Próximos desafios das CBDCs
*Vicente Piccoli M. Braga, Débora Santos da Cunha e Luiz Felipe Lima
As CBDCs (Central Bank Digital
Currencies), sigla em inglês para moedas digitais dos bancos centrais, têm
tomado bastante espaço nos meios de comunicação, principalmente após
sinalizações do Federal Reserve (FED, banco central americano) sobre a
divulgação de um estudo sobre o Dólar Digital até o fim do verão no hemisfério
norte e a divulgação, pelo Banco Central do Brasil (BCB), das diretrizes para
desenvolvimento do Real Digital.
A discussão sobre o desenvolvimento de
CBDCs não está restrita ao continente americano. De acordo com o Banco de
Compensações Internacionais (Bank of International Settlements – BIS), por
volta de 86% dos países estão pesquisando ativamente sobre o tema, enquanto 60%
dos países já estão em fase de testes da nova tecnologia e 14% estão
construindo projetos piloto. O próprio BIS apresentou recentemente um estudo
demonstrando o posicionamento bastante sedimentado em favor da
iniciativa.
A China, por exemplo, está desenvolvendo
o e-yuan, moeda digital que tem por objetivo não só confrontar as criptomoedas,
como também promover inovações nos meios de pagamento e garantir o controle
estatal sobre o fluxo de capital e evitar remessas de ativos ao exterior sem a
ciência do Estado. Atualmente em fase de testes em algumas cidades chinesas, o
e-yuan tem previsão para estreia até os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022. O
governo chinês pretende que boa parte das transações relativas ao evento sejam
realizadas por meio da moeda digital.
A popularização das criptomoedas nos
últimos anos levou várias entidades reguladoras ao redor do mundo a mudar sua
postura em relação a esses ativos. As criptomoedas passaram de serem vistas
como meras “bolhas” especulativas, que não mereciam atenção regulatória ao
representar uma verdadeira ameaça à integridade do sistema financeiro
mundial.
Mas qual a principal razão que levou os
Bancos Centrais dos mais diversos países do globo a se sentirem pressionados a
fazer frente às criptomoedas e iniciar estudos no desenvolvimento de CBDCs?
Ainda que não haja uma resposta uníssona
dos especialistas, todas elas perpassam por uma palavra: controle. A utilização
de criptomoedas é vista como uma ameaça direta à soberania de um país a partir
do momento em que o Estado perde o controle efetivo sobre as transações
realizadas. Ao deixar sob o cuidado de agentes privados não regulados o poder
sobre pagamentos, depósitos e empréstimos, há a possibilidade de perda de
capacidades relevantes, como prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao
terrorismo, tributação, proteção dos investidores e até mesmo gestão da
política monetária.
Outro ponto de pressão para o
desenvolvimento de uma CBDC é a necessidade de inovações nas políticas
monetárias de modo a acompanhar a evolução tecnológica da economia e gerar
maior eficiência no sistema de pagamentos em nível nacional e
internacional.
Para além da preocupação estatal de
soberania fiscal e inovação na política monetária, os agentes privados e
especialistas no setor têm levantado outros pontos de tensão para a criação das
CBDCs. A revista The Economist, em reportagem especial sobre o tema, apontou
três questões centrais que devem ser consideradas na implantação das CBDCs: (i)
poder governamental, (ii) privacidade dos usuários e (iii) estabilidade do
sistema financeiro.
No mesmo sentido, o estudo elaborado pela
Bison Trails, uma startup especializada em blockchain, aponta que o principal
desafio na elaboração de uma CBDC é utilizar a tecnologia para maximizar
benefícios ao governo e aos cidadãos, sem que isso sacrifique a privacidade dos
usuários da moeda digital. Outro ponto destacado pela pesquisa – e também pela
The Economist – é que a implantação da CBDC poderá ser de grande auxílio na
inclusão econômica de aproximadamente 1,7 bilhão de pessoas ainda não
bancarizadas.
De olho nesse debate mundial de transformação
econômica, o BCB vem implementando novas tecnologias visando a modernização,
simplificação e digitalização do Sistema Financeiro Nacional, como o PIX e o
Open Banking, que seriam, nas palavras do próprio BCB, elementos base para a
possível criação do Real Digital.
O ecossistema de pagamentos instantâneos
criado pelo PIX seria o ambiente ideal para o uso do Real Digital, visto que,
assim como o PIX, o Real Digital pretende ser uma maneira de se realizar
pagamentos de forma instantânea e com um menor número de intermediários do que
nas formas tradicionais de pagamento, como o cartão de crédito. O Open Banking,
por sua vez, trará ao Sistema Financeiro Nacional um cenário de maior
competição e inovação, o que será benéfico ao Sistema como um todo. Essa
estratégia foi bem sintetizada pela figura abaixo, exposta pelo Presidente do
BCB no evento “Americas Society and Council of the Americas”:
Fonte:
Apresentação
do Banco Central do Brasil no “Americas Society and Council of the Americas
Brazilian Economic Outlook and Agenda BC#” em 30 de setembro de 2020. Acessado
em 16 de junho de 2021.
O BCB, que já possui Grupo de Trabalho
interno sobre o tema desde agosto de 2020, divulgou as diretrizes para possível
criação do Real Digital. Dentre os principais pontos trazidos pelas diretrizes
do BCB, há o interesse no desenvolvimento de uma moeda digital, não remunerada,
que possa ser usada no mercado de varejo e que seja um modelo inovador possível
de ser integrado com os avanços tecnológicos como Smart Contracts, Internet das Coisas e Dinheiro
Programável.
Outro ponto de bastante relevância
exposto pelo BCB é que o desenvolvimento do Real Digital se pautará na
otimização de transações transfronteiriças, na proteção do sigilo bancário e
dos dados pessoais de seus usuários e na prevenção à lavagem de dinheiro e
financiamento de atividades ilícitas.
Observa-se uma grande preocupação do BCB
em criar uma moeda digital que possa balancear, de um lado, a necessidade de
políticas monetárias que se adequem com as evoluções tecnológicas e, de outro,
a estabilidade e higidez do Sistema Financeiro Nacional.
Apesar de as CBDCs terem potenciais características
de enfrentamento às criptomoedas e serem usadas declaradamente com este
objetivo em países como a China, a possibilidade de criação, pelo BCB, de uma
moeda digital foi bem aceita pelos especialistas do setor de criptoativos, os
quais discordam sobre uma possível competição entre os tipos de ativos. Isso
porque, criptomoedas como o Bitcoin possuem como principal característica a
atuação sem o intermédio de uma instituição financeira e sem o controle
estatal.
Os especialistas também veem como positiva
a criação de CBDCs, pois podem legitimar o uso das estruturas tecnológicas que
estão por trás das criptomoedas como a Distributed
Ledger Technology (DLT), que já conta com expressiva utilização no
setor privado.
Ainda que a divulgação de diretrizes
pelo BCB seja um sinal positivo ao desenvolvimento de uma moeda brasileira
digital, os estudos devem se prolongar no tempo, tendo em vista os diversos e
ainda não mensurados impactos que o desenvolvimento da CBDC pode causar ao
Sistema Financeiro Nacional e ao Sistema Brasileiro de Pagamentos. Cabe aos
agentes privados do mercado financeiro aguardarem os próximos passos do BCB, já
que os estudos sobre o tema ainda estão em fase embrionária e o próprio BCB
sinalizou para 2024 como sua expectativa de implementação da
iniciativa.
Autores: Débora Santos da Cunha, Luiz Felipe
Lima e Vicente Piccoli M. Braga, sócios do FAS Advogados
Nenhum comentário