Um manicômio tributário chamado Brasil
Samuel Hanan*
Das várias reformas que
o Brasil precisa para voltar a se desenvolver e propiciar uma vida digna aos
seus 213 milhões de habitantes, talvez a mais urgente seja a tributária. Isso
porque, ao optar por tributar fortemente o consumo, e não a renda/capital, o
País escolheu o caminho errado. Essa sinuosa estrada arrecadadora não é nada
segura e sacrifica o bolso dos mais pobres. Representa a aceleração das
desigualdades ladeira abaixo.
Hoje a tributação sobre
o consumo responde por 41% a 44% do total da arrecadação tributária.
Praticamente metade disso advém da tributação sobre a renda: de 21% a 23%. Nos
Estados Unidos, a maior economia do mundo, ocorre exatamente o inverso: a
tributação sobre a renda responde por 44% da arrecadação total e apenas 18% são
resultado do consumo. No Japão, essa relação é de 49% para 19%. Outros países
de economia forte também adotam tributação maior sobre a renda do que sobre o
consumo, como Holanda, Reino Unido, Itália e Canadá.
Esta é uma das origens
do aprofundamento das desigualdades sociais brasileiras, uma verdadeira fábrica
de pobreza. Basta conferir a incidência de tributos em alguns gêneros de
produtos de primeira necessidade: 24,02% na água encanada tratada por concessionária,
48,28% na energia elétrica, 30,15% na linha de telefone celular, 22,79% no óleo
comestível, 26,80% na carne de frango, 16,30% no macarrão. Uma geladeira tem
46,21% em impostos no preço final. Uma vassoura, 34,27%.
Programas de
distribuição de vale-gás e de absorvente higiênico não seriam necessários se o
governo federal simplesmente reduzisse os tributos sobre esses produtos – hoje
de 34,04% e 34,48%, respectivamente -, tornando-os mais acessíveis à população
de baixa renda.
O atual sistema tributário,
injusto e regressivo, é responsável – juntamente com outras causas – pela
situação de penúria da maioria da população brasileira. Como exemplo, um
trabalhador com remuneração mensal de dois salários-mínimos, devolve todo mês
aos governos federal, estadual e municipal no mínimo R$ 386,82 em tributos.
Esse cálculo envolve as alíquotas sobre água, energia elétrica, gás de cozinha,
alimentação básica, telefone celular, produtos de higiene e limpeza, vestuário,
material escolar e medicamentos. Nesse cálculo básico, 28,27% dos rendimentos
desse trabalhador vão, compulsoriamente, para os cofres públicos.
Essa carga tributária é
um fardo pesado para o trabalhador carregar. Em 2020, o total de impostos pagos
anualmente por um brasileiro correspondia ao rendimento de 151 dias de seu
trabalho. O que significa dizer que nossos cidadãos trabalham cinco dos 12
meses do ano apenas para pagar impostos.
É preciso rever também
a questão dos gastos tributários, que somam nada menos do que 15% do total
arrecadado. Somente os gastos tributários da União representam 3,91% do PIB
nacional.
Como agravante, temos a
irresponsabilidade na concessão de benefícios fiscais, com muita generosidade e
sem prazo determinado, sem regressividade ao longo do tempo e sem nenhum
mecanismo de avaliação prática que se tornou comum ao longo do tempo, somando,
por mais de uma década renúncia de R$ 287 bilhões/ano pela União (Fonte: SRF/LDO’s e CONFAZ), e
mais R$ 50 bilhões/ano pelos estados, neste caso, o correspondente a 0,72% do
PIB nacional. Tudo isso em tolerado descumprimento à legislação brasileira
(Constituição Federal de 1988 e Leis Complementares).
Esse quadro deixa claro
que o Brasil se transformou em um manicômio tributário. O País está preso em
sua própria camisa-de-força, o que impede seu desenvolvimento. E a conta dessa
loucura quem paga é a população, especialmente a mais pobre, justamente a mais
necessitada.
** Samuel Hanan é engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002)
Nenhum comentário