Falhas no reconhecimento de suspeitos mobilizam Justiça
Entidade trabalha na elaboração de diretrizes para nortear o reconhecimento; especialista defende mudanças
O Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) criou um grupo de trabalho para regulamentar as
diretrizes e procedimentos para o reconhecimento pessoal em processos
criminais. A medida foi anunciada após a divulgação de pesquisas e de inúmeros
casos de condenações de inocentes por meio de reconhecimentos pessoais falhos. “O artigo 226 do Código de Processo
Penal (CPP) estabelece a forma como esse reconhecimento deve ser conduzido,
mas, em muitos casos, dá margem para que injustiças ocorram”,
afirma o advogado
criminalista Rafael Maluf.
Um estudo da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) feito em 10 estados
revelou que 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado resultaram
na decretação da prisão preventiva, que duraram em média 9 meses. Ainda segundo
o estudo, em 83% dos casos de reconhecimento equivocado, as pessoas apontadas
eram negras.
Em comunicado
no site do CNJ, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogerio
Schietti Machado Cruz, que coordenará o grupo de estudos, avalia que os
procedimentos descritos no CPP não são seguidos com rigor.
Segundo o CPP,
a testemunha deve, antes de tudo, fornecer as características da pessoa que
será reconhecida. “Só
depois a vítima ou testemunha deve ser conduzida ao local de reconhecimento
para apontar o suposto autor do crime. Além disso, as pessoas submetidas ao
reconhecimento devem ter características semelhantes”, completa
Rafael Maluf.
Ainda segundo
o artigo 226 do CPP, o reconhecimento deve ser feito sem que o suspeito veja a
testemunha se houver indicativos de que ela possa se sentir constrangida ou
ameaçada.
Diante dos
inúmeros casos de injustiças relatados na imprensa, criminalistas e entidades
que atuam na defesa de réus para reverter condenações injustas, como a ONG
Innocence Project Brasil, defendem mudanças na forma como esses reconhecimentos
são feitos hoje.
resultaram em decretação da prisão preventiva (Freepik)
Prova única
Na
avaliação do criminalista Rafael Maluf, além do descumprimento da metodologia
dos reconhecimentos, outro problema recorrente é a aplicação de condenações
baseadas exclusivamente em reconhecimento do autor. “Não é possível que uma prova isolada
dessa natureza seja suficiente para condenar o réu. Quando se tem apenas o
reconhecimento, e quando observamos que não há cumprimento do CPP quanto à
metodologia do processo, o que temos é uma probabilidade muito grande de que o
judiciário cometa injustiças, condenando um inocente e, consequentemente,
gerando impunidade ao real autor do delito”, completa.
Em maio, o STJ
decidiu que o reconhecimento fotográfico ou presencial feito sem a observância
do artigo 226 não é evidência segura da autoria de um crime. Na ocasião, o
ministro Reynaldo Soares da Fonseca, afirmou que o reconhecimento fotográfico é
uma prova inicial a ser ratificada pelo reconhecimento presencial e, ainda
assim, não pode servir como única prova da autoria de um crime.
Reformulação CPP
Além desse
grupo de estudos do CNJ, mudanças no reconhecimento também são discutidas na
Câmara dos Deputados, que debate uma série de alterações no CPP.
Entre as
propostas estudadas está a de fazer perguntas para a testemunha ou vítima sobre
a distância do suspeito e tempo que visualizou o rosto. Além disso, foi
discutida a possibilidade de informar a testemunha que nenhum dos suspeitos
apresentados pode ser, de fato, o criminoso.
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