A matriz de riscos na nova lei de licitações aumentará a segurança jurídica?
Artigo de autoria do Mestre em Direito Administrativo Andre Bonat Cordeiro
Com o advento da nova Lei de Licitações,
adveio também previsão expressa da “matriz de riscos” no texto legal
pretensamente unificado para todos os certames. O instituto não é novo. Ele já
era previsto na Lei n. 11.079/2004 (Lei das PPPs), onde constava a "repartição
de riscos entre as partes" como uma das diretrizes do processo
licitatório. Também era previsto na Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC) como
cláusula obrigatória nos casos de contratação integrada. E, de igual forma, era
previsto na Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais), como cláusula dos contratos
por ela regrados.
Entretanto, na revogada Lei de
Licitações (8666/93) não havia esta previsão. Credita-se isso ao fato de que a
antiga Lei de Licitações foi promulgada em época em que a Administração Pública
pressupunha que eventos contratuais futuros e incertos seriam solucionáveis com
base em teorias administrativas tradicionais (imprevisão, fato da
administração, fato do príncipe) e que eventuais imprevistos nos contratos
estariam apenas na álea extraordinária, por se acreditar na completude dos
elementos relacionados à fase pré-contratual e contratual propriamente dita. Ou
seja, pretensamente o legislador presumiu que o Poder Público não erra, ou
melhor, que é sempre detalhista nas previsões dos eventos contratuais
possíveis, a ponto de não haverem situações insolúveis à luz dos fundamentos
ordinários.
A experiência da aplicabilidade da Lei
de Licitações nos mais de 27 anos de sua vigência demonstra exatamente o
contrário. Os projetos licitados são, via de regra, incompletos ou, quando
envolvem objetos mais complexos, abarcam pontos sequer imaginados ou muitas
vezes tecnicamente desconhecidos os entes licitadores. Tecnologias novas não
são previstas, condições de execução não são conhecidas, materiais similares e
mais econômicos são ignorados. E mais, contratos de muitos anos – no caso de
concessões, por exemplo – ficam sujeitos a mutações fáticas, que naturalmente
não poderiam ser previstas 15 ou 20 anos antes das suas ocorrências.
É exatamente nestes momentos que os
riscos e benefícios surgidos na execução do contrato precisam ser previstos
antecipadamente, para evitar intermináveis discussões, que, via de regra,
desaguam no Poder Judiciário. Ou seja, quem perde com as indefinições são as
Partes envolvidas no contrato e a sociedade que, muitas vezes, fica privada da
conclusão de serviços e obras, dos quais poderia usufruir.
A previsão da matriz de riscos como
cláusula contratual surgiu justamente para tentar antever problemas e imputar
previamente o responsável pelas soluções.
Embora se trate de cláusula contratual
que - como visto - não é nova no nosso ordenamento jurídico, na Lei de
Licitações revogada ela não estava prevista. Apenas com o advento da nova
legislação licitatória (Lei n. 14133/2021) é que ela passou a constar como
obrigatória, ainda assim para casos específicos. A ideia é dar mais
previsibilidade à execução dos contratos, através de maior segurança jurídica.
Se bem implementada a matriz de riscos, ela pode fazer com que players de maior experiência
e melhor técnica sintam-se atraídos para participar dos certames, o que não vem
ocorrendo em muitas licitações recentemente.
A nova Lei de Licitações seguiu a linha
de prever a matriz de riscos como cláusula contratual, porém, deixando-a como
opcional em muitos casos e obrigatória apenas nos contratos de grande
vulto (que ultrapassem R$ 200 milhões), na contratação integrada e na
semi-integrada (conforme se conclui da interpretação conjunta dos artigos 22,
§3º, 92, inc. IX, e 103, todos da Lei 14133/2021).
São preferencialmente transferidos aos
contratados riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras e, por outro
lado, transferidos para a Administração Pública contratante riscos mais
direcionados ao poder público pela sua própria condição.
Quando respeitadas as condições do
contrato e a matriz de riscos, entende-se que não haverá violação do equilíbrio
econômico-financeiro, renunciando as partes os pedidos de reequilíbrio
relacionados aos riscos contratualmente assumidos, com exceção daqueles concernentes
a alterações unilaterais ditadas pela Administração Pública e a alterações
legislativas que impactem na carga tributária incidente sobre o objeto
contratado.
Naturalmente que a previsão da matriz de
riscos não exclui a submissão dos contratos administrativos à teoria da
imprevisão. Fatos supervenientes extraordinários e não definidos na matriz de
riscos permanecem sujeitos à pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro.
E, evidentemente, é desnecessário dizer
que a completude da matriz de riscos é fundamental para os impasses não
surgirem ou serem mais fáceis de solução. A alocação dos riscos precisa seguir
critérios técnico-científicos compatíveis à realidade do objeto contratual. Do
contrário, estar-se-á diante de matriz de riscos incompleta ou inadequada ao
fim a que ela deveria se destinar, o que certamente não é o objetivo das Partes
integrantes dos contratos administrativos.
Deve-se, portanto, buscar a adequação da
matriz de riscos, como instrumento de solução, e não de mais problemas.
Artigo de autoria de Andre Bonat
Cordeiro, Mestre em Direito Administrativo e sócio de AMSBC Sociedade de
Advogados (www.amsbc.com.br)
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