Enquanto o Brasil patina, Europa avança na integração ferroviária do continente
José Manoel Ferreira Gonçalves*
Enquanto o Brasil
aponta para o retrocesso na política pública para suas ferrovias, com a
assunção do modelo de autorização em vez da abertura de concorrências públicas,
a Europa dá exemplo de integração a partir dos trilhos.
No início deste mês,
estivemos em Portugal e presenciamos a partida de um “comboio” (como as
composições ferroviárias são conhecidas em terras lusitanas) que irá percorrer
26 nações, conectando todo o continente.
Por que uma jornada
como essa não é possível aqui, no Brasil? Por que, apesar de possuirmos 30 mil
quilômetros de linhas – e tendo a necessidade urgente de dotarmos o país de uma
alternativa econômica, segura e eficaz de transporte de cargas e passageiros,
conforme ficou claro nos últimos dias, com mais uma ameaça de paralisação dos
caminhoneiros –, por que afinal, ainda assim, o trem aqui é relegado a segundo
plano?
É certo que a
priorização do transporte ferroviário envolve tanto a vontade política quanto a
percepção do Estado sobre o papel das ferrovias. Posturas que, infelizmente,
estão em falta no Brasil.
No caso do Velho Mundo,
as nações enxergam no trem não apenas oportunidades econômicas, com o turismo à
frente, mas também a chance de reduzir suas respectivas emissões de gases de
efeito estufa, com a racionalização do uso mais intenso do modal.
Este 2021 foi
designado, aliás, como o Ano Europeu do Transporte Ferroviário. Com mais essa
motivação para a experimentação das viagens sobre trilhos, a Comissão Europeia
pretende salientar os benefícios do transporte ferroviário enquanto meio de
transporte sustentável, inteligente e seguro. Várias atividades estão
destacando o setor ao longo deste ano, a fim de incentivar a utilização do
modal ferroviário pelos cidadãos e empresas. Outro objetivo é contribuir com o
Pacto Ecológico da União Europeia para a neutralidade climática até 2050.
Mas, ainda que haja uma
tradição no uso dos trens, a Europa apresenta queda nos números do setor, sob o
impacto generalizado das restrições causadas pela pandemia: apenas 7 % dos
passageiros utilizam o transporte ferroviário e somente 11 % das mercadorias
são assim transportadas. Portanto, o Ano Europeu do Transporte Ferroviário foi
uma iniciativa muito bem-vinda. O meio ambiente também agradece.
Entre os países da
União Europeia, o transporte ferroviário é responsável por menos de 0,5 % das
emissões de gases com efeito de estufa relacionadas com os transportes, o que
faz dele uma das formas mais sustentáveis de transporte de passageiros e de
mercadorias. Entre outros benefícios, o transporte ferroviário é ainda
excecionalmente seguro.
A Europa sinaliza,
portanto, um renascimento do trem como fator de integração, crescimento
econômico e sustentabilidade. Que as lições desse reaprendizado europeu nos
sirvam como inspiração para podermos recuperar nossas ferrovias e colocá-las a
serviço de um projeto de nação próspera e igualitária.
O futuro, tanto lá,
como cá, está no transporte ferroviário.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias)
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