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No mês de combate ao suicídio, Eduardo Ramos conta viagem para curar depressão

A um passo de tirar a própria vida, autor enfrenta a doença com autoconhecimento e filosofia

Divulgação

"Cheguei ao limite extremo desse moedor de sanidade mental. Desenvolvi uma grave depressão, decorrente de muito estresse e ansiedade gerados por essa vida caótica, sem sentido e vivida de forma pouco natural”. É assim que o escritor brasiliense Eduardo Ramos apresenta ao leitor, nas primeiras páginas de seu livro de estreia Conatus e as conotações do deserto que há em mim (Editora Autografia), o sentimento que o levou a pensar em tirar a própria vida. O tema ainda é tabu na sociedade, o que torna difícil identificar sinais e oferecer ajuda a quem precisa.

Ramos fala da experiência retratada no livro, onde relata um momento crucial vivido no deserto do Atacama quando esteve a um passo de tirar a própria vida. Ele é salvo por uma desconhecida que desaparece, fato que desencadeia uma busca desenfreada para encontrar a mulher misteriosa e a conexão com a própria existência.

Com uma narrativa envolvente, que mistura autobiografia e ficção, Eduardo Ramos coloca o leitor no cenário árido e enigmático do deserto, ao mesmo tempo em que discute os males da construção social que, muitas vezes, colabora com estatísticas negativas impactantes. De acordo com o relatório Suicide worldwide, da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, 700 mil pessoas tiraram a própria vida. Uma em cada 100 mortes no mundo ocorre por suicídio e esta é uma das principais causas de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

Entre os brasileiros, são cerca de 12 mil suicídios todos os anos e a covid-19 impõe um cenário ainda mais desafiador. Conforme dados de uma pesquisa global liderada pela Universidade Estadual de Ohio (EUA), o Brasil lidera índices de ansiedade e depressão na pandemia, quando comparado com outras dez nações.

“O que eu quis retratar é que temos uma sociedade doente, mas que nega a doença”, afirma o Eduardo Ramos. Compartilhando experiências pessoais, o autor desmistifica algumas questões e mostra, por exemplo, que por trás de uma rotina comum, podem estar indivíduos doentes. "A pessoa com depressão também sorri. A depressão não é só estar triste. É estar em sofrimento", diz.

Entender isso, conforme ele, colabora com o combate ao preconceito que ainda gira em torno da doença, ajuda familiares enlutados a não se culparem, além de servir de alerta para que as pessoas olhem para o outro com mais atenção.

Em sua batalha pessoal, Eduardo Ramos conta que é da filosofia do holandês Baruch Spinoza que traz o conceito de "conatus". Entre outras interpretações, a palavra significa a força empregada por qualquer ser para preservar e aprimorar a própria existência. Por meio do conatus e da ideia do Deus de Spinoza, que é a própria natureza, o autor reflete sobre a possibilidade do ser humano se adaptar e conviver melhor com os obstáculos da vida.

Alguém como eu e você

A obra é dividida em duas partes. A primeira é essencialmente autobiográfica. Conta a trajetória de vida dele. “A ideia no livro era mostrar que mesmo pessoas bem-sucedidas, como eu, podem desenvolver, através de uma sociedade doente, uma lógica distorcida da sua própria realidade”, descreve o autor. A segunda parte é ficcional:  por meio de uma misteriosa mulher, ele tem contato com diversos pensadores da história humana e com as ciências, onde foi apresentado ao Deus de Spinoza.

O autor faz uma crítica contundente ao sistema de recompensas que rege a vida das pessoas, falando inclusive do uso exacerbado das redes sociais e de como isso, por exemplo, pode levar à ansiedade, depressão e, em último caso, ao suicídio. “Estava vendo um show do David Gilmour, porque eu gosto muito do Pink Floyd, e as pessoas da plateia estavam com as mãos levantadas e assistindo ao mesmo show pela telinha do celular. Você tem a chance de estar ali, assistindo àquela apresentação incrível, e você fica limitado à telinha do seu celular, porque você precisa registrar, mostrar que estava lá. Isso é tão doentio, porque você deixa de aproveitar o momento ao vivo, sendo que, quando você estiver em casa, poderá assistir ao show novamente com amigos, desta vez sem a aura presencial”, reclama.

Para ele, essa necessidade de aceitação faz parte, cada vez mais, da vida em sociedade. “Eu falo muito disso: para uma sociedade formatada em recompensas, tem sempre uma “cenoura” na frente da boca, sabe? Então a gente fica ali à espera de uma retribuição, mesmo sendo migalha, para que haja o sentimento de pertencimento e aceitação. Isso é o suficiente para que se renuncie a todo e qualquer senso crítico. Satisfaz o ego quando se ganha o like do dia, por exemplo, mas se ninguém o der, você fica péssimo, porque fica frustrado”, pondera. 

Na parte final, o diálogo com a mulher misteriosa ajuda a racionalizar as coisas. Tanto que, agora, o próprio autor consegue falar de maneira aberta sobre o seu sofrimento. “Ele é único, pessoal e intransferível. Então, por mais que você tenha empatia, você não vai conseguir sentir a dor que a pessoa está sentindo. Uma pessoa que tem depressão, não necessariamente está triste, ela está sofrendo”. 

No caso de Eduardo, o próprio livro foi um pouco remédio. “Escrever pra mim é um ato terapêutico, porque escrever é mais ou menos você colocar pra fora tudo isso”. Em um mundo onde a depressão chama cada vez mais atenção, é importante notar como cada um consegue lidar com as suas dores.

Setembro amarelo

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza nacionalmente o Setembro Amarelo para debater e informar sobre depressão e saúde mental. O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

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