Mercado, Estado e desenvolvimento
João Carlos Marchesan*
A crise econômica de 2008, que obrigou os Estados a intervir no mercado para evitar um problema sistêmico, abalou a crença na auto regulação do mercado. Nos dois últimos anos, a pandemia causada pela Covid19 provou que a ação do Estado continua sendo indispensável no enfrentamento de uma crise, apesar da escola econômica dominante nos últimos quarenta anos pregar exatamente o contrário, obrigando a maioria dos países a repensar sua gestão econômica.
Boa parte dos países
ocidentais desenvolvidos passou a reavaliar o papel do Estado na formulação de
políticas públicas de desenvolvimento, na coordenação dos esforços do setor
privado e no direcionamento do desenvolvimento no sentido de uma economia
mais sustentável e mais autossuficiente, tanto em produção, como em capacitação
tecnológica. A carência de produtos essenciais para enfrentar a pandemia e a
excessiva dependência de importações assustou os governantes e mudou o
pensamento dos governos.
A Alemanha, através de
seu ministro da economia, Peter Altmaier, foi a primeira, entre as potências
ocidentais, a reconhecer, explicitamente, que uma indústria forte,
diversificada e complexa é condição essencial à manutenção do bem estar de sua
sociedade e que a manutenção de uma indústria forte e competitiva passava pelo
apoio do Estado alemão, inclusive para enfrentar o desafio do programa “Made in
China 2025”, adotado pelo governo chinês. Os americanos ainda acreditavam, na
época, que seria possível limitar o crescimento da China através de sanções
econômicas.
A falta de resultados
da tentativa do Trump de conter o desenvolvimento chinês, e a eleição do
Biden à presidência dos Estados Unidos, alteraram a relação de forças entre os
defensores do mercado e os de um papel mais ativo do Estado. A declaração de
Biden, de que foram os trabalhadores que construíram os EUA e não o pessoal de
Wall Street, é sintomática da nova relação de forças. O resultado, no mundo
todo, foi uma mudança mais ou menos explicita a favor de políticas públicas de
desenvolvimento para apoiar e direcionar o crescimento para uma economia mais
verde e menos desigual.
Não se trata de voltar
ao centralismo econômico mesmo porque todos continuam reconhecendo os méritos
do mercado. Trata se de reconhecer que o Estado tem um papel importante a
cumprir no desenvolvimento dos países. Assim, após 70 anos nos quais se
acreditou que o Estado podia resolver tudo, e mais 40 anos em que a crença no
mercado autossuficiente foi hegemónica, parece que o meio termo passa a ser o
modelo vencedor.
Este difícil equilíbrio
entre Estado e mercado é um desafio considerável, visto que não há um modelo
consensual que defina os limites da atuação de um ou de outro. É nesta difícil
arte de administrar as virtudes e os defeitos de ambos os atores, e de tirar o
melhor de cada um, que parece residir a chave do sucesso do desenvolvimento
econômico. De qualquer modo, parece indiscutível que o papel do Estado como
regulador, indutor e direcionador do crescimento econômico e, simultaneamente,
provedor do apoio necessário à capacitação tecnológica, ao P&D e inovação é
insubstituível.
Neste cenário de
mudanças econômicas e geopolíticas, o Brasil não está participando como ator,
ainda que coadjuvante, e está se limitando ao papel de mero espectador.
Isto num país com mais
de um terço de sua mão de obra desempregada ou sub ocupada, que não cresce e
não gera empregos suficientes, onde os investimentos em infraestrutura não são
suficientes sequer para repor a depreciação dos ativos e onde a fome e a
miséria absoluta crescem acentuadamente. Os setores, extrativo mineral e agropecuário
vão bem, puxados pelo mercado externo, mas, sozinhos, não são capazes de
garantir nem o crescimento nem muito menos os empregos necessários para
melhorar as condições sociais e reduzir as desigualdades.
Se como dizem os
alemães, hoje secundados por outros países, que a continuidade do bem estar de
sua sociedade depende da existência de uma indústria competitiva, diversificada
e sofisticada, então o Brasil tem sérios problemas pela frente. A indústria de
transformação brasileira que já foi a locomotiva do crescimento brasileiro com
seus 25% do PIB, no fim dos anos 70, está reduzida a pouco mais de 10% do PIB
com uma estrutura produtiva muito menos sofisticada do que na década de 70,
tendo concentrado suas perdas, principalmente, nos setores de média e alta
tecnologia. No entanto, os números do desempenho do primeiro semestre do ano
indicam uma franca recuperação, o que nos coloca em posição de
expectativas positivas.
Fortalecer nossa
indústria através de maior capacitação tecnológica, na direção de uma economia
mais verde não é papel que possa ser desempenhado pelo mercado isoladamente. O
apoio do Estado, através de políticas públicas de desenvolvimento e do suporte
continuado à formação de recursos humanos e à pesquisa básica e aplicada é
indispensável para que esta nova indústria possa cumprir seu papel de gerar
empregos de qualidade, de melhorar a produtividade sua e dos demais setores e
de levar o país de volta ao crescimento sustentado.
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