano seguinte, realizamos o primeiro mutirão agroflorestal, adotando metodologia de pesquisa participativa, unindo diversos atores, dentro eles, agricultores familiares, assentados de reforma agrária, empresários rurais, pesquisadores, profissionais do ensino, acadêmicos, gestores públicos e outros”, conta Devide.

O sucesso foi tanto, que em 2012, já havia uma agenda de mutirões, o que resultou no início da chamada Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, com o objetivo de disseminar os SAF na bacia hidrográfica para restaurar a paisagem florestal do Vale do Paraíba. O trabalho tem ênfase nas matas ciliares e corredores de vegetação. “Em três anos, levamos os SAF para mais de 60 unidades, fazendo com que a sociedade que vivenciava os mutirões passasse de reprodutor de um modelo dependente em insumos externos para pesquisador do próprio SAF”, afirma.

Seu Valdir Martins é um desses exemplos. Agricultor familiar assentado em 2005 no assentamento Nova Esperança 1, em São José dos Campos, começou a cultivar aquilo que já estava acostumado: feijão, arroz e milho. Com o tempo, introduziu na propriedade o cultivo de hortaliças, a partir da demanda dos consumidores. “O problema é que o solo da minha propriedade é 90% argiloso e 10% arenoso. Isso prejudica o cultivo. Comecei a usar algumas técnicas da agroecologia ainda em 2005”, conta.

A introdução dos conceitos agroecológicos começou devagar na propriedade de quatro hectares. Seu Valdir implantava aquilo que aprendia nos livros. Quando sua lavoura de mandioca começou a ter muitas doenças, conheceu o trabalho da APTA. Em uma visita na propriedade, Devide e Valdir assumiram uma parceria para implantar de vez o SAF. Hoje, o agricultor cultiva hortaliças e frutas, como poncã, goiaba, banana, jaca, manga, abacate, graviola e atemoia, e plantas como cambuci, juçara e cabeludinha. “Minha meta é melhorar a qualidade do solo. Identificamos que na minha propriedade tinha uma nascente no passado. Estamos tentando recuperá-la com SAF. Em seis anos, espero ver correr água aqui dentro”, explica.

Além da melhora no solo, Valdir afirma que a mudança na forma de cultivar resultou em melhoria na renda e na sua relação com a terra. A produção da propriedade é comercializada em uma feira exclusiva para produtores agroecológicos – criada pelos agricultores – e em um armazém em São Paulo. Em 2016, ele começou a dar cursos em sua propriedade para pequenos produtores e acompanha alguns deles que estão implantando o SAF, transferindo os conhecimentos. “Mais ainda tenho muito que aprender. Tem gente que tá muito na minha frente”, afirma.

Protagonismo
A noção de protagonismo na pesquisa foi estimulada pela forma com que os pesquisadores da APTA dialogaram com os agricultores, por meio da chamada metodologia participativa, ou “aprender fazendo”. “Usamos um método em que cada um ensina o que sabe e está aberto a experimentar inovações que a pesquisa validou de maneira conjunta, no arranjo, no manejo e na escolha do conjunto de espécies para formação do sistema. Nossa maior inovação está na forma de se relacionar com a sociedade, cujos princípios são norteados pela agroecologia”, diz o pesquisador.

Como exemplo, em 2009 a pesquisadora da Agência, Cristina Maria de Castro instalou na APTA, em Pindamonhangaba, um horto botânico com Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) e a árvore leguminosa gliricídia para adubação verde. Em 2016, seu SAF recebeu diversidade de mudas certificadas de cultivares de bananeiras resistentes às doenças, doadas pelos agricultores do Assentamento Nova Esperança, para a pesquisa participativa. “É preciso inovar com responsabilidade social e respeito ao meio ambiente. A pesquisa em agroecologia é feita com a participação dos agricultores como uma via de mão dupla, na qual damos e também recebemos novos conhecimentos” explica Cristina.

Construção de Rede de Pesquisa Participativa
O trabalho da Rede Agroflorestal ultrapassa a região e ganha contribuições de outros cantos do Estado, do País e do mundo todo, por meio do Facebook e de um blog. “A rede é formada por 150 pessoas, mas esse público expande muito com a internet. É muito comum recebermos mensagens com dúvidas sobre como começar a cultivar em sistemas agroflorestais e de pessoas que compartilham aquilo que sabem”, conta Devide.

A meta da APTA em 2017 é mapear onde estão iniciativas com SAF nas regiões do Vale do Paraíba, da Serra da Mantiqueira e no Litoral Norte, fomentando vivências nas áreas dos agricultores para o estudo dos sistemas com eles próprios, disseminando informações para o aperfeiçoamento do manejo com a troca de mudas e sementes para a diversificação dos SAF. “Essas atividades devem beneficiar a Rede, pois, é por meio do ‘fazer junto’ e de maneira decentralizada que fortalecemos as experiências locais e estreitamos os laços de confiança, acolhendo os novos atores que querem trabalhar com esse modo de produção, resgatando a mescla de informações de nossos índios e antepassados colonizadores em harmonia com o Planeta e os seres vivos”, afirma o pesquisador.

Para o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Arnaldo Jardim, o projeto mostra que é possível realizar uma agricultura harmônica com o ambiente. “Esta é uma das principais demandas do governador Geraldo Alckmin. Realizar estudos com outros sistemas de produção e ter essa interação com os agricultores são outras diretrizes do governo. Isso é muito positivo”, afirma.

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