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A Trilha Sonora de uma Olimpíada Extraordinária

(*) Alysson Siqueira

Divulgação
Ficará marcado na história que os Jogos Olímpicos de 2020 foram realizados em 2021, com um ano de atraso. Mas além do fato curioso, muitas características peculiares marcam a realização dessa edição dos jogos, entre elas, a sonoridade. Não faltam os hinos nacionais – identidade sonora dos países representados pelos campeões. Também teve aquela música soando ao fundo enquanto os apresentadores narram a entrada das delegações na cerimônia de abertura e, claro, esse grande evento inicial é sempre repleto de música nacional e também universal, como “Imagine” de John Lennon.

 Mas quando tratamos de trilha sonora, nos referimos a todo o universo sonoro que se associa à cena. Além da música, existem ruídos contínuos de fundo, ruídos esporádicos, vozes, falas, gritos, e todo tipo de som. Em um evento esportivo existe um background composto pelos sons ambientes e murmúrio vindo das arquibancadas. Existem gritos, coros de torcida e reações espontâneas individuais ou coletivas, como na comemoração de um gol.

Em 17 de setembro de 2020, o sueco Armand Duplants atingiu a marca impressionante de 6,15 metros no salto com vara e bateu o recorde mundial de Sergey Bubka que perdurava por 26 anos. Um feito digno de ovações da multidão. Porém, a conquista histórica foi sonorizada pelo locutor do evento e pela reação entusiasmada das pessoas que trabalhavam na pista de atletismo.

Os jogos Olímpicos do Japão viveram um dilema em relação à presença de público nas arenas. A organização dos jogos chegou a anunciar a liberação da ocupação de 50% das arenas, limitada ao público de 10 mil espectadores, mas por fim prevaleceu a preocupação em relação ao crescente número de casos da COVID-19 em Tóquio, e as arquibancadas ficaram sem público. Sem espectadores externos, mas com atletas e colaboradores testemunhando presencialmente e sonorizando, com uma massa sonora rarefeita, os feitos históricos dos Jogo Olímpicos.

 A ausência de torcedores de todas as nações traz consequências visuais e sonoras. O protagonismo sonoro é total dos gritos dos atletas, dos treinadores, dos narradores, dos sons da arbitragem, da mão batendo na bola, da bola encostando na rede, dos corpos quebrando barreiras, de humanos desafiando limites e do “Baile de Favela” sendo banhado a ouro. E de tudo isso reverberando muito mais em construções monumentais vazias. Ao medalhista de ouro, cabe um solo do hino de seu país, ao invés de um grande coro formado por centenas ou milhares de vozes dos torcedores.

Poderia ser triste, mas não é. Pelo contrário, tão somente a realização dos jogos, a volta dos aplausos, dos “ahs” e dos “uhs”, ainda que em intensidade reduzida, indica que estamos com a vitória encaminhada: a vitória da vida contra um vírus que desde o início de 2020 nos tem silenciado.

(*) Alysson Siqueira é Mestre em Música pela UFPR e professor da Área de Linguagens Cultural e Corporal do Centro Universitário Internacional Uninter. 

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