Madero: IPO ou Recuperação extrajudicial?
Nas últimas semanas vimos notícias sobre a situação financeira da rede de restaurantes Madero, cujo balanço do 1T2021 apontou endividamento bancário elevado (aproximadamente 4x o EBITDA da empresa, o que já configura distress), sendo grande parte dessas dívidas com vencimento em até 12 meses.
O cenário vivido pelo
Madero não é diferente do cenário que viveram os 250 mil bares e restaurantes
que fecharam as portas na pandemia, somente no estado de São Paulo. O que muda
é que o Madero ainda tem balanço patrimonial para lastrear a emissão de novas
dívidas para sustentar sua geração negativa de caixa, e a confiança de seus
principais financiadores para a rolagem da dívida.
As demonstrações
financeiras do Madero demonstram claramente a deterioração do patrimônio
líquido, queda na geração de caixa, aumento expressivo no endividamento e
redução de receitas e margens. Até aí, tudo normal e dentro do esperado num
cenário de crise como o vivido atualmente.
O que chamou a atenção
foi o aumento do imobilizado no ano mais marcado pela crise. Foram R$230mm
investidos em imóveis de terceiros, R$44mm em equipamentos, R$30mm em
informática, R$17mm em móveis, entre outros, que totalizaram R$370mm. Além do
prejuízo ter aumentado em R$268mm, e a liquidez caído consideravelmente, a
empresa se alavancou para financiar não só seu capital de giro, mas novos
investimentos. Liquidez caindo, alavancagem operacional aumentando, financiada
com taxas de rolagem cada vez mais elevadas. Sinal de alerta.
Concordo que na crise é
que surgem as oportunidades, e talvez a gestão tenha percebido grandes
vantagens de negociação de pontos comerciais, e resolveu expandir na contramão
da crise, apostando numa retomada mais acelerada, e que ainda não veio.
Entretanto essa alavancagem financeira adicional trouxe certo risco financeiro.
A companhia está sendo
forçada a negociar waivers
de covenants com
bancos, linhas adicionais com taxas de juros mais elevadas (também recorrendo
ao famoso descontando recebíveis), e se comprometendo contratualmente a
entregar um EBITDA mais elevado, a fim de reduzir a alavancagem financeira, em
curto espaço de tempo, sob pena de vencimento antecipado das dívidas.
Chamo a atenção para a
composição do ativo imobilizado da empresa, em que R$ 573mm são benefícios em
imóveis de terceiros que, no caso de descumprimento de contratos de locação,
seriam praticamente perdidos (fora as multas aplicáveis). Se fizermos um
cenário de insolvência ou liquidação, sobraria pouco ativo para pagamento dos
credores, que seriam basicamente quirografários.
Apesar de os credores
terem flexibilizado termos contratuais e concedido mais crédito para a empresa,
momentaneamente (criou-se um folego de 6 meses a um ano), por entender que o
cenário macro irá se estabilizar e a empresa vai voltar aos trilhos que vinha
seguindo, e a velocidade do ramp-up
de consumo, a retomada da receita e margem devem ser acompanhadas de perto.
A entrada do Carlyle,
em 2019, aportando R$700mm com absoluta certeza garantiu a sobrevivência do
negócio, que, caso contrário, dificilmente teria robustez financeira para
conseguir tais negociações e o IPO para captar recursos, a fim de reduzir a
alavancagem, será um divisor de águas.
Caso a empresa consiga
o IPO bem sucedido, conseguirá melhorar seu mix de capital e provavelmente
sairá da crise fortalecida (o investimento feito durante a crise vai com o
tempo passar a dar resultado, e boa parte da concorrência simplesmente
quebrou). Acredito que pela composição das partes interessadas no negócio, esse
seja o cenário mais provável, ou, se não um IPO, uma capitalização por parte
dos sócios ou um private
placement.
Caso o IPO não
aconteça, restará talvez mais uma rodada de negociação com bancos, que poderá
ser feita dentro de um contexto de recuperação extrajudicial, como fez a
Restoque que, também severamente afetada pela pandemia, renegociou suas dívidas
com parcela bullet
de R$1.1 bi para 2025. A composição dos ativos/ garantias da Restoque (varejo)
é mais ou menos a mesma do Madero, benfeitorias em imóveis de terceiros, alguns
ativos, e estoques.
A recuperação
extrajudicial se aplica quando a gravidade da crise é menor, ainda reversível,
e, sobretudo, quando ainda há confiança e bom relacionamento entre devedor e
seus credores, como parece ser o caso do Madero. Nela, o stay period (período de
suspensão das execuções) é restrito aos credores abrangidos pelo plano de
recuperação extrajudicial e, neste, é possível incluir quase todas as dívidas,
até mesmo trabalhistas (desde a reforma pela qual a lei passou no final do ano
passado). Ficam de fora as dívidas tributárias e as que estariam excluídas da
recuperação judicial ordinária, tais como as garantidas por alienação
fiduciária e as decorrentes de contratos de adiantamento de câmbio.
Na extra, o pedido
poderá ser apresentado com 1/3 de adesões de credores abrangidos, para obtenção
de stay period por
90 dias, prazo no qual a empresa poderá chegar aos exigidos 50%+1 voto,
necessários para homologar o plano (e, com isso, sujeitar os credores
dissidentes, aqueles que não concordaram com a proposta do devedor). Os
credores podem ser reunidos por espécie ou por natureza de crédito, o que
possibilita flexibilidade na montagem da estratégia de negociação com aqueles
que serão sujeitos ao pedido.
Em um claro movimento
de desjudicialização da crise, há incentivo para que as empresas passem a usar
mais esse instrumento, inclusive com a proteção dos negócios jurídicos feitos
no âmbito da recuperação extrajudicial, que não são passíveis de revogação, o
que traz segurança aos credores e, muito especialmente, a terceiros que estejam
dispostos a adquirir ativos.
No caso do IPO, tudo
ficará bem. Caso não ocorra, resta saber como Bradesco, BTG Pactual, Banco do
Brasil e demais credores vão reagir neste cenário. Uma recuperação
extrajudicial faria sentido, ainda mais pela fragilidade das garantias dos
créditos envolvidos.
Eu, como adoro Madero,
espero que a qualidade de sempre continue mantida, e que até o final deste ano
tenhamos um desfecho positivo para a empresa.
*Estevão Seccatto Rocha
é professor de Turnaround na FIA Business School. Engenheiro naval (Poli/USP),
extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (FEA/USP), tecnologia
(Singularty University), mestrando (University of Liverpool). Foi head global
de M&A da Atento (NYSE), reestruturador de empresas pela KPMG e IVIX ,
diretor da G4S (LSE) e associado no private equity Artesia. Assessorou mais de
uma centena de empresas. www.turnaroundtalks.com
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