A polêmica inclusão de velhice na CID-11 e seu impacto no mercado securitário
Marcelo Franciozi Fonseca é advogado e atua como especialista em Seguros no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica/Divulgação. |
Com previsão de
entrada em vigor no dia 1º de janeiro de 2022, a nova Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11), organizada
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), trará uma novidade: o código MG2A, que
nada mais é do que a inclusão da “velhice” no rol de doenças.
Apoiada por mais de
200 cientistas, a OMS incluirá no Capítulo 21 do documento os sinais, sintomas
ou achados clínicos relacionados ao avanço da idade. A Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia (SBGG), no entanto, é contra a nova classificação, uma
vez que pode incentivar o etarismo, ou seja, o preconceito em virtude da idade,
qualificando o envelhecimento como algo negativo.
A razão alegada pela
OMS é o reconhecimento de que as pessoas podem morrer de velhice. O exemplo
mais recente e famoso é o falecimento do Príncipe Philip, aos 99 anos. O
atestado de óbito do marido da Rainha da Inglaterra informava “morte por idade
avançada”.
De acordo com a
doutrina médica, o termo velhice é uma condição/processo, não uma doença,
portanto, a novidade seria equivocada. Não obstante, sua função é substituir a
atual “senilidade”, usada na CID-10, que agrega uma conotação pejorativa.
Como fica o mercado de seguros?
Nesta linha de
raciocínio, levando em consideração a população brasileira, 33 milhões de
pessoas seriam hoje acometidas por uma nova enfermidade, impactando
sobremaneira no mercado securitário.
Na prática, a “nova
doença” pode trazer complicações na hora de contratar um seguro de vida, por
exemplo. Isso porque, pessoas com mais de 60 anos poderão ser consideradas
enfermas o que, em última análise, poderia implicar numa eventual negativa de
contratação de seguro.
É bem verdade que,
ao contratar um seguro de vida, os clientes passam por avaliação criteriosa de
risco, na qual são considerados fatores como idade e condição de saúde, que
servem para a precificação do produto. Entretanto, na prática, é possível que
cada seguradora adote mudanças internas e diversas em seus critérios – o que
pode levar, inclusive, a eventual queda de novas contratações, devido à
necessidade de reajustes de valores, uma vez que velhice agora é considerada
doença.
Além disso, a
velhice poderá agregar a lista de doenças não cobertas pelos seguros de vida
(risco excluído), inviabilizando o pagamento da indenização securitária em
muitos casos. Como consequência, poderá ensejar a judicialização desta nova
controvérsia.
Diz-se isso pois, no
Brasil, há estatísticas que indicam que três quartos das mortes ocorrem a
partir dos 60 anos, em virtude de doenças cardiovasculares, oncológicas e
neurológicas. Se tais óbitos forem resumidos à velhice, há riscos de
precariedade nas informações e nos investimentos para tratamentos destas
doenças e uma provável obstaculização às garantias contratadas junto às
seguradoras.
Adicionalmente, a
mudança proposta pela OMS afrontará frontalmente o Código de Defesa do
Consumidor (CDC). Afinal, com a velhice sendo considerada uma doença, a
vulnerabilidade do idoso, ante à sua hipossuficiência, poderá ser posta em
cheque perante o CDC.
Ainda não há
consequências concretas ao mercado securitário acerca desta novidade, em que
pese a grande articulação interna das empresas privadas, médicos e
representantes das entidades mundiais. O que se tem de certo e palpável até o
momento são as infindáveis discussões e análises sobre o tema, que podem tirar
o sono de fornecedores e consumidores.
*Marcelo Franciozi Fonseca é advogado
e atua como especialista em Seguros no escritório Rücker Curi Advocacia e
Consultoria Jurídica.
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