Medida Provisória nº 1.068/2021 altera regras do Marco Civil da Internet: Pode isso Arnaldo?
*Marcio Lamonica
Por meio de uma Medida Provisória -
tratada usualmente como MP - a Presidência da República alterou
substancialmente o Marco Civil da Internet e também a Lei de Direitos Autorais,
especialmente quanto às políticas e procedimentos que tratam do controle,
cancelamento e suspensão de conteúdos publicados, por exemplo, nas redes
sociais.
Trata-se da MP 1.068/2021, inclusive
arrisco dizer que será tema de acirrada discussão e debate por especialistas e
também objeto de questionamento no Poder Judiciário. Já existem notícias de
algumas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas a menos de 24 horas da
publicação da MP, ou seja, o assunto vai ferver no STF.
Qualquer norma que revele indícios de
motivação ideológica (independentemente do lado da mesa que você esteja
sentado), deve ser fortemente criticada e abolida.
O processo legislativo não serve - ou
pelo menos não poderia servir - de palco para discussões acaloradas de
defensores da esquerda ou da direita. Confesso que nos dias atuais não saberia
dizer o que realmente é “ser de esquerda” ou “ser de direita”.
Infelizmente, o momento político atual
do Brasil caminha, a nosso ver, a passos largos ao irracionalismo, muito
próximo de uma caricata discussão de almoço familiar de domingo, tantas vezes
tema de seriados cômicos de muito sucesso no passado.
Voltando ao tema da MP 1.068/21, o
primeiro comentário a ser feito envolve uma questão técnica formal: O assunto
tratado se enquadra nas hipóteses do art. 62 da Constituição Federal do Brasil.
Assim, é o caso de relevância e urgência que permita o Presidente da República
em exercício adotar um comando com força de Lei produzindo efeitos jurídicos
imediatos?
O uso de MP pelo Presidente da República
deveria ser exceção à regra do processo legislativo “normal”, quando um
vereador, deputado ou senador eleito pelo povo, propõem projeto de lei e
submetem ao processo legislativo de aprovação estabelecido pelo sistema.
O site oficial do Congresso Nacional
contém uma explicação muito bem detalhada sobre o processo de tramitação de uma
MP (https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-
provisorias/entenda-a-tramitacao-da-medida-provisoria).
Resumidamente:
- Uma MP editada pelo Presidente
da República produz efeitos jurídicos imediatos à sua publicação no Diário
oficial por 60 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período caso não
tenha sua votação concluída nas duas Casas do Congresso Nacional;
- Se não for apreciada em até 45
dias contados da sua publicação no Diário Oficial, entra em regime de
urgência sobrestando todas as demais deliberações legislativas da Casa em
que estiver tramitando (Câmara dos Deputados ou Senado Federal);
- A MP é votada no Plenário da
Câmara dos Deputados com maioria simples. Rejeitada, a matéria tem a sua
vigência e tramitação encerradas e é arquivada. Se aprovada é remetida ao
Senado Federal;
- No Senado Federal a MP é
aprovada ou rejeitada também por maioria simples. Novamente, se rejeitada
a matéria tem sua vigência e tramitação encerradas e é arquivada. Se
aprovada na íntegra, a MP é enviada à promulgação e se torna lei. Caso
seja aprovada com emendas, a matéria retorna à Câmara dos Deputados, que
deliberará, exclusivamente, sobre as emendas.
Feitas essas considerações técnicas,
passemos a discutir o conteúdo da MP 1.608/21 propriamente dito.
O Marco Civil da Internet carregou amplo
(e demorado) debate no legislativo com a participação da sociedade, sobre
vários temas relacionados à propagação de conteúdo nos meios eletrônicos, com
atribuição de responsabilidade pelos possíveis danos causados pelo mau uso.
Qualquer norma, a rigor, pode ser
alterada e revisada no decorrer do tempo. É assim que deve funcionar o sistema
idealizado. As normas devem ser um reflexo atualizado das necessidades da
Sociedade Civil. No ambiente virtual, as mudanças são ainda mais rápidas e
desafiadoras.
Isso não se discute. Não é esse o ponto!
Mediante o emprego de critérios
subjetivos, a MP 1.068/21 criou um rol taxativo de hipóteses tidas como “justa
causa” para moderação dos conteúdos publicados no ambiente virtual. Isso está
retratado nos artigos 8-A, 8-B e 8-C introduzidos no Marco Civil da Internet.
Pela redação da MP, a exclusão, o
cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, de serviços e funcionalidades da
conta ou do perfil (conceito de moderação)
somente podem ser feitos mediante justa causa e motivação.
O controle deve existir e isso é
fundamental para a subsistência do ambiente virtual harmonioso. A tal “justa
causa” e motivação não são os focos das críticas. A preocupação aqui é o efeito
colateral da criação de critérios rígidos de controle de conteúdo sob a pseuda
preservação incondicionada dos aclamados e fundamentais direito de expressão,
comunicação e manifestação de pensamento.
O uso mal intencionado do ambiente
virtual sem a possibilidade eficaz de controle e moderação também deve ser
combatido.
Esse é o ponto que deve ser objeto de
reflexão, o resto é discussão política ideológica que muitos já não aguentam mais
ouvir e ler.
Marcio Lamonica é sócio do FAS Advogados
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