ANM quer reduzir sonegação fiscal no setor e vai treinar prefeituras para fiscalizar 'royalties' da mineração
Iniciativa visa melhorar efetividade quanto ao recolhimento de royalties minerais (CFEM); multas e autuações ficam a cargo da ANM
O acordo
de cooperação técnica – inédito - entre Agência Nacional de Mineração
(ANM) e cidades mineradoras vai fortalecer o sistema de acompanhamento de lavra
e fiscalização buscando minimizar a sonegação fiscal no
recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM).
Ao celebrar os acordos com as
prefeituras, a Agência vai ganhar um reforço considerável já nesse primeiro
momento. Se considerarmos apenas os profissionais indicados pelos município
associados à AMIG, a estrutura de fiscalização aumentará mais de 900%. Serão 63
fiscais das cidades que se juntarão aos 7 fiscais da ANM que atuam na
fiscalização da CFEM do país. Esse salto vai permitir uma eficiência expressiva
no trabalho desenvolvido pela Agência.
A Associação dos Municípios Mineradores
de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) foi a responsável pela construção da
iniciativa entre ANM e as cidades. Na visão da AMIG, os prejuízos decorrentes
do recolhimento de CFEM em valores menores aos realmente devidos não são apenas
financeiros, uma vez que impactam negativamente toda a cadeia de políticas
públicas que poderiam estar sendo desenvolvidas pelos municípios, com reflexos
no desenvolvimento econômico e social, além das questões de sustentabilidade
ambiental. A AMIG avalia ainda que a parceria vai iniciar um novo momento na
mineração no Brasil.
Por que isso importa?
- A CGU
já sinalizou que a falta de servidores da ANM habilitados para atuar na
fiscalização da CFEM estimula práticas que geram prejuízos ao país;
- Brasil
conta com mais de 2600 cidades com mineração. ANM possui apenas 7 fiscais
que fiscalizam até 30 mineradoras por ano. Parceria vai aumentar em nove
vezes a capacidade de fiscalização “in loco” da ANM;
- Convênio
não cria insegurança jurídica para o setor produtivo. STF entende que
fiscalização não compete exclusivamente à União.
MAIS FISCALIZAÇÃO, MAIOR A ARRECADAÇÃO
Popularmente conhecida como royalties do
minério, a CFEM é uma importante fonte de receita para União, estados e
municípios. Ela não é um imposto, mas sim uma devida participação do poder
público no resultado da exploração dos recursos minerais brasileiros. A
alíquota incide sobre o faturamento: saída por venda do produto mineral das áreas
da jazida, mina, salina ou outros depósitos minerais, assim como a
transformação industrial do produto mineral ou mesmo o seu consumo por parte do
minerador. Todas devem declarar CFEM, independentemente do porte, até mesmo uma
pequena empresa que extrai brita, areia, quartzito, água mineral.
De acordo com o Superintendente Interino
de Arrecadação da ANM, Etivaldo Rodrigues da Silva, após a assinatura dos
acordos, os 63 servidores indicados pelas prefeituras, que serão os fiscais
nesse trabalho conjunto, receberão treinamento e capacitação pela ANM. “A
expectativa é que os servidores estejam aptos até o final do ano para
participar de fiscalizações constantes no Plano Anual de Fiscalização da CFEM
2021. Os municípios também poderão criar um consórcio, por intermédio da AMIG,
para cessão dos profissionais”, explica Etivaldo. As capacitações se iniciam em
setembro.
Atualmente, a ANM consegue fiscalizar 30
empresas por ano. Para Etivaldo Rodrigues esse número deve dobrar e até mesmo
triplicar com a parceria. “A diretoria colegiada da Agência está focada no
crescimento da mineração e nesse novo momento que teremos ao trabalhar com os
municípios. Temos 2.600 municípios com mineração, ou seja, 50% dos municípios
brasileiros. Com esse trabalho conjunto poderemos aumentar o número de
municípios a receber a CFEM, melhorando assim a qualidade de vida da sociedade
e estreitar a parceria e o relacionamento com os municípios”, conclui.
Em 2020 foi arrecadado R$ 6 bilhões em
royalties, a expectativa nesse ano é em torno de R$ 9 bilhões
– até junho foi arrecadado R$ 4,5 bilhões. Valores que provavelmente irão
crescer já no próximo ano com uma fiscalização mais ampla na visão dos
consultores e analistas da AMIG.
Ao olhar as cifras bilionárias de
recolhimento da CFEM no Brasil, o consultor de Relações Institucionais e
Econômicas da AMIG, Waldir Salvador observa que o crescimento recorde em
arrecadação da CFEM não está atrelado ao aumento de fiscalização da ANM. “Está
ligado exclusivamente a variação cambial e pelo apetite dos mercados asiáticos,
europeus e americanos pelas commodities brasileiras”, explica. “Imagina o que
pode acontecer agora com 63 novos fiscais?”, indaga em tom otimista.
CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO
Com um país de dimensão continental e a
ANM – a agência regulatória do setor – que sofre contingenciamento de recursos,
a sonegação fiscal no setor extrativista brasileiro ainda é uma triste
realidade. Na avaliação de analistas, corroborados pelo relatório da CGU, o
Brasil poderia ter uma arrecadação ainda maior se não fosse a falta de
fiscalização.
Um caso emblemático serve de termômetro
para a falta de recursos da Agência. Publicado em abril de 2019, pela
Controladoria Geral da União (CGU) ao divulgar
relatório na avaliação dos procedimentos e ferramentas utilizados
pela ANM na cobrança das receitas da CFEM e da Taxa Anual por Hectares
(TAH) na Gerência Regional de Minas Gerais, relativo ao exercício
de 2018.
No documento, a CGU aponta, entre outros
pontos, que: “a Gerência Regional da Agência não possui pessoal suficiente para
exercer as atividades de emissão de documentos e cobrança da CFEM, além de não
ter os controles necessários para evitar a prescrição e decadência dos valores
a receber, prejudicando a arrecadação das contribuições e taxas”. Sobre o fato
da ANM em Minas possuir apenas três servidores habilitados para atuar na
fiscalização da CFEM, a CGU destacou que isso estimula a sonegação e, por
consequência, reduz a arrecadação de royalties da mineração. Em 2018, foram
apurados pela fiscalização mais R$8,5 milhões devidos e menos de cinco por
centro (4,4%) foi recolhido pela fiscalização.
EXPLORAÇÃO CLANDESTINA
O consultor de Relações Institucionais e
Econômicas da AMIG volta advertir como a sonegação fiscal no setor de mineração
é algo preocupante e que não se trata apenas de pedras preciosas aqui ou acolá
contrabandeadas. Waldir Salvador chama atenção para explorações clandestinas de
minério que sonegam toneladas em impostos e CFEM. Ele cita dois exemplos sobre
comboios de carretas no Pará e em Minas Gerais.
Em agosto do ano passado, a Polícia
Federal apreendeu cerca de 70
mil toneladas de manganês em um porto no estado do Pará. Dois meses após a
operação, a PF instaurou novas fases da Operação
Rota do Minério no sudeste do estado. “É explícita a sonegação”, comenta.
Em Minas Gerais, a população da cidade
de Doresópolis está habituada a ver a mineradora local transportar carretas e
mais carretas com calcário a noite, horário esse que dificulta as operações de
fiscalização. Um dos indícios de sonegação, é que a empresa declarou o
recolhimento de CFEM apenas em janeiro e fevereiro deste ano. Os últimos meses
não foram declarados.
PROVISIONAMENTO EM BALANÇOS FINANCEIROS
As grandes mineradoras no Brasil também
se inserem no quadro de sonegação fiscal. Na avaliação dos analistas da AMIG, o
texto da lei é claro quanto ao recolhimento de CFEM e, ainda assim,
judicializações e questionamentos por parte das empresas ocorrem com frequência
quanto a valores a serem declarados e ou recolhidos. Na visão da entidade, o
Brasil perde centenas de milhões com prescrição. Casos se arrastam por
anos.
Os analistas tributários da AMIG chamam
atenção para as cifras bilionárias de provisionamento que as mineradoras
declaram nos balanços financeiros publicados na Comissão de Valores Mobiliários
(CVM).
Referente aos valores consolidados do
ano passado, a maior mineradora do país, Vale S.A., por exemplo, anotou: “os
processos decorrentes de autuações promovidas pela ANM, cujas principais
discussões envolvem a dedução dos tributos, dos custos de seguros e transportes
destacados em nota fiscal na apuração da CFEM, além da incidência deste royalty
sobre pelotas e receitas das vendas realizadas pelas controladas da Companhia
no exterior. O valor total em discussão é de, aproximadamente, R$11,1bilhões,
incluindo juros e multas, até 31 de dezembro de 2020”.
GRUPO DE TRABALHO DA ANM
Em 2018, com a finalidade de reavaliar
débitos da CFEM em diversos processos, em virtude da decisão do STJ no processo
756530 ao qual a mineradora pagou mais de R$ 1,1 bilhões de reais pela dedução
indevida de transportes na CFEM. A ANM determinou um grupo de trabalho GT 2018
- formado por técnicos da ANM, AMIG, municípios interessados e Vale S.A -
para aferição e dedução dos pagamentos efetivados pela mineradora, nos
processos de cobrança existentes.
A mineradora foi notificada em última
instância administrativa para manifestação sobre o restante do débito apurado
pela agência. Não havendo regularização do débito será encaminhado para
providências judiciais pela ANM.
SEGURANÇA JURÍDICA
Ao julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade ADI 4606, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou
entendimento, na visão da AMIG, que estados e municípios possam realizar
fiscalização de CFEM, desde de que respeitando os limites legais.
“O STF abriu precedente para que estados
e municípios possam realizar fiscalização. Estamos legitimados, não há mais o
que questionar”, destaca Waldir Salvador. “Portanto, os municípios têm que
criar mecanismos para exercer este poder, que é, na verdade, um poder-dever e a
AMIG está auxiliando neste processo”, afirma o executivo da AMIG.
Na mesma linha, o presidente da AMIG,
José Fernando Aparecido, afastou a hipótese de que o convênio entre ANM e
cidades mineradoras cria um ambiente de insegurança jurídica no País. Em
seguida, arrematou que o sucateamento da Agência Regulatória por parte do
Governo Federal é que abriu precedentes de impactos sociais e econômicos
imensuráveis ao Brasil. Por fim, defendeu uma ANM mais forte e
estruturada.
Questionado se as cidades não estariam
fazendo o papel do Governo Federal, Waldir Salvador pontuou que em parte isso é
verdade, mas que isso não significa falta de capacidade dos municípios em
realizar fiscalização. O executivo da AMIG enalteceu o convênio e explicou que
é rotina das prefeituras fazerem fiscalização tributária dos seus
contribuintes e que as cidades sabem o que é CFEM.
“É verdade que os municípios estão
fazendo um papel que o estado deveria fazer, mas os municípios conhecem sim de
fiscalização e o que estão aprendendo agora são os procedimentos sobre
fiscalização de CFEM. O que muda, é que elas vão conhecer por dentro os
procedimentos de fiscalização dos royalties declarados pelas empresas
mineradoras”, pontua Salvador.
Ele explica ainda que a Nova Lei do
Royalties e a lei que criou a Agência Nacional de Mineração legalizaram – em
âmbito administrativo – essa possibilidade. “Toda prefeitura tem secretaria de
fazenda, tem fiscal. A fiscalização agora será feita in loco, olho no olho.
Podemos recolher documentos, fazer estudos e análises junto a ANM”.
Notificações, autuações e multas continuam sendo de competência da Agência.
“Poderemos comparar o que se declara de CFEM com o que se declara de ICMS e
Imposto de Renda. Vamos poder trocar figurinha com a Receita Federal. Isso é um
avanço”, celebra. E cai um tabu de que o município não tinha nem direito de
conversar sobre o assunto”, enfatiza.
FISCALIZAÇÃO GEOLÓGICA EM LAVRA DE
PEQUENO PORTE.
A expectativa dos dirigentes da ANM e da
AMIG é que o trabalho com os municípios se estenda também para a fiscalização
geológica em lavras de pequeno porte. Mas os termos sobre uma nova parceria
estão sendo debatidos e deve ficar para o ano que vem. “Os municípios serão
treinados e capacitados para a pesquisa geológica, especialmente nas lavras
garimpeiras e nas lavras de pequeno porte”, explica Waldir Salvador.
EVASÃO FISCAL
A Associação dos Municípios Mineradores
de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) chama atenção ainda para práticas de evasão
fiscal nas exportações das commodities minerais. Muitas indústrias vendem para
elas mesmas – tais como subsidiárias e empresas do mesmo grupo - a tonelada de
minério pela metade do preço, reduzindo assim a tributação.
Esse artifício fiscal foi alvo de um
levantamento do Instituto de Justiça Fiscal (IJF) – organização formada por
economistas e auditores fiscais da Receita Federal. Eles apontaram
evasão fiscal de até US$13 bilhões do Brasil. A única solução para combater
tal fuga de capital, na visão da AMIG, é uma fiscalização mais rigorosa por
parte dos órgãos federais.
De acordo estudo do IJF, somente com
Imposto de Renda e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a mineradora
Vale S.A. teria realizado uma fuga de capital da ordem de US$ 6,2 bilhões
entre os anos de 2009 e 2015. A mineradora nega.
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