Colômbia e a falência de um modelo de Estado
(*) Natali Hoff
Com um movimento contrário à proposta de reforma de Iván Duque, as manifestações na Colômbia duraram mais de 49 dias, mas o comitê de paralisação nacional, que reúne as principais centrais sindicais, decidiu suspender temporariamente as passeatas. Mas situação continua problemática no país.
A violência e a repressão policial a manifestantes, não apenas potencializaram a capacidade de mobilização dos colombianos, como também ampliaram o leque das reivindicações dos grupos sociais envolvidos. Na verdade, a situação atual colombiana é resultado das profundas clivagens sociais existentes no país e da incapacidade do Estado em responder de forma efetiva às contradições econômicas e securitárias no campo e nas cidades.
O movimento que tomou as ruas colombianas combina a mobilização de grupos vinculados à classe trabalhadora, aos campesinos e às populações indígenas, demonstrando que a reforma tributária constituía apenas um dos problemas que afligem a sociedade. Em essência, o que se observa na Colômbia é a falência de um modelo de Estado e os efeitos de uma política de paz negligenciada pelo governo.
O primeiro ponto para se compreender o que acontece na Colômbia é observar as características socioeconômicas desse país. A Colômbia é o segundo país mais desigual da América Latina, ficando atrás apenas do Brasil. A pandemia acabou favorecendo o aprofundamento das desigualdades sociais empurrando uma camada cada vez maior da população à situação de pobreza monetária.
Assim, quando o governo anunciou uma reforma tributária que terminaria por aumentar os impostos sobre renda e consumo, recaindo mais pesadamente sobre as classes média e baixa. Diante do atual cenário, a população rechaçou largamente tal medida, de modo que a adesão aos movimentos de rua se deu em larga escala.
Com a população colombiana nas ruas, especialmente aqueles grupos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade econômica e social, a resposta do governo foi a repressão e a violência. A polícia colombiana é altamente militarizada, treinada e aparatada para enfrentar grupos guerrilheiros e narcotraficantes. Por conseguinte, um dos efeitos da ‘guerra às drogas’ no país foi a construção de um aparato repressivo com capacidade de atender a uma política de confronto. A combinação entre a violência policial e a mobilização social foi catastrófica: logo após os primeiros dias de protestos os colombianos já contavam quantos manifestantes haviam perdido a vida em decorrência do uso excessivo da força pela Polícia Nacional. Esse cenário não teve como efeito a diminuição dos protestos. Muito pelo contrário, as manifestações passaram a se espalhar mais e a atrair mais colombianos.
As pessoas foram e se mantiveram nas ruas pelo cansaço de esperar que o Estado e as elites políticas se engajassem na luta pela promoção de maior justiça e paz social.
O fim da reforma já não é mais suficiente. A Colômbia, agora, aparenta estar nas ruas para condenar o habituspolítico no país – a violência. As manifestações criticam a inação do Estado colombiano ao longo de anos, que permite a propagação da violência como modo de vida em um contexto de desrespeito sistemático dos direitos humanos por atores clandestinos armados. Cabe ressaltar que no ano de 2016 a Colômbia assinou com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC-EP) acordos de paz considerados à época como a vanguarda da paz e estabilidade no país. Esses acordos, no entanto, apesar do otimismo inicial, vêm sendo reiteradamente desrespeitados pelo governo colombiano.
O governo colombiano, deveria iniciar uma reforma agrária e promover uma reconfiguração no campo para coibir o cultivo de uso ilícito (ligado à produção de cocaína). Assim, os grupos paramilitares ligados a narcotraficantes seriam enfraquecidos e a Colômbia poderia dar os primeiros passos na busca por uma sociedade mais justa. Todavia, a falta de compromisso do governo com os acordos de 2016 tem favorecido o aumento da violência política no país, principalmente direcionada a líderes sociais e a ex-guerrilheiros das FARC-EC signatários do tratado.
O aumento da violência nos últimos anos aliado a ampliação das desigualdades por conta da pandemia e do modelo neoliberal repercutem nas ruas. As vívidas contradições políticas e sociais instigam os manifestantes a permanecerem mobilizados e em busca de uma Colômbia diferente – mais igualitária, justa e pacífica. A violência acaba sendo usada como recurso para demandar a paz. Está mais do que claro que o pacto social colombiano já passou da hora de ser revisto.
(*) Natali Hoff é Mestra em Ciência Política pela UFPR e professora dos cursos de Relações Internacionais e Ciência Política no Centro Universitário Internacional Uninter.
A violência e a repressão policial a manifestantes, não apenas potencializaram a capacidade de mobilização dos colombianos, como também ampliaram o leque das reivindicações dos grupos sociais envolvidos. Na verdade, a situação atual colombiana é resultado das profundas clivagens sociais existentes no país e da incapacidade do Estado em responder de forma efetiva às contradições econômicas e securitárias no campo e nas cidades.
O movimento que tomou as ruas colombianas combina a mobilização de grupos vinculados à classe trabalhadora, aos campesinos e às populações indígenas, demonstrando que a reforma tributária constituía apenas um dos problemas que afligem a sociedade. Em essência, o que se observa na Colômbia é a falência de um modelo de Estado e os efeitos de uma política de paz negligenciada pelo governo.
O primeiro ponto para se compreender o que acontece na Colômbia é observar as características socioeconômicas desse país. A Colômbia é o segundo país mais desigual da América Latina, ficando atrás apenas do Brasil. A pandemia acabou favorecendo o aprofundamento das desigualdades sociais empurrando uma camada cada vez maior da população à situação de pobreza monetária.
Assim, quando o governo anunciou uma reforma tributária que terminaria por aumentar os impostos sobre renda e consumo, recaindo mais pesadamente sobre as classes média e baixa. Diante do atual cenário, a população rechaçou largamente tal medida, de modo que a adesão aos movimentos de rua se deu em larga escala.
Com a população colombiana nas ruas, especialmente aqueles grupos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade econômica e social, a resposta do governo foi a repressão e a violência. A polícia colombiana é altamente militarizada, treinada e aparatada para enfrentar grupos guerrilheiros e narcotraficantes. Por conseguinte, um dos efeitos da ‘guerra às drogas’ no país foi a construção de um aparato repressivo com capacidade de atender a uma política de confronto. A combinação entre a violência policial e a mobilização social foi catastrófica: logo após os primeiros dias de protestos os colombianos já contavam quantos manifestantes haviam perdido a vida em decorrência do uso excessivo da força pela Polícia Nacional. Esse cenário não teve como efeito a diminuição dos protestos. Muito pelo contrário, as manifestações passaram a se espalhar mais e a atrair mais colombianos.
As pessoas foram e se mantiveram nas ruas pelo cansaço de esperar que o Estado e as elites políticas se engajassem na luta pela promoção de maior justiça e paz social.
O fim da reforma já não é mais suficiente. A Colômbia, agora, aparenta estar nas ruas para condenar o habituspolítico no país – a violência. As manifestações criticam a inação do Estado colombiano ao longo de anos, que permite a propagação da violência como modo de vida em um contexto de desrespeito sistemático dos direitos humanos por atores clandestinos armados. Cabe ressaltar que no ano de 2016 a Colômbia assinou com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC-EP) acordos de paz considerados à época como a vanguarda da paz e estabilidade no país. Esses acordos, no entanto, apesar do otimismo inicial, vêm sendo reiteradamente desrespeitados pelo governo colombiano.
O governo colombiano, deveria iniciar uma reforma agrária e promover uma reconfiguração no campo para coibir o cultivo de uso ilícito (ligado à produção de cocaína). Assim, os grupos paramilitares ligados a narcotraficantes seriam enfraquecidos e a Colômbia poderia dar os primeiros passos na busca por uma sociedade mais justa. Todavia, a falta de compromisso do governo com os acordos de 2016 tem favorecido o aumento da violência política no país, principalmente direcionada a líderes sociais e a ex-guerrilheiros das FARC-EC signatários do tratado.
O aumento da violência nos últimos anos aliado a ampliação das desigualdades por conta da pandemia e do modelo neoliberal repercutem nas ruas. As vívidas contradições políticas e sociais instigam os manifestantes a permanecerem mobilizados e em busca de uma Colômbia diferente – mais igualitária, justa e pacífica. A violência acaba sendo usada como recurso para demandar a paz. Está mais do que claro que o pacto social colombiano já passou da hora de ser revisto.
(*) Natali Hoff é Mestra em Ciência Política pela UFPR e professora dos cursos de Relações Internacionais e Ciência Política no Centro Universitário Internacional Uninter.
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