O novo marco das ferrovias é um retrocesso e ameaça o futuro dos trilhos no país
José Manoel Ferreira Gonçalves*
Aprovado no Senado e na
Câmara dos Deputados, o novo marco legal das ferrovias está longe de ser um
avanço. Ao contrário, ele representa um retrocesso ao legitimar um modelo que
nada favorece o desenvolvimento da malha ferroviária para o transporte
abrangente e intenso de mercadorias e passageiros.
Caso seja realmente
validado no Legislativo, terá efeitos devastadores – e por décadas a fio –
sobre o já combalido transporte ferroviário do país. Prevista no marco, a
criação do regime de autorização entrega à iniciativa privada a prerrogativa de
investir apenas nos trechos que lhe interessam, e torna o Estado ainda mais
inoperante do que se encontra hoje em sua missão de planejar e implantar uma
política de integração nacional a partir dos trilhos.
O novo marco legal das
ferrovias é um grande acordo que apenas favorece a iniciativa privada. O
mercado até aqui tem se comportado como se esperava, manifestando-se de forma
uníssona em torno das chamadas garantias aos investidores. Porém, a questão da
ampliação da malha ferroviária é muito mais complexa do que o lobby das
empresas quer transparecer.
Quem pagará o preço
pelo acordo que se avizinha em Brasília será a população. Somos provavelmente o
único país continental do mundo que não usa suas ferrovias para transportar
passageiros. Quando as utilizamos, é para levar commodities até os portos, para
daí serem exportadas. Por que, ao contrário das nações desenvolvidas, nós
devemos ter essa visão tão simplista dos trens?
E o que é pior: por que
devemos perpetuar, via marco legal, essa situação vexatória de nossa malha
ferroviária? Por que ela não pode ser uma indutora de crescimento e de
integração nacional, em vez de se limitar ao transporte de meia dúzia de
mercadorias?
Pensar que a ferrovia
nacional se presta apenas à logística de soja, açúcar, milho e minério de ferro
é um aviltamento das possibilidades desse modal. Um plano nacional com a
criação de centros de distribuição de cargas seria o primeiro passo para
explorarmos melhor a possibilidade que os trilhos oferecem como transporte.
A miopia que grassa
entre os homens que deveriam traçar políticas públicas – referendada pelo
mercado, ávido por lucros – irá sepultar as ferrovias do país. Precisamos
urgentemente de um projeto de nação. Que tal começar pelos nossos trens?
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias).
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