Após decisão do TJ-RS, regulamentação nacional sobre transações de tokens imobiliários pode ser necessária para evitar insegurança jurídica
*por Tania Liberman, Luiz Di Sessa e Marcos Prado
A Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul publicou um Provimento que pode
iniciar um processo de regulamentações estaduais, para fins notariais e
registrais imobiliários, relacionadas à tokenização imobiliária, ou seja,
operações em que ativos reais, no caso imóveis, são transformados em porções
digitais criptografadas únicas, um movimento de mercado que vem ganhando
espaço.
O Provimento CGJ-RS nº 038/2021,
publicado recentemente, regulamenta a lavratura e o registro cartorário de
escrituras públicas de imóveis quitados com tokens/criptoativos. A decisão teve
origem em consulta formulada pela Associação dos Notários e Registradores do
Estado do Rio Grande do Sul (ANOREG-RS) em um caso em que um ex-proprietário
alienou seu imóvel em contrapartida da emissão de um token virtual
representativo da propriedade e versou sobre a possibilidade legal, validade e
eficácia da lavratura e registro desse novo tipo de escritura.
A decisão do tribunal gaúcho especifica
que a “propriedade digital” do imóvel não pode ser confundida com a
“propriedade formal”. A primeira possui natureza meramente contratual, com a
possibilidade de transações de direitos sobre frações virtuais dos imóveis a
terceiros. Já a segunda, registrada em cartório, garante ao ex-proprietário a
posse, uso, fruição e livre disposição do imóvel. Segundo o Provimento, não há
qualquer impedimento ilegal para esse novo tipo de operação, desde que as
obrigações de natureza tributária continuem sendo cumpridas e que não haja
qualquer objeto fraudulento e/ou ilícito envolvido.
O Provimento determina que haja
declarações entre as partes sobre o reconhecimento dos tokens como objeto de
permuta e de que eles não representam direitos reais sobre o imóvel permutado,
além de posicionar que os valores transacionados guardem as devidas proporções
em relação à avaliação atualizada de mercado do imóvel permutado.
Assim, apesar da preocupação com todos
os requisitos legais de praxe, o Provimento não deve atrapalhar a inovação
econômica trazida pelas novas operações de tokenização imobiliária, que estão
ganhando cada vez mais espaço no mercado. A decisão reforça que, apesar de um
proprietário não possuir o ativo digitalmente ele ainda detém o ativo
imobiliário real registrado em cartório. A transação digital não exclui as
obrigações legais e tributárias referentes a uma propriedade formal e ainda
valoriza a importância dos Cartórios de Registro de Imóveis no Brasil, como
responsáveis pela segurança jurídica das transações imobiliárias no mercado.
Em um mercado ainda desregulado, é o
posicionamento de outros tribunais e corregedorias estaduais de serviços
notariais e registrais serão determinantes para que haja uma percepção mais
clara acerca dos riscos jurídicos atrelados a este modelo de negócio. Também é
importante ressaltar a possibilidade de diferentes interpretações criarem polos
regionais de operações baseadas na comercialização de tokens. Para que haja uma
padronização nacional do assunto, será necessário que o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) normatize as novas operações imobiliárias com tokens, uniformizando o
tratamento notarial e registral das escrituras públicas de alienação de imóveis
com tokens registrados na blockchain, ambiente virtual que apresenta todos os
registros de transações.
*Tania Liberman, Luiz Di Sessa e Marcos Prado são sócios do escritório Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, nas áreas de Tecnologia, Proteção de Dados e Propriedade Intelectual, e Imobiliária.
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