Linguagem inclusiva: da vida para a língua
Por Vivian Rio Stella*
Todes, todxs, tod@s, todas e todos. O
uso do chamado “gênero neutro” está acontecendo em empresas, universidades,
escolas, algo que vem ocorrendo há alguns anos e foi impulsionado,
principalmente, pelas redes sociais e publicidade. Marcas que se posicionam
como mais modernas, inclusivas e com políticas de diversidade decidem pelo uso
de ‘e’, ‘x’ e ‘@’ em vez de usar marcadores de masculino e feminino, para
contemplar os indivíduos não binários que não se identificam com os dois
gêneros pré-definidos.
Na área acadêmica, por exemplo, o uso de
“car@s” em e-mails e documentos ocorre há pelo menos dez anos. Em outros
contextos, disseminou-se o uso do “x”. Quais são os problemas dessas duas
marcações? Qualquer dispositivo que se valha de áudio não consegue identificar
o som a ser pronunciado ao se deparar com “todxs”. Então, passou-se a adotar a
forma ‘e’ para marcar o “gênero neutro”.
Esse breve percurso não se pretende
científico, mas aproveito o espaço para esclarecer o papel do linguista,
cientista da linguagem, pouco consultado quando a polêmica surge ou quando
empresas e outras instituições decidem ou não pelo uso da linguagem inclusiva.
Nosso papel como estudiosos dos fenômenos da língua não é ser normativo para
determinar se devemos usar uma forma ou outra, mas sim estudar como é a
ocorrência desses marcadores nas suas mais variadas formas, contextos de fala
ou escrita, tipos de palavras em que a variação ocorre e articular com o
sistema da língua.
Vale pontuar também que nada é neutro em
linguagem, por isso você lê o termo “gênero neutro” neste texto marcado entre
aspas. Quando uma marca escolhe usar o ‘e’ em palavras de seus posts,
comunicados ou campanhas, ela se filia a um discurso inclusivo, em prol da
diversidade. Há, inclusive, empresas que usam o “todes”, mas que não tem
políticas inclusivas efetivas, não só para LGBTQIA+, mas também para as
mulheres, os negros, as pessoas com deficiência. E essa é sempre a ponderação
que faço quando sou consultada sobre usar ou não o “e”: em que medida há
práticas inclusivas e em que medida é só colocar esse marcador não binário na
língua e o discurso não refletir a prática? Porque o essencial é que a escolha
linguística acompanhe as práticas culturais da instituição e da sociedade como
um todo.
O tema do tal “gênero neutro”, que, na
verdade, é sobre linguagem inclusiva é, no mínimo, polêmico, porque ainda
existe um imaginário de que a língua é imutável, como se ela fosse uma joia
preciosa, muito associada à gramática e a chamada “norma culta”. Como Marcos
Bagno e tantos outros linguistas afirmam, a língua não pode ser usada como
instrumento de exclusão. A língua é viva, complexa, inclusiva, diversa, uma
atividade interativa e, portanto, feita pelos falantes nos contextos de uso.
Negar ou criticar os usos é assumir uma
postura normativa em relação à língua. Especificamente, sobre o uso de
termos inclusivos e marcadores não binários nas palavras, é importante pontuar
que, desde 2005, circulam documentos elaborados por órgãos públicos de
diferentes estados que estimulam uma linguagem menos excludente.
Língua e sociedade caminham e se
transformam mutuamente e as escolhas linguísticas não são um retrato, mas um
trato do mundo. Ao escolher por “todes”, “todas e todos” ou “todos”, revelamos
nossa visão de mundo, nossa forma de lidar com ele, por meio das palavras, a
identidade que queremos projetar para as pessoas com quem interagimos.
Não há neutralidade no uso da língua, o
que precisa haver são práticas inclusivas, menos preconceito e julgamento, mais
abertura às mudanças na língua e na sociedade. Discutir o uso de “todes” é a
ponta do iceberg.
*Vivian Rio Stella é doutora em
linguística pela Unicamp, com pós-doutorado pela PUC-SP, especialista em
comunicação. Idealizadora da VRS Academy. Professora da Casa do Saber, da Aberje
e da Cásper Líbero. Começou a realizar textos, produzir materiais didáticos e a
dar curso sobre redação de e-mails, e do mundo da academia queria migrar para o
mundo corporativo. Passou anos como consultora até que montou a VRS Academy
para ministrar seus próprios cursos e empreender com liberdade.
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