Empresas precisam assumir a responsabilidade pela piora na saúde mental dos funcionários
Mais do que dar folga, gestores precisam
identificar e mitigar os efeitos de um ambiente de trabalho nocivo, diz
especialista em psicologia positiva.
A pandemia tornou ainda
mais urgente o debate sobre saúde mental nas empresas. O burnout ganhou
especial evidência, frente ao aumento no número de casos no país e no mundo. As
respostas das companhias são diversas: vão de estabelecer dias livres de
reuniões até oferecer assistência psicológica. Mas uma postura ainda aparece
pouco na agenda corporativa, segundo especialistas. É preciso trabalhar mais na
prevenção do problema do que em ações paliativas.
No contexto
profissional, isso significa, primeiramente, cuidar do ambiente e das condições
de trabalho dos funcionários. O estilo de gestão da liderança é determinante
para o bem-estar dos profissionais, destaca
Ana Léria, especialista em psicologia positiva e comunicação.
"O fator número um
de sofrimento nas empresas são os relacionamentos. Se a pessoa tem um líder
autoritário, que pressiona e estabelece metas impossíveis, está mais propensa a
adoecer", explica Léria, que há 20 anos fundou a Posithiva,
consultoria de cultura organizacional humana e sustentável. Em um cenário como
esse, atividades de descompressão não são suficientes. "Bons ambientes e
relações de colaboração e confiança são alguns dos fatores que influenciam o
bem-estar de maneira mais profunda."
A carga de trabalho
também tem um peso significativo. Esse foi mais um fator agravado pela pandemia
e, em muitos casos, pelo trabalho remoto e suas circunstâncias. Na
migração para esse modelo, o excesso de reuniões virtuais se tornou um problema
comum. Em uma pesquisa realizada pela Faculdade de Economia e Administração da
Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pela Fundação Instituto de Administração
(FIA), 45% dos entrevistados disseram estar trabalhando mais de 45 horas por
semana desde que entraram em home office. Uma parcela de 23% disse
trabalhar entre 49 e 70 horas por semana, enquanto 6% ultrapassam 70 horas
semanais.
Um levantamento da
startup Fhinck também identificou essa tendência. A empresa disponibiliza um
software que ajuda empresas a otimizar processos e tarefas entre os
funcionários. No último ano, identificou um aumento médio de 12% na jornada de trabalho dos
mais de 12 mil profissionais que utilizam a ferramenta. Uma parcela de 7%
deles, em média, manteve jornadas de 60 horas ou mais no período. Diante do
cenário, a startup passou a alertar as companhias sobre os riscos de burnout.
Desempenhar atividades
repetitivas por longos períodos, manter horários irregulares de almoço (ou não
efetuar essa pausa) e não ter um descanso mínimo de 11 horas entre as jornadas
são alguns fatores considerados de alerta.
Nem tudo é sobre
burnout
O aumento na incidência
da síndrome de burnout é um alerta importante e urgente para empregadores. Mas
garantir o bem-estar dos funcionários começa muito antes (e vai muito além) de
evitar o seu esgotamento. Também não se trata de oferecer benefícios pontuais e
isolados.
"Quando se fala de
colaboradores felizes, empresas pensam em mesas de bilhar, premiações, euforia.
Mas a felicidade plena e autêntica não vem dos momentos de prazer ou
descompressão. Vem das ações que promovem o bem-estar subjetivo das
pessoas", diz Ana Léria.
Colaboração, autonomia
e feedbacks são alguns fatores que colaboram com esse objetivo, segundo a
psicóloga. Capacitar os funcionários, garantindo sua aptidão para exercer suas
atividades, também é considerado um fator determinante para o bem-estar no
trabalho. Tarefas burocráticas, falta de autonomia e microgerenciamento, ao
contrário, têm efeito negativo na satisfação e no desempenho. Por esse e outros
motivos, a abordagem sobre saúde mental não deve ser tratada como uma
responsabilidade exclusiva do departamento de RH. Cabe à área, sobretudo,
preparar a liderança para fazer uma gestão adequada.
Uma pesquisa realizada
pela empresa de recrutamento e seleção Kenoby mostra que o tema saúde mental
ainda precisa avançar no meio corporativo. Em um levantamento com 488
profissionais de RH de grandes empresas brasileiras, no início deste ano, 60%
afirmaram que contratar uma pessoa ou criar um departamento de saúde mental é
prioridade para a sua empresa. Mas 53% não sabem dizer quando isso será feito.
Se companhias estão tão interessadas no ESG, não há por que não acelerar essa mudança. "Hoje é comum as empresas prestarem contas sobre preservação ambiental, mas esquecerem da sustentabilidade humana", diz Ana Léria.
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